Projeto de lei pretende proibir atletas trans em competições esportivas em São José
O vereado Alexandre Cidade (MDB) defende que o projeto vai valorizar as mulheres cisgênero. A lei proíbe a participação de atletas trans em competições com atletas do sexo biológico oposto
• Atualizado
O vereador Alexandre Cidade (MDB) redigiu um projeto de lei que veta a participação de pessoas transgênero em competições esportivas, assim como alvarás para eventos com estes atletas em competições vinculadas, direta ou indiretamente à Prefeitura de São José. O texto está tramitando nas comissões temáticas, antes de ir para votação dos vereadores. Se aprovada a lei, pessoas trans não poderão participar de competições com atletas do sexo biológico oposto.
O Projeto de Lei Nº 0002/2023 está em tramitação na Câmara Municipal de São José e já recebeu uma justificativa por parte do autor do projeto, apresentada na quinta-feira (9). Em entrevista ao portal SCC10, o vereador defende que a lei não é preconceituosa e que quer “valorizar as mulheres”. “O que acontece é que na prática acaba proibindo, sim, porque eles estão em condições físicas melhores que as mulheres”, diz o vereador sobre a lei.
Atualmente, os esportes que permitem a participação de pessoas trans exigem um laudo que demonstre os níveis de testosterona para equiparar os atletas inscritos. Um exemplo é a Confederação Brasileira de VoleiboL (CBV), que exige a apresentação de um laudo, com pelo menos 12 meses de antecedência da participação na primeira competição de mulheres trans. “Para evitar a discriminação, se não for elegível para a competição feminina, o atleta deve ser elegível para participar de competições masculinas”, estabelece a CBV.
O movimento Encontrans e o Sindicato dos Trabalhadores no Serviço Público Municipal de São José (Sintram) repudiaram o texto do projeto de lei por meio de nota.
“O Projeto de Lei revela uma intenção de excluir, cada vez mais, pessoas trans da nossa sociedade. Sua intenção é negar a cidadania de uma comunidade que resiste há anos contra o preconceito e a violência de gênero”, argumenta o movimento trans.
Já o sindicato diz que “o movimento sindical, a sociedade civil e as entidades que representam e defendem as pessoas LGBTQIA+ estão em articulação para tomar as medidas necessárias para combater esse ato”, levantando números de violência contra pessoas transgênero.
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Sobre o que trata o projeto de lei
O projeto estabelece uma multa de R$ 10 mil e a revogação do alvará do evento que permitir participação de atleta identificado como “transexual” em equipes e times esportivos de qualquer modalidade, em competição que tenha patrocínio ou relação direta, ou indireta com o Executivo Municipal. O texto também proíbe a expedição de alvarás para eventos que tenham atletas transgêneros inscritos. Com a lei, uma mulher trans, por exemplo, só poderia se inscrever, sem se identificar como trans, em competições com homens cisgêneros inscritos, ou seja, competindo contra o mesmo sexo biológico.
O vereador diz que a lei não afeta jogos e competições amadoras. “Atinge eventos que se caracterize premiação, dinheiro, bolsa por rendimento, pelo calendário da Fesporte”, pontua. A lei também estabelece que pessoas trans não tenham bolsas de atletismo ou de qualquer outro tipo concedidas pela prefeitura.
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“Fica expressamente proibida a participação de atleta identificado como “transexual” em equipes e times esportivos e em competições, eventos e disputas de modalidades esportivas, coletivas ou individuais, destinadas a atletas do sexo biológico oposto àquele de seu nascimento e cuja manutenção das atividades ou realização seja vinculada, direta ou indiretamente, à Prefeitura, seja sob a forma de patrocínio ou subvenção direta ou indireta, apoios institucionais de quaisquer tipos, autorizações de realizações em equipamentos públicos municipais ou realização direta pelo Poder Público Municipal”, determina o primeiro artigo do Projeto de Lei.
Veja o projeto na íntegra
“Primeiros passa pela relatoria, nas comissões de esporte, educação entre outras, para uma análise do próprio relator, e dentro de 15 dias, trazem uma proposta para a gente”, explica o vereador Alexandre Cidade.
Participação de pessoas transgênero no esporte
A participação de pessoas transgênero em competições esportivas ainda levanta polêmica. A Constituição Federal prevê no artigo 217, I, a “a autonomia das entidades desportivas dirigentes e associações, quanto a sua organização e funcionamento”. Assim, as federações e órgãos brasileiros, podem, a partir do que estabelece as federações internacionais e nacionais permitir, vetar ou estabelecer regras para a participação de pessoas trans.
