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PREOCUPANTE

Número de desalojados em decorrência de chuvas é o maior dos últimos dez anos

Desde 2013, Brasil registrou 1.328 óbitos e 1.221.252 desalojados por causa de chuvas intensas

• Atualizado

SBT News

Por SBT News

Foto: Camila Souza/GOVBA/Divulgação
Foto: Camila Souza/GOVBA/Divulgação

O segundo semestre mal começou, mas 2022 já tem mais registros de desalojados em decorrência de chuvas intensas, no Brasil, do que qualquer outro ano a partir de 2013. No período de 1º de janeiro a 30 de junho, 385.479 pessoas foram obrigadas a abandonar sua habitação e não necessariamente precisaram de abrigo fornecido pelo governo. O número de desabrigados em decorrência das chuvas, ou seja, os cidadãos que tiveram sua habitação afetada e precisaram de abrigo ficou em 48.501. Houve ainda 284 mortos, 2.216 feridos e 261 desaparecidos por causa das precipitações, no país.

O levantamento foi feito pelo SBT News a partir dos relatórios do Sistema Integrado de Informações sobre Desastres (S2ID), do Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR), considerando os registros com Classificação e Codificação Brasileira de Desastres (Cobrade) 1.2.3.0.0 (Alagamentos) e 1.3.2.1.4 (Tempestade Local/Convectiva – Chuvas Intensas). Nos últimos dez anos, foram registrados 1.328 óbitos, 10.375 feridos, 268.540 desabrigados, 1.221.252 desalojados e 4.199 desaparecidos em decorrências de chuvas fortes, no território nacional. 

Este ano, apesar de estar na metade, só perde para 2013 em número de mortos; foram 507 daquela vez. A quantidade de feridos só é menor que a de 2017 (2.422), e a de desabrigados, que as de 2021 (56.209) e 2013 (56.694). No primeiro semestre deste ano, em comparação com os primeiros seis meses de 2021, houve 13,6% mais mortes, 209,93% mais feridos e 69,7% mais desalojados. Tragédias em decorrência de precipitações intensas marcaram o período principalmente no Sudeste e no Nordeste do Brasil. Foram atingidas cidades de Minas GeraisSão Paulo e Petrópolis (RJ), que registraram mortes no período. As chuvas castigaram também Bahia e Pernambuco.

De acordo com a doutora em geografia e coordenadora do Laboratório de Climatologia e Análise Ambiental da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), professora Cássia Ferreira, o poder público, de maneira geral, poderia ter feito mais para proteger os cidadãos e minimizar os danos humanos. Em suas palavras, “a gente não tem uma continuidade das políticas”. “Eu tenho um alarme, quando a coisa fica muito grande, morrem muitas pessoas e tal, então vem investimentos de vários lugares, eu crio alguns mecanismos, e, ao longo dos anos, esses mecanismos deixam de ser efetivos dentro desses períodos, por uma série de questões, por falta de orçamento, por falta de um olhar para essas questões.”

Ainda conforme a professora, no que se refere à resposta a esses tipos de desastres, “os municípios, os estados e a federação de modo geral têm políticas muito paliativas”. “Quando ocorre [o desastre], eu tenho uma ação. Essa ação não é preventiva. Eu deixo ocorrer para tomar as ações. Mas, ao mesmo tempo, quando alguns espaços são recorrentes, aí você tem algum emprego, por exemplo, na contenção de encostas. Você cria algumas políticas principalmente naqueles ambientes aonde a gente tem uma situação que é muito recorrente”, completa.

Para a especialista, diferentemente do que ocorre hoje, o período seco do ano, ou seja, o outono e o inverno, devem ser aproveitados como períodos de preparação das cidades para as estações das chuvas, o que significa as prefeituras, por exemplo, desentupirem os bueiros, desassorearem os rios e aumentarem significativamente as áreas permeáveis. “Porque se ela for se preparar para o período da chuva só quando as chuvas estiverem acontecendo, ela não tem tempo hábil para fazer isso”, pontua.

Questionado pelo SBT News quais as principais medidas que adotou nos últimos anos para evitar danos humanos em decorrência das chuvas e se novas estão sendo estudadas, o MDR disse que “a Defesa Civil Nacional acompanha constantemente, junto aos estados e municípios, as ações de prevenção e preparação de desastres, principalmente quando há risco de nível alto ou altíssimo”. “Nos casos de maior gravidade, equipes técnicas da Defesa Civil acompanham presencialmente as ações nos municípios mais afetados, como foi o caso de Pernambuco e Alagoas”.

