João