Entre os argumentos do vereador para a justificativa do texto, estão as diferenças de aspectos biológicos entre os competidores transgêneros e cisgêneros, ou seja, as diferenças do corpo de pessoas que nasceram com determinado sexo e que passaram pela transição para se adequar ao gênero oposto, e o de quem nasceu com um determinado sexo biológico e se identifica com o mesmo. Alexandre fala especificamente sobre as mulheres trans, para ele, mesmo com a transição hormonal, outros aspectos, como respiração, coração e musculatura, colocariam as pessoas trans em vantagem, em relação às mulheres cis.
Para participar de competições e eventos esportivos, as pessoas trans precisam cumprir determinadas regras. O vereador diz que federações internacionais estão reavaliando a permissão da participação de pessoas trans em competições, ele cita a Federação Internacional de Natação (Fina), como um exemplo de “recuo”. “A questão hormonal é só uma delas abordadas dentro dessa discussão”, diz o vereador.
A Federação Internacional de Natação (Fina) restringiu a participação de nadadoras trans em competições femininas em junho de 2022. A nova regra não proíbe a participação mas, determina que as mulheres trans que queiram competir tenham passado pela transição de gênero com 12 anos ou menos. Conforme noticiado pelo SBT News, a entidade considerou que as esportistas que tenham passado pela puberdade masculina “podem ter algum tipo de vantagem nas competições”.
O Diretor-executivo da Fina, Brent Nowicki apontou que a entidade tomou a decisão ao se basear em parâmetros científicos. “A abordagem da Fina na elaboração desta política foi ampla, baseada na ciência e na inclusão. E, mais importante, enfatizando a equidade competitiva”, disse Nowicki.
A limitação anunciada pela federação internacional ocorreu após um processo de votação promovido pela entidade. A restrição foi aprovada por 71% dos votos dos membros da Fina. A associação que comanda a natação ainda estuda a possibilidade de criar uma categoria especialmente focada em atletas transgênero. A recomendação da Associação Mundial para Saúde de Transgêneros é que a transição de gênero seja feita a partir de 14 anos.
Projeto levanta críticas
“Estou convicto que estou fazendo a coisa certa”, argumenta o vereador Alexandre Cidade. Ele afirma que a lei vai permitir que as entidades esportivas comecem a debater o tema a fundo para criação de competições destinadas exclusivamente às pessoas transgênero. Para Cidade, o projeto, na verdade, visa “buscar igualdade e defender as competições biologicamente femininas”. O argumento do vereador é que se aprovada, a lei vai preservar e valorizar as mulheres cisgênero. Entretanto, o Projeto de Lei trata exclusivamente das pessoas trans, não citando incentivo a competições ou atletas.
Em resposta ao SCC10, o vereador conta que a lei estabelece o veto aos atletas trans e não cria um mecanismo para participação desse público em competições por conta de questões legais. “Não posso criar uma liga, posso somente sugerir uma lei que facilite a entrada deles”, afirma Cidade.
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Movimento transgênero repudia o projeto
O Coletivo Encontrans de Santa Catarina repudiou o texto apresentado pelo vereador Alexandre Cidade (MDB). A nota diz que o projeto de lei “quer cercear a cidadania de pessoas, baseado na discriminação”.
“O Projeto de Lei faz uma reflexão extremamente transfóbica em relação ao esporte e pessoas trans, em sua justificativa, o vereador incita argumentos de que o corpo de pessoas transfemininas se destacam mais nos esportes do que de mulheres cis”, defende o coletivo.
A nota também traz dados sobre violência contra pessoas trans. O grupo defende o combate à transfobia: “temos o dever de destruir já que buscamos o progresso no país, que há 14 anos consecutivos lidera o ranking de morte de pessoas trans”.
“Vemos, através da justificativa da PL, argumentos referenciados em mitos que se baseiam num discurso ultrapassado e extremamente biologicista, transmedicalista e neurodivergente, fomentando a ideia de que as pessoas transgêneres não devem ter as suas cidadanias reconhecidas pelas suas transgêneridades”, afirma o coletivo em nota.
O Sindicato dos Trabalhadores no Serviço Público Municipal de São José (Sintram) também é contra ao texto. Segundo o Sintram, “apesar de a transfobia ser crime no Brasil desde 2019, o país é ainda o que mais mata pessoas trans e travestis em todo o mundo, de acordo com Transgender Europe (TGEU), que monitora dados globalmente levantados por instituições trans e LGBTQIA+. De acordo com esses dados, 70% de todos os assassinatos registrados aconteceram na América do Sul e Central, sendo 33% no Brasil. Esses dados são ainda maiores considerando que há subnotificação e ausência de um censo nacional sobre a população LGBT”.
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Veja a nota de repúdio
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Glossário
- Cisgênero é o indivíduo que se identifica com o sexo biológico com o qual nasceu
- Transgênero é uma pessoa que nasceu com determinado sexo biológico, e não se identifica com o gênero atribuido
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