Ainda de acordo com a pasta, por causa das fortes chuvas em todo o país, desde novembro último, liberou cerca de R$ 500 milhões para entes municipais e estaduais utilizaram nas ações de socorro, assistência humanitária, entre outras. O ministério fala que um total de R$ 1 bilhão foi colocado à disposição dos municípios atingidos e são liberados quando há demanda e a Defesa Civil Nacional aprova. A pasta destacou também o futuro lançamento do aplicativo que alerta para desastres em todo o país e pontuou que “atualmente, a população brasileira recebe alertas de desastres por SMS, Telegram, TV por assinatura e, também, pelo Google”.

Segundo a coordenadora do Laboratório de Climatologia e Análise Ambiental da UFJF, é necessário existir um sistema de alerta e, no que diz respeito a medidas do poder público para aumentar a proteção à população diante de chuvas intensas, esse sistema é o que mais vem aumentando nas cidades nos últimos anos, mas não está alinhado com outras ações necessárias. “Não basta alertar. Eu tenho que ter as outras etapas desse processo de aviso à população que um evento vai ocorrer ou já se iniciou”, afirma. Entre essas etapas, por exemplo, encaminhar as pessoas para fora do local de risco antes de a chuva começar.

Estados Unidos e Austrália são exemplos de países, citados pela professora, que possuem políticas bem estruturadas de alerta e orientação da população para minimizar danos causados por desastres. Para ela, falta no Brasil também uma educação formal ambiental sobre como agir em condição de alerta. O mestre em geografia e professor do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Antônio José Guerra concorda com a análise. De acordo com ele, um sistema de alerta é importante, porque configura uma forma de conviver com o risco onde não é possível retirar em definitivo todos os moradores, mas “tem que ter treinamentos constantes ali, a população tem que saber qual é a rota de fuga, para onde ela vai, ela tem que estar em treinamentos várias vezes durante o ano”.

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Na avaliação do especialista também, entretanto, o poder público no Brasil, de maneira geral, não faz tudo que pode para evitar ou reduzir os danos humanos em decorrência das chuvas, “especialmente porque, primeiro, quem está ali no poder público, prefeitos, secretários, etc., na maioria das vezes não tem muito conhecimento do que acontece em termos de meio ambiente, que é o que a gente trabalha mais”. “Não tem o mínimo conhecimento. As pessoas que são colocadas em alguns dos cargos também tem pouco conhecimento técnico e científico e também não se preocupam muito com o que pode acontecer com a população no caso de uma chuva concentrada”, completa.

No caso de Petrópolis — que teve mais de 100 mortos por causa das fortes precipitações em fevereiro deste ano –, segundo Guerra, o Executivo municipal dispõe há anos de “informações de qualidade”, fornecidas por ele e colegas da UFRJ e outras universidades, para reduzir os danos causados pelas chuvas, como mapas das áreas mais vulneráveis, mas não age de forma efetiva. Em suas palavras “a preocupação é praticamente zero, porque são feitas obras muito pontuais. Não é uma política pública de remoção de famílias de áreas que são de risco, porque se não houver essa remoção, vão morrer”. Ele avalia também que a prefeitura deveria ter mais cuidado para não deixar os cidadãos estabelecerem moradia em área de risco e “tem muita área de risco em Petrópolis”.

Mudanças climáticas

Tanto Cássia Ferreira como Antônio José Guerra explicam ainda que evitar mortes, feridos, desabrigados e outros danos em decorrência de chuvas intensas passa também por adotar ações de combate ao aquecimento global. Conforme os especialistas, por causa das mudanças climáticas provocadas por esse processo de aumento da temperatura, a tendência é que eventos extremos, como as chuvas em Petrópolis e Pernambuco, fiquem mais recorrentes e intensos.

“E quando eu falo em intensidade, eu estou falando de um volume de precipitação cada vez mais concentrado. Então a cidade mais que nunca ela vai ter que estar preparada. E o que a gente coloca é: já não estava preparada para o que vinha antes, aí agora ela tem que correr muito atrás desse prejuízo para se preparar para o que virá”, acrescenta a doutora em geografia. Ela relembra que é a população mais empobrecida que fica nas áreas de risco para danos em decorrências das chuvas, no Brasil, e, consequentemente, essas são as pessoas mais vulneráveis aos eventos extremos.

E uma das formas de combater o aquecimento global, reforça Guerra, é o reflorestamento. “Em vez  de desmatar tanto a Amazônia, reflorestar não só a Amazônia como o Cerrado, que são as áreas mais atingidas, o Pantanal Mato-Grossense também. A própria Serra do Mar aqui no Rio de Janeiro, São Paulo, que vem sendo cada vez mais desmatada”, afirma. Ele ressalta também que, retirando a cobertura vegetal, “essa água da chuva que cai escoa rapidamente e causa mais enchentes, porque ela chega mais rapidamente aos rios, então é um problema aí, é uma escala em dominó”.

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