João Silva

Graduado em economia e relações internacionais pela Boston Univeristy. Mestre em relações internacionais na University of Chicago e mestre em finanças pela University of Miami.


João Victor da Silva Compartilhar
João Silva

Uma Resenha do Livro “O Projeto Chile”

O livro do renomado economista chileno Sebastian Edwards é uma leitura essencial para aqueles interessados em mergulhar na fascinante intersecção entre história, política e economia do nosso vizinho andino.

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Foto: reprodução/Canva
Foto: reprodução/Canva

Desde o início da minha juventude, tive um grande interesse pelas ciências sociais. Disciplinas como geografia e história me despertaram um interesse cativante nos anos escolares. Não foi por acaso que decidi estudar economia e relações internacionais durante minha jornada acadêmica. Na minha opinião, compreender de forma mais clara economia, política, história e outras áreas das ciências sociais é o caminho fundamental para encontrar respostas duas das perguntas que sempre me instigaram: quais as origens do subdesenvolvimento brasileiro? Quais seriam os caminhos para o país superar os obstáculos do subdesenvolvimento?

O ponto de partida dos meus estudos, naturalmente, era identificar os principais desafios da economia e, em certa medida, da sociedade brasileira. Durante a maior parte da minha adolescência, o Brasil atravessou o governo da ex-presidente Dilma Rousseff, período marcado pela pior recessão de sua história. Para aqueles com memória curta, é importante relembrar: o governo Dilma causou mais danos à economia brasileira do que a pandemia da Covid-19! No entanto, é crucial ter em mente que os problemas do Brasil vão além desse governo específico. Na verdade, muitos desses desafios persistem há séculos. Contudo, sempre me pareceu claro que o populismo, o socialismo e a corrupção são as principais causas da armadilha de baixo crescimento na qual o Brasil está preso nas últimas décadas.

Após anos de estudo sobre o tema, é inevitável encontrar exemplos de outras nações na busca por compreender os êxitos e fracassos, tanto em termos políticos, econômicos quanto sociais dos países. Infelizmente, vivemos em um continente com poucas histórias de êxito. Apenas Panamá, Costa Rica e Chile conseguiram, em parte, se distanciar da instabilidade política e econômica que assola seus vizinhos latino-americanos. Dentre esses países, o Chile se destacava por adotar amplamente o ideário do liberalismo econômico em suas políticas públicas, tendo, até recentemente, o maior PIB per capita da região. Sem dúvida, o Chile se tornou um dos principais exemplos a serem estudados e uma fonte de inspiração para nós, brasileiros.

Contudo, em 2019, logo após a eleição de Jair Bolsonaro e a promessa de que o Brasil prosseguiria com uma agenda econômica semelhante à do Chile, liderada pelo Ministro Paulo Guedes — que inclusive estudou na Universidade de Chicago, instituição que formou e influenciou muitos dos formuladores de políticas públicas do país andino, além de ter lecionado por um período na Universidade do Chile —, protestos violentos eclodiram no país. A princípio, os manifestantes buscavam encerrar o sistema econômico liberal implementado no Chile e abandonar de uma vez por todas a Constituição da era Pinochet.
A convulsão social em Santiago deixou muitos surpresos. Poucos analistas e comentaristas conseguiram oferecer uma explicação coerente para os motivos que levaram às manifestações. Por que protestos tão violentos estavam levando o país com o maior sucesso econômico da América Latina a uma situação quase anárquica? Além do cientista político Axel Kaiser, poucos acadêmicos conseguiram articular uma explicação convincente para essa pergunta. Felizmente, para enriquecer o debate sobre esse assunto, um dos economistas latino-americanos mais renomados, Sebastian Edwards, lançou seu novo livro “The Chile Project: The Story of the Chicago Boys and the Downfall of Neoliberalism” (O Projeto Chile: A História dos Chicago Boys e a Queda do Neoliberalismo) há apenas três semanas.

Sebastian Edwards é um economista latino-americano de extrema relevância no meio acadêmico internacional. Nascido no Chile, ele concluiu o doutorado em economia na Universidade de Chicago e, desde 1983, leciona economia na Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA). Edwards, contudo, ao contrário de muitos de seus colegas chilenos que também estudaram na universidade americana, sempre foi um opositor do regime de Pinochet. No seu livro, ele relata que, na juventude, apoiou o governo marxista de Allende e decidiu deixar o país devido à natureza autoritária do regime Pinochet.

Edwards reconhece, apesar de criticar abertamente Pinochet, que o processo de liberalização da economia no seu país, durante o governo do general e posteriormente sob os governos civis que o sucederam, teve um papel crucial na alteração da situação econômica do Chile. Anteriormente uma das economias menos desenvolvidas do continente, o Chile se tornou um caso de sucesso, conhecido como o “milagre chileno”. Edwards explora ao longo do livro o desenvolvimento das ideias neoliberais e como essa perspectiva de mundo influenciou o governo chileno a partir da década de 1970. O livro apresenta uma análise histórica do impacto da Universidade de Chicago na formação das políticas públicas chilenas, abordando tanto os êxitos quanto os fracassos das políticas implementadas pelos chamados “Chicago Boys”, economistas chilenos que estudaram ou foram influenciados pelo Departamento de Economia da universidade americana. É importante salientar que o livro não se limita à análise econômica do governo Pinochet, mas também analisa aspectos políticos e examina como governos civis, inclusive de tendências mais centristas e de esquerda, deram continuidade à agenda de liberalização econômica.

