Remédio usado em síndrome que pode estar associada à covid está em falta no SUS
Segundo gestores do SUS, a falta do medicamento se agravou desde abril.
• Atualizado
O Sistema Único de Saúde (SUS) tem baixos estoques de imunoglobulina humana, medicamento que beneficia pacientes de diversas doenças, também indicado em casos de síndrome inflamatória multissistêmica pediátrica, associada à covid-19.
Documento de abril do Ministério da Saúde obtido pelo Estadão já apontava “situação crítica” pelo desabastecimento. Técnicos da pasta recomendavam comprar a “máxima quantidade do medicamento que estiver ao seu alcance, uma vez que não se descarta um cenário dramático mundial no qual o produto possa ser tratado como questão de Estado e de segurança nacional.
Desde 2019, a distribuição da droga está prejudicada, pois valores pagos em compras pelo ministério e a segurança do produto escolhido foram contestados por empresas, Tribunal de Contas da União (TCU), Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e na Justiça.
A imunoglobulina usada no SUS é comprada pelo governo federal e distribuída aos Estados. Atualmente há cerca de 3 mil pacientes cadastrados para receber regularmente a droga, que também é aplicada em hospitais para repor anticorpos.
Em 6 de agosto, o ministério afirmou que monitora casos de síndrome inflamatória multissistêmica pediátrica em crianças e adolescentes de 7 meses a 16 anos. “O objetivo é identificar se a síndrome pode estar relacionada à covid-19”, afirmou a pasta.
Levantamento feito pelo Estadão aponta que pelo menos 14 Estados e o Distrito Federal já registraram casos da síndrome, totalizando 144 com diagnóstico ou quadro suspeito e 9 mortes, em análise ou confirmadas.
Coordenador da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia (Asbai), Gesmar Rodrigues Silva afirma que o cenário de desabastecimento é “preocupante”. Ele explica que a imunoglobulina beneficia desde pacientes com doenças crônicas até aqueles que recebem a droga para tratar uma infecção aguda. “Alguns pacientes da covid-19 usam como medida salvadora”, diz ele.
A doença observada em crianças, e que pode ter relação com a covid-19, tem causado miocardiopatia, entre outros sintomas. “É uma inflamação no coração. A criança acaba precisando do suporte de UTI. E o que controla a inflamação é a imunoglobulina”, afirma.
Desabastecimento
O Ministério da Saúde não informa os estoques atuais de imunoglobulina. Segundo gestores do SUS, a falta do medicamento se agravou desde abril, quando técnicos do governo federal apontavam “situação crítica” e projetavam risco à segurança nacional.
A Secretaria de Saúde de São Paulo informou que tem estoque “residual” e que o ministério fez a última entrega em julho, “com apenas 9,5% do quantitativo solicitado para aquele período”. O governo paulista diz que monitora os estoques e pode remanejar frascos entre as farmácias públicas do Estado, se preciso. “Os protocolos do SUS preveem o uso do medicamento para tratamento de diversas patologias, como anemia, aplasia, imunodeficiência, púrpura, imunossupressão, entre outros.”
No Pará, a Secretaria de Saúde do Estado disse que enfrenta o desabastecimento desde o início do segundo semestre de 2019. Hoje não há estoque no Estado. O Distrito Federal afirmou que o ministério “não conseguiu atender” a demanda de produtos para distribuição a pacientes que recebem a droga regularmente.
O Amazonas tem o medicamento para os próximos 30 dias. “O Ministério da Saúde vem realizando o repasse do medicamento, porém em quantidade abaixo da necessidade”, afirma o governo local.
Já as 144 ampolas que restam na Bahia devem se esgotar em setembro. Os estoques no Paraná sequer chegam lá e terminam em agosto.
O Rio de Janeiro, no entanto, disse que as entregas estão regulares e tem o produto disponível, mas não apontou até quanto.
Compra frustrada
A investida mais recente do governo para abastecer o SUS com imunoglobulina fracassou nesta segunda-feira, 17. Nenhuma empresa que detém o registro da droga no Brasil fez ofertas em licitação de 575 mil unidades do medicamento. O negócio poderia chegar a R$ 575,38 milhões e garantiria o abastecimento do SUS até o fim do ano.
Apenas uma farmacêutica entrou nesta disputa, oferecendo a venda de 86,3 mil frascos por R$ 1.888 por unidade, cerca do dobro do valor aceito pelo governo. A proposta foi rejeitada.
A disputa para importar a imunoglobulina se estende desde o fim de 2018, quando um contrato de R$ 280 milhões teve o preço questionado pelo TCU. O Ministério da Saúde argumenta que, após recomendação do tribunal, começou a busca no exterior de modelos sem registro da Anvisa, porque não encontrou empresa no País que apresentasse os preços regulares.
O governo Jair Bolsonaro chegou a tentar a compra em uma empresa da Ucrânia, que não cumpria exigências mínimas da Anvisa. A agência negou a importação do ministério e, nos bastidores, deixou claro à época que o produto poderia ser ineficaz e perigoso aos pacientes.
Pressionada pelo governo, a Anvisa liberou em março a importação de uma compra do ministério com empresas da China e Coreia do Sul, que não possuem o produto registrado no Brasil. Cerca de cinco meses depois, as entregas não se concluíram.
Para Gesmar, da Asbai, a droga, feita a partir do plasma humano, é estratégica e o País deveria pensar em formas de produzi-la. Ele aponta que dificilmente o governo conseguirá comprar o medicamento pelo preço fixado pelo governo, que seria inferior ao encontrado no mercado internacional.
Procurado, o Ministério da Saúde não se manifestou.
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