João Silva

Graduado em economia e relações internacionais pela Boston Univeristy. Mestre em relações internacionais na University of Chicago e mestre em finanças pela University of Miami.


João Victor da Silva Compartilhar
João Victor da Silva

A Grécia e o Euro: uma lição para Guedes e o PT

O exemplo europeu demonstra que o êxito da moeda-única é uma missão quase impossível para a América Latina.

• Atualizado

Por

Foto: Pixabay | Banco de Imagens
Foto: Pixabay | Banco de Imagens

O que une Guedes e o PT? Quase nada, é verdade. Contudo, existe uma proposta econômica, defendida por ambos: a moeda única para América Latina. A proposta é um sonho tanto para liberais quanto para socialistas, mas pelos seus respectivos motivos. Os argumentos dos liberais estão relacionados aos mesmos motivos pelos quais o Euro foi criado. A moeda única visa que todos os países da região realizem reformas econômicas que estabilizem suas economias, dando, assim, estabilidade à nova zona monetária, além de incentivar o comércio entre os seus países.  

Já para os socialistas, a moeda única faz parte de um grande projeto político, no qual a integração político-institucional do continente possibilitaria uma confrontação contra os governos “imperialistas” e a supremacia monetária do dólar. Esse tipo de proposta é parte do antigo discurso da esquerda latino-americana que tende a manipular as palavras de Simón Bolívar para justificar seus planos de dominação política do continente. 

Embora concorde com o esboço teórico das propostas de Guedes — inclusive já tratei sobre isso em textos anteriores —, acredito que este tipo de proposta seja impraticável do ponto de vista político. A Zona do Euro nos oferece um importante exemplo para compreender a impossibilidade da proposta da moeda-única ter possibilidade de sucesso na América Latina. No início da década de 2010, o Euro quase foi ao colapso após a crise financeira que afetou fortemente os países “periféricos” da Zona do Euro, sobretudo Portugal, Espanha, Irlanda, Itália e Grécia.

Aqueles que já tiveram a oportunidade de conhecer vários europeus podem compreender facilmente o motivo pelo qual uma moeda-única trata-se de um projeto político-econômico impraticável. Afinal de contas, a diferença do nível de desenvolvimento econômico entre alguns países do continente, como Grécia e a Alemanha, por exemplo, é colossal. A Alemanha, ao contrário, é a grande economia do continente, com as maiores fábricas europeias, os mais importantes centros de treinamento de engenharia, ciências naturais e tecnologia, além de ter uma das melhores gestões fiscais do mundo.

Como mencionado anteriormente, a União Europeia tentou facilitar a integração monetária do continente através do Tratado de Maastricht, o qual estabelecia certos parâmetros macroeconômicos para que os países-membros da União Europeia poderiam aderir ao Euro sem causar instabilidade macroeconômica futura sobre a união monetária.

Zona do Euro

Os parâmetros estabelecidos incluíam uma inflação máxima de 1,5 pontos percentuais acima da inflação do país com a menor taxa da Zona do Euro, 60% de relação dívida-PIB e déficit fiscal máximo de 3% em relação ao PIB. Apesar desses critérios serem essenciais para o sucesso de uma união monetária, os economistas que propuseram este tipo de proposta se esqueceram de um dos problemas fundamentais enfrentado em relações internacionais: como compelir os países a respeitar “legislações internacionais” visto que a política internacional é anárquica?

Os países menos desenvolvidos do continente até conseguiram atingir os “requisitos de convergência” para a Zona do Euro, conforme estabelecido pelo Tratado de Maastricht. Todavia, logo após aderirem à Zona do Euro, esses países aumentaram seus déficits orçamentários e nível de dívida, visto que as taxas de juros de seus títulos públicos caíram drasticamente. Afinal de contas, estes países passaram a ser percebidos como “seguros”, assim como as grandes economias do continente.

Como não há mecanismos eficazes na política internacional para exigir que os países cumpram os tratados internacionais, os países da Zona do Euro continuaram a desrespeitar o Tratado de Maastricht. Bastou vir o primeiro choque econômico, com a crise financeira internacional de 2008, para perceber que a economia grega não era tão estável quanto a Alemanha. A Grécia, por exemplo, essencialmente deu um calote na dívida pública, sua economia retraiu cerca de 25% — até hoje a economia grega não recuperou o nível de 2008 — e quase levou o Euro ao colapso, com a desconfiança que se alastrou sobre os investidores acerca da viabilidade da moeda europeia.

Toda união monetária está sujeita ao fracasso

Se os liberais se esqueceram que a anarquia da política internacional torna quase impossível exigir que os países honrem seus compromissos internacionais, os socialistas se esquecem de outros Primeiramente, sem responsabilidade fiscal e independência da autoridade monetária — dois itens que eles detestam executar —, toda união monetária está sujeita ao fracasso. Em segundo lugar, a confrontação pelos socialistas a hegemonia do dólar, fruto do “imperialismo estadunidense”, criaria um “imperialismo econômico” das principais economias da união monetária.

Esse segundo tópico também pode ser analisado ao comparar os efeitos do Euro nas economias da Grécia e da Alemanha. O Euro, por um lado, teria o valor de uma dracma — moeda antiga da Grécia — supervalorizada, pois o seu valor é baseado nas dinâmicas econômicas de toda a Zona do Euro, e não somente da Grécia. O nível de produtividade econômica da Grécia é muito menor em relação a países como Holanda, Alemanha, França e Bélgica, logo, o Euro está supervalorizado para seus padrões econômicos. Isto faz com que seu setor exportador se torne ainda menos competitivo, ampliando o déficit da sua conta corrente e exigindo maior financiamento externo.

Além disso, quando há uma crise econômica e o país não tem autonomia monetária, o governo grego tem poucas medidas disponíveis para estabilizar a economia. Já para Alemanha a situação é oposta. O Euro estaria subvalorizado em relação ao marco alemão. Isto permite que a Alemanha experimente — pelo menos até a crise da Covid-19 — uma combinação econômica que poucos países têm tido: poupança pública e privada superavitárias e superávit da balança comercial.     

Você já pensou em todos esses problemas na América Latina, terra de regimes populistas e instabilidade política? A introdução de uma moeda única seria um grande desastre. Se os liberais implantassem, seria necessário confrontar a imaturidade político-institucional dos países do continente. Se os socialistas criassem uma moeda única, teríamos ainda mais instabilidade econômica no continente e enfrentaríamos constantes disputas políticas internas. Dessa maneira, o rumo certo para o Brasil seria concentrar esforços na política doméstica e aperfeiçoar nosso sistema político e institucional para termos uma economia mais robusta. Se dependermos de Bolívia, Venezuela, Equador e Argentina, o que parece difícil, pode ser impossível.

As opiniões do colunista não refletem, necessariamente, a opinião do Portal SCC10.

>>> PARA MAIS NOTÍCIAS, SIGA O SCC10 NO TWITTERINSTAGRAM E FACEBOOK

Quer receber notícias no seu whatsapp?

EU QUERO

Ao entrar você esta ciente e de acordo com os termos de uso e privacidade do WhatsApp.

Receba NOTÍCIAS
Posso Ajudar? ×

    Este site é protegido por reCAPTCHA e Google
    Política de Privacidade e Termos de Serviço se aplicam.