Em diversos momentos do livro, o autor utiliza uma abordagem materialista para explicar a convulsão social em seu país, o que é compreensível, tendo em vista a sua formação como economista. Edwards atribui a instabilidade social no Chile ao enfoque das políticas públicas no combate à pobreza, enquanto a redução da desigualdade foi negligenciada. Embora o Chile tenha efetivamente erradicado a pobreza extrema e milhões de cidadãos tenham alcançado a classe média, a sensação de vulnerabilidade social persistia em boa parte da população. Muitos indivíduos que haviam alcançado uma ascensão social, devido à ausência de um sistema de segurança social mais robusto no país, temiam que qualquer contratempo em suas vidas, como uma doença ou o desemprego, pudesse levá-los novamente à condição de pobreza. Outro problema apontado pelo autor diz respeito ao aumento da dívida da população, sobretudo dos jovens chilenos que contraíam dívidas para financiar seus estudos em universidades privadas de baixa qualidade e, posteriormente, encontravam dificuldades para obter empregos bem remunerados; muitos acabavam trabalhando informalmente em serviços como o Uber.

O autor também aborda outros problemas relacionados à desconfiança social, como fraudes corporativas, e ressalta diversas vezes que a legitimidade das políticas liberais é comprometida pelo chamado “pecado original”, referindo-se à Constituição estabelecida durante um período autoritário do país. No entanto, é no capítulo final intitulado “O Fim do Neoliberalismo?” que o autor, em minha opinião, consegue capturar a essência da instabilidade social chilena: a guerra cultural. Edwards argumenta que os defensores de uma visão pró-mercado cometeram um equívoco ao acreditarem que haviam vencido essa guerra cultural. Segundo o autor, “[os intelectuais e acadêmicos pró-mercado] não entenderam é que a vitória na guerra de ideias não é eterna. Oponentes derrotados recuam, lambem suas feridas e se reagrupam. Depois de algum tempo, eles estão de volta ao campo de batalha das ideias, prontos para novos embates, novos debates e novas discussões.” Edwards enfatiza que as “forças pró-mercado”, sobretudo os jovens que defendem essa visão política e econômica, também falharam ao não participarem ativamente dos debates públicos, se envolverem com a política e seguirem carreiras com grande influência na sociedade, como o jornalismo.

Edwards salienta que, ao longo dos anos, a narrativa da extrema-esquerda se fortaleceu no Chile por meio da implementação das ideias de intelectuais como Antonio Gramsci, que defendem, através da construção de narrativas, a conquista do “coração e apoio da população” para tomarem o poder político. O autor também menciona a influência das ideias do sociólogo argentino Ernesto Laclau, que propõe uma mudança estratégica para a esquerda: abandonar a luta de classes e adotar uma agenda de polarização entre o “povo” e as “elites”. De acordo com Edwards, o terceiro intelectual relevante para o êxito da estratégia política da extrema-esquerda chilena é Jürgen Habermas, que defendia a relevância da “esfera pública” de discurso e ação como contraponto ao individualismo da doutrina liberal. Edwards, por fim, cita Judith Butler, uma das principais intelectuais do movimento feminista moderno, que salienta a importância de incorporar elementos das “dissidências sexuais” no debate sobre estruturas de poder.

Sebastian Edwards, em última análise, sustenta que os defensores da agenda pró-mercado não perderam força política exclusivamente por conta de erros e resultados negativos em questões sociais específicas. A história demonstra, de fato, o contrário: a liberalização da economia foi o fator que impulsionou o desenvolvimento do Chile para níveis mais elevados. Eles foram derrotados porque não conseguiram demonstrar convincentemente a superioridade de suas visões de mundo em relação à extrema-esquerda. Edwards termina o seu livro advertindo que: “é possível que, em uma ou duas gerações, o Chile volte à posição que ocupou na maior parte do século XX: no meio do pelotão latino-americano”.

“O Projeto Chile” é uma leitura indispensável para aqueles que se importam com o futuro do Brasil. Por isso, é urgente uma tradução para português. O livro, afinal, nos dá uma compreensão mais aprofundada das políticas econômicas que auxiliaram o seu país a se tornar a economia mais rica da América Latina e a alcançar os melhores índices sociais e econômicos da região. Edwards, por outro lado, revela as falhas políticas dos grupos que não conseguiram defender o legado e a superioridade de suas ideias. No entanto, é possível que o barco das ideias esteja novamente mudando de direção no Chile. No mês passado, a direita chilena obteve uma maioria absoluta no novo conselho constituinte, o que provavelmente resultará em um novo texto constitucional que incorpore os princípios econômicos que permitiram o progresso chileno.

Ao analisar o caso do Chile, podemos extrair lições relevantes que podem direcionar o Brasil para um futuro mais próspero e sustentável. O governo Bolsonaro desenvolveu uma agenda econômica de sucesso, mas não obteve êxito eleitoral devido à falta de habilidade para defender a superioridade de suas ideias. Os liberais e conservadores brasileiros, assim como seus pares chilenos, devem buscar um apoio crescente em diversos setores da sociedade, especialmente entre as gerações mais jovens. Do contrário, seus países podem se afundar em um caos econômico e social provocado pelo socialismo, populismo e corrupção. É crucial fortalecer o debate público, educar sobre os princípios do liberalismo e conservadorismo e engajar-se ativamente na construção de uma base sólida de apoio para essas ideias, a fim de salvaguardar o progresso e evitar retrocessos em direção a políticas prejudiciais ao desenvolvimento.

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