João Silva

Graduado em economia e relações internacionais pela Boston Univeristy. Mestre em relações internacionais na University of Chicago e mestre em finanças pela University of Miami.


João Victor da Silva Compartilhar
64 anos de Brasília

64 anos de Brasília: é preciso mais Brasil e menos Lago Sul

O desenvolvimento econômico do Brasil dependerá do fortalecimento da sociedade civil

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Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil
Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil

Neste domingo (21), é comemorado o aniversário de 64 anos de Brasília. A capital federal foi desenhada como um símbolo do progresso e transformação do Brasil. Concebida para representar a transição de uma economia predominantemente agrária para uma nação industrializada e integrada, Brasília foi erguida em meio a um clima de otimismo quanto ao futuro do país. No entanto, ao longo das décadas, essa promessa de prosperidade e desenvolvimento pleno não se concretizou.

A capital federal se tornou um símbolo das falhas do país. Uma reportagem recente do portal Poder 360 revelou dados surpreendentes: a região administrativa Lago Sul, que tem uma renda mensal média de R$ 10.979,00, ostenta uma renda mensal média superior à da Coreia do Sul (R$ 10.638).

Enquanto a região administrativa Estrutural (R$ 695,00) apresenta um nível de renda inferior ao da Índia (R$ 702,00). Essa disparidade alarmante evidencia as profundas mazelas da sociedade brasileira. Assim sendo, o lema “mais Brasil e menos Brasília” revela-se equivocado, ao desdenhar as realidades das regiões do Distrito Federal que também sofrem as consequências das deficiências das políticas públicas nacionais. O que o Brasil realmente precisa é de “mais Brasil e menos Lago Sul”.

Nações desenvolvidas e subdesenvolvidas no Brasil?

A disparidade econômica há muito tempo é um desafio persistente no Brasil. A sociedade brasileira sempre foi caracterizada por uma dualidade marcante. O economista Edmar Bacha apresentou essa realidade em sua fáblua “O Rei da Belíndia”, que retrata uma estrutura social em que uma parcela desfruta de padrões de vida e infraestrutura semelhantes aos de nações desenvolvidas, como a Bélgica, enquanto outra parcela vive em condições análogas às de nações subdesenvolvidas, como a Índia.

Infelizmente, as discussões acerca da pobreza no Brasil frequentemente se revestem de falácias marxistas que concebem a economia de mercado como um jogo de soma-zero em que o ganho de um implica necessariamente na perda do outro.

No entanto o capitalismo é um sistema econômico no qual o êxito de uma pessoa está diretamente ligado à sua capacidade de acumular capital. Naturalmente, em um ambiente de livre mercado, haverá desigualdades econômicas.

Contudo, o capitalismo não é um jogo de soma-zero, mas um sistema de cooperação econômica. Afinal, aqueles que fornecem os produtos e serviços mais demandados, úteis e valorizados pela sociedade serão recompensados. A desigualdade, em uma economia de mercado, é essencialmente uma escolha da própria sociedade. No entanto, o verdadeiro desafio não reside na desigualdade em si, mas sim na pobreza. Afinal, a pobreza resulta da incapacidade do indivíduo de acumular capital suficiente para atender às suas necessidades básicas.

Pobreza e ineficiência do Estado

No Brasil, a persistente questão da pobreza reflete a ineficiência do Estado em facilitar o acesso ao capital para a população de baixa renda. Atualmente, a classe política recorre a programas de transferência de renda, muitas vezes com objetivos eleitorais, como solução.

No entanto, existem duas abordagens mais eficazes para auxiliar os indivíduos em comunidades desfavorecidas, como a Estrutural:

  • Em primeiro lugar, é crucial que o Estado invista em capital humano. Priorizar a educação, saúde e saneamento permitiria às pessoas acumularem um capital intangível, que se converteria em ganhos tangíveis à medida que encontrassem empregos mais bem remunerados.
  • Em segundo lugar, o governo deveria promover um amplo programa de regularização de propriedades, seguindo a proposta do economista peruano Hernando de Soto. Isso legalizaria o capital atualmente “adormecido”, permitindo que esses indivíduos obtenham acesso ao crédito e possam transacionar eficientemente seus ativos.

Lamentavelmente, o Estado brasileiro ainda não conseguiu romper com a armadilha da pobreza, uma vez que não completamos plenamente a transição para um sistema de economia de mercado e um regime político verdadeiramente democrático.

O que prevalece no Brasil é um sistema patrimonialista, no qual os interesses públicos e privados se entrelaçam.

O economista italiano Vito Tanzi, em seu livro “Termites of the State” (Cupins do Estado), explica que “devido a ações não transparentes tomadas por alguns funcionários públicos em benefício de determinados grupos ou indivíduos, tanto o mercado quanto o governo arriscam se tornarem instrumentos ou cúmplices na extração de renda por esses grupos, ao invés de serem meios para promover o bem-estar social de todos os cidadãos”.

Essa problemática é notoriamente evidente na realidade brasileira, conforme salientado pelo ex-ministro Paulo Guedes, que descreveu o Estado como tendo sido — e ainda sendo — capturado por “piratas privados, criaturas do pântano político e burocratas corruptos”.

64 anos de Brasília, que não escapou da desigualdade

O Lago Sul de Brasília é um microcosmo da captura do Estado brasileiro por certos setores privilegiados, como mencionado pelo ex-ministro (é claro que nem todos os residentes se encaixam nesse perfil). Essa captura dos recursos públicos é tão enraizada que está até mesmo prevista na Constituição Federal (CF).

O economista Fernando de Holanda Barbosa, em seu livro “O Flagelo da Economia de Privilégios”, lembra que o artigo 99 da CF estabelece que “ao Poder Judiciário é assegurada autonomia administrativa e financeira”, o que concede aos nossos magistrados a prerrogativa de decidir sobre seus próprios benefícios.

Como resultado, diferentemente dos trabalhadores do setor privado, eles desfrutam de dois meses de férias e uma gama de auxílios (saúde, alimentação, moradia, vestimenta) que representam cerca de 40% de sua remuneração e, pasmem, são isentos de tributação.

Enquanto isso, nossos congressistas se beneficiam de reembolsos ilimitados, frequentemente milionários, de despesas com serviços de saúde privados.

Fica a questão: será que eles não deveriam se familiarizar com o tão defendido SUS? Parte do setor privado também se beneficia dessa economia de privilégios. Em Brasília, um bom advogado não é necessariamente o mais capaz tecnicamente; é aquele que tem “trânsito” nos tribunais. Várias grandes empresas até estabelecem departamentos de “relações governamentais” para garantir acesso privilegiado a nossa burocracia.

A disparidade entre a Estrutural e o Lago Sul continuará existindo enquanto a sociedade civil permanecer fragilizada. As nações desenvolvidas compreendem que seu progresso está intrinsecamente ligado à promoção do acesso ao capital para sua população.

Sem dúvida, o capital humano, especialmente por meio da educação, é a forma mais eficaz de proporcionar oportunidades de desenvolvimento.

Não é por acaso que uma das fachadas da Biblioteca Pública de Boston ostenta a frase: “A comunidade exige a educação do povo como salvaguarda da ordem e da liberdade”. Quando a sociedade civil brasileira se fortalecer, a elite do Lago Sul perderá sua capacidade de capturar os recursos públicos, possibilitando o Brasil a prumar em direção ao desenvolvimento.

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