João Silva

Graduado em economia e relações internacionais pela Boston Univeristy. Mestre em relações internacionais na University of Chicago e mestre em finanças pela University of Miami.


João Victor da Silva Compartilhar
João Victor

O Teto da Dívida Pública Americana e o Jogo da Galinha

Explorando o impasse do teto da dívida pública americana: uma perspectiva da teoria dos jogos

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Foto: Pixabay/Banco de Imagens/Reprodução
Foto: Pixabay/Banco de Imagens/Reprodução

No mercado financeiro é amplamente reconhecido que a taxa que influencia quase todos os investimentos ao redor do mundo é a taxa de juros dos títulos da dívida americana. Essa taxa é conhecida como a “taxa sem risco”. A razão para isso é clara: os Estados Unidos, como a economia mais desenvolvida do planeta e detentores do maior poder político e militar do mundo, desfrutam de uma vantagem única — a capacidade de emitir livremente a moeda de reserva internacional, o “todo-poderoso” dólar. Dessa forma, os investidores assumem que o risco de crédito dos títulos do governo americano é praticamente zero. Afinal, mesmo diante de déficits, o governo pode simplesmente emitir mais moeda para cumprir com o pagamento da dívida.

No entanto, nas últimas semanas, a política americana tem causado tensões quanto ao risco de uma moratória — evento no qual um país suspende temporariamente o pagamento de sua dívida pública. Nos Estados Unidos, existe um limite de dívida pública estabelecido pelo Congresso, a instituição que autoriza o governo a emitir ou não mais dívida. Atualmente, o teto da dívida pública americana é de 31,4 trilhões de dólares. Contudo, esse limite já foi ultrapassado em 19 de janeiro deste ano. O governo americano continua a cumprir as suas obrigações financeiras mediante “medidas extraordinárias”, as quais permitem a continuação do cumprimento dessas obrigações.

A Câmara dos Representantes (equivalente à Câmara dos Deputados no Brasil) é atualmente dominada pelo Partido Republicano, que se opõe fortemente ao governo de Joe Biden, do Partido Democrata. O principal problema que diz respeito à elevação ou suspensão da dívida pública do país está ligado às demandas divergentes dos congressistas republicanos e do Presidente Biden. Por um lado, os republicanos só aceitariam elevar o limite da dívida, caso o Presidente Biden se comprometesse a reduzir os gastos do governo. Joe Biden, por outro lado, se recusa a aceitar um acordo, pois a diminuição dos gastos públicos um ano antes das eleições presidenciais prejudicaria sua agenda política e, consequentemente, suas chances de reeleição.

Segundo Janet Yellen, Secretária do Tesouro, as “medidas extraordinárias” que estão sendo implementadas já não serão mais suficientes para cumprir as obrigações financeiras do governo americano no início de junho. Se o Congresso não suspender ou elevar o limite de dívida nas duas próximas semanas, os Estados Unidos devem estabelecer a moratória de sua dívida. O grande problema é que a ocorrência desse evento pode ter consequências desastrosas para a economia e, consequentemente, para o poder político dos Estados Unidos.

A moratória da dívida pública dos Estados Unidos comprometeria a avaliação de crédito do país, o que elevaria significativamente os custos de financiamento do governo e, como resultado, de todas as empresas e indivíduos. Ademais, com a queda da credibilidade das instituições do país, os investidores buscarão alternativas aos ativos denominados em dólar para aplicar os seus recursos. Esse evento, causaria uma queda significativa nos preços dos ativos americanos, desde o mercado imobiliário até os ativos financeiros. O dólar também deve enfrentar uma forte depreciação caso o governo declare a moratória. Em suma, o país está sujeito a um sério risco de enfrentar uma recessão forte, com consequências também sobre seu poder político e militar.

Diante das consequências desastrosas que uma possível moratória da dívida pública acarretaria para os Estados Unidos, surge a seguinte indagação: por que Joe Biden e os congressistas republicanos não conseguem alcançar um acordo? Para compreender esse problema, podemos recorrer a uma das disciplinas mais relevantes das ciências sociais: a teoria dos jogos.

As ciências sociais, sobretudo, têm como um de seus principais objetivos o estudo da cooperação entre os indivíduos. A sociedade surge quando as pessoas se unem para estabelecer trocas econômicas, administrar instituições políticas e promover a cultura, a arte e a formação de famílias, entre outros fenômenos sociais. No entanto, nem sempre a cooperação entre os indivíduos atinge seu potencial máximo de eficiência. Dessa forma, a disciplina da teoria dos jogos visa explicar esses comportamentos “sub-ótimos” e apresentar soluções para melhorar a cooperação entre as pessoas.

No caso do embate entre republicanos e democratas em relação à dívida pública dos Estados Unidos, um dos principais “jogos” estudados na teoria dos jogos pode nos ajudar na compreensão do problema em questão — o chamado “jogo da galinha”. A expressão “galinha” (chicken, em inglês) é frequentemente utilizada nos Estados Unidos para descrever uma pessoa covarde ou um “perdedor”. Proponho ilustrar o jogo com uma anedota.

Imagine dois rapazes do time de futebol da escola que estão interessados na mesma garota, considerada a mais bela da escola. Para decidir quem irá convidar a moça para um encontro, eles optam por resolver o problema de uma forma arcaica e estúpida. Eles decidem realizar um duelo, mas, ao contrário dos tempos antigos, esse duelo não envolverá armas ou uma luta física. Em vez disso, os dois “brucutus” decidem usar seus carros. Cada um posiciona seu Mustang com motor V8 frente a frente e aceleram. Aquele que desviar o carro será considerado a “galinha”, o covarde, e perderá a oportunidade de convidar a bela moça para sair. No entanto, se nenhum dos dois desviar o carro, o resultado será catastrófico: os carros colidem e ambos os rapazes perdem a vida.

Essa anedota exemplifica o jogo da galinha, onde a busca pelo prestígio ou vantagem individual pode levar a consequências desastrosas quando nenhum dos jogadores cede. É uma situação que ilustra a necessidade de cooperação e busca por soluções que evitem um desfecho negativo para ambas as partes envolvidas. Na tabela abaixo, pode-se observar os potenciais resultados desse jogo. Ao analisar a tabela, fica claro que o melhor cenário é quando os dois garotos não se envolvem nesse duelo. Contudo, quando ambos não coordenam suas ações, os dois possuem o incentivo de não desviar o carro, assim, tornando a colisão inevitável.

TABELA: Possíveis Cenários para o Jogo da Galinha

 DesviaNão Desvia
Desvia(Não Covarde, Não Covarde) Cenário Ideal de Cooperação(Covarde, Corajoso) Melhor Cenário para o Garoto 2
Não Desvia(Corajoso, Covarde) Melhor Cenário para o Garoto 1(Morte, Morte) Pior Cenário para Ambos

Em última instância, o jogo da galinha nos ajuda a explicar tanto o duelo dos garotos brucutus quanto dos políticos americanos. Na esfera política, a melhor opção para Joe Biden e os congressistas republicanos é que seu oponente ceda às suas demandas. Dessa maneira, o vencedor pode aumentar a sua popularidade em relação à sua base de eleitores e avançar com sua agenda política. Ademais, o perdedor demonstrará perda de apoio político e capacidade de governar. No entanto, o ideal para o povo americano seria que ambos os lados cedam, evitando a moratória da dívida pública, um evento que seria devastador para todo o país. Atualmente, os Estados Unidos não necessitam de políticos destemidos ou covardes; o país precisa de uma classe política que tenha espírito público e coloque os interesses da nação acima dos interesses partidários. Do contrário, a divisão partidária e ideológica que levará a moratória da dívida americana pode ter um impacto inimaginável sobre a economia e as instituições políticas do país.

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