Fim de distribuição de medicamento pode interromper transplantes de medula no Brasil
A falta da droga pode inviabilizar os tratamentos e, no limite, levar pacientes à morte.
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Pessoas que precisam de transplante de medula óssea podem ter sérias dificuldades no próximo ano. Associações médicas e de pacientes alertam sobre uma possível interrupção da distribuição do medicamento bussulfano, essencial para preparar o organismo antes do procedimento médico. A falta da droga pode inviabilizar os tratamentos e, no limite, levar pacientes à morte.
O laboratório francês Pierre Fabre anunciou, no fim de novembro, que deixará de distribuir o medicamento. Há estoque somente até junho de 2021, segundo a empresa. Como não há outra farmacêutica com esse medicamento registrado no País, as importações seguintes para as redes pública e privada do SUS, se houver fornecedor, terão de ser avaliadas caso a caso pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Nesse cenário, a entrada no Brasil é lenta, incerta e o preço também pode ficar fora dos parâmetros definidos pelo governo federal. Cada frasco do medicamento custa R$ 6,5 mil para a rede pública, considerando o ICMS cobrado em São Paulo. Em farmácias, o preço supera R$ 8,5 mil. Há ainda resistência de planos de saúde a cobrirem tratamentos com drogas que não têm registro no Brasil.
O bussulfano serve para tratamento prévio, ao destruir a medula óssea original do paciente e permitir que seja feito o transplante. Doenças onco-hematológicas, como leucemias agudas, linfomas e mielomas são beneficiadas com esses procedimentos.
Transplantes negados
Presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia Pediátrica (Sobope), Cláudio Galvão estima que 70% a 80% dos transplantes serão negados sem este medicamento. “A droga tem 1001 utilidades”, disse ele. A Sobope e a Sociedade Brasileira de Transplante de Medula Óssea (SBTMO) afirmam que, em 2019, foram realizados 3.805 transplantes de medula óssea em adultos e 534 pediátricos. Esse número caiu em 2020 por causa da pandemia do novo coronavírus.
O Ministério da Saúde disse à reportagem que o Instituto Nacional de Câncer (INCA) tem estoque de bussulfano suficiente para o primeiro trimestre de 2021. Também afirmou que o medicamento pode ser substituído e que esse processo deve ser avaliado entre o médico e o paciente.
Falta de medicamentos
Para Galvão, porém, o bussulfano não pode ser trocado em muitas situações. “Vai ser um cenário de absoluto caos. Alguns pacientes não vão ter droga para fazer transplante. São medicamentos tradicionais, antigos, esquemas muito bem consolidados na literatura mundial”, disse ele.
Presidente da SBTMO, Nelson Hamerschlak afirma que, sem a droga, haverá problema para realizar a maioria dos transplantes alogênicos, ou seja, quando as células são recebidas de um doador. “Os substitutos não são ideais e aumentarão riscos e falhas”, disse.
O ministério não quis comentar a manifestação de entidades médicas. “Muito me espanta a condução que está sendo dada pelo Ministério da Saúde. Completo descaso. Também a informação que a empresa nos fornece, acho que é desencontrada. Não consigo entender o que está acontecendo, porque não querem mais fazer ou continuar com o produto”, afirma Galvão. Segundo o médico, outros medicamentos usados em transplante têm faltado, por vezes, no mercado, mesmo registrados no Brasil.
Pirre Fabre x Anvisa
Apesar de ser detentora do registro na Anvisa do bussulfano, a Pierre Fabre não é a fabricante do produto. O laboratório que produz a droga, segundo a Pierre Fabre, teve certificações negadas pela Anvisa. Por isso, o medicamento terá de ser retirado do mercado brasileiro, alega o laboratório francês.
A agência dá outra versão e afirma que a descontinuidade da distribuição “em nada tem a ver com pendências regulatórias e está fora da governança da Anvisa”. “O fornecimento era realizado pela Pierre Fabre. A quebra do fornecimento, na situação atual, não está vinculada a nenhum pedido pendente junto à Anvisa, mas sim ao encerramento da licença comercial do produto à Pierre Fabre, segundo informado por ela própria”, disse a autoridade sanitária.
A Anvisa também disse que não tem instrumento legal para impedir a retirada dos produtos, mas, “considerando a relevância terapêutica do medicamento”, o órgão declara estudar ações para evitar o desabastecimento. “Como, por exemplo, a possibilidade de via acelerada e prioritária para novos registros, importação facilitada, entre outras ações”, afirma a Anvisa.
Em nota à comunidade médica, a Pierre Fabre declara que está trabalhando, inclusive com a Anvisa, para garantir a disponibilidade do Bussulfano mesmo após junho de 2021. “É importante destacar que: 1) a Pierre Fabre é a distribuidora do composto do qual a licença pertence ao laboratório Otsuka e; 2) A Otsuka subcontrata sua fabricação de um parceiro, que não possui as aprovações necessárias pela Anvisa. Até a presente data, a Otsuka e a Pierre Fabre ainda não encontraram um fabricante alternativo adequado para o mercado brasileiro, mas continuam a buscar possibilidades”, afirma o laboratório no documento.
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