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Luta contra o preconceito

Ser diferente ainda incomoda

Advogada e mestranda em Antropologia, Victoria Spinola lembra que a transfobia continua matando pessoas

• Atualizado

Redação

Por Redação

Foto: Arquivo pessoal
Foto: Arquivo pessoal

Por Patrícia Mello

No primeiro semestre deste ano, 89 pessoas transgênero foram assassinadas no Brasil conforme dados divulgados pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra). Sejam olhares hostis ou a violência física, o motivo é apenas um: a transfobia. Victoria Spinola, 28 anos, sabe bem o que é isso. Advogada, mestranda em Antropologia e almejando a carreira de promotora, ela carrega o peso de querer apenas ser feliz em um mundo onde o ser diferente ainda incomoda.

Ela percebeu, ainda nova, que havia algo diferente, mas não entendia o que era, motivo pelo qual isolava-se das pessoas. Em 2009, durante uma conversa com o pai, falou da vontade de sair de Cuiabá, em Mato Grosso, para estudar Psicologia. Com apoio da família, acabou vindo estudar na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), em Florianópolis. Foi quando sua vida começou a mudar.

Após um ano cursando a universidade, ao fazer uma matéria sobre gênero, percebeu que na área do Direito teria mais visibilidade. Em 2011 ela mudou de curso. “No curso de Psicologia percebi que ficaria mais teoria. No Direito senti que iria me contemplar e me satisfazer”, revelou

Nessa época ela ainda apresentava-se como sendo do gênero masculino. Sofreu preconceito pelo comportamento, pois via-se diferente e era incompreendida. Percebia os olhares hostis e isso também afetava a sua vida acadêmica, já que não se integrava às aulas e aos colegas de classe.

Enquanto enfrentava problemas na universidade, fora dela a vida também não era nada fácil. Por duas vezes foi agredida fisicamente. Uma em São Paulo e outra já em Florianópolis, quando revidou provocações. Hoje, mais segura, aponta que teria tomado outra atitude e não a violência.

Em 2014, foi morar em Londres. Ficou pouco tempo, mas o suficiente para mudar o pensamento e voltar mais firme das convicções. “Lá eu vi outras possibilidades e despertei”, contou.

No retorno ao Brasil, começou a atuar como ativista dos Direitos Humanos das pessoas trans. Junto a isso, no último ano da universidade, Victoria assumiu sua transgeneridade, começando a usar seu nome social, direito adquirido pelas pessoas trans desde 2013. Até a oitava fase ela usava seu nome de registro, mas não sentia-se confortável em responder à chamada.

Assumir a transgeneridade foi basicamente um ciclo que se fechou para iniciar uma nova vida.

O que significa a família pra você?
Família pra mim sempre foi um conceito muito indecifrável, porque ao mesmo tempo que me via dentro de um seio familiar por afinidade sanguínea, não me identificava com a ideia cristã de que era algo sagrado que eu deveria honrar. Alguns momentos me vi muito distante dos meus pais, por exemplo, porque eles não entendiam a forma como eu me sujeitava no mundo, e eu acabava sempre tendo que falar sozinha, pra mim mesma, sem ser entendida pelas pessoas as quais me colocaram no mundo. Até que ponto nossos familiares nos entendem, nos amam de verdade e nos anseiam o bem se eles não falam a nossa linguagem? Hoje vejo que esses desafios de saber o ouvir o outro, de doar-se sem qualquer tipo de retribuição, é o que define se uma família é de verdade ou não.

Como encara a transfobia?
Encaro de frente, sempre. Se eu não for de frente ela me derruba. Mas sendo mais teórica, encaro como sendo um processo histórico oriundo da falta de comunicação de pessoas cis com pessoas trans. São inúmeros fatores que englobam essa falta de comunicação, que levam a nos odiar, a nos querer bem longe. Essa vontade de se incomodar com o fato de estarmos por perto. É o mais penoso estado da essência humana odiar o próximo. A transfobia é o resultado de que falhamos enquanto sociedade.

Qual é o seu maior sonho?
Sempre quis influenciar o maior número de pessoas estando em alguma posição pública, em que eu pudesse lutar pelos direitos coletivos de populações minoritárias, e estou no meio do caminho para alcançar esse objetivo. Meu maior sonho é poder habitar num mundo mais justo, menos desigual em que as pessoas se respeitem integralmente. Estaria realizada.

O mundo perfeito seria?
O mundo perfeito seria onde houvesse eterna paz de espírito entre os cidadãos, distribuição justa das riquezas econômicas entre os cidadãos e que as pessoas aprendessem a amar uma às outras, sem qualquer preconceito de raça, religião, gênero e convicções políticas. Esse mundo eu diria como ideal, próximo da perfeição.

Se pudesse sumir com algo do mundo, com o que sumiria?
Sumiria com a ignorância e a falta de conhecimento. Vivemos na era em que as tecnologias são acessíveis universalmente e presenciar isso um dia pode ser uma realidade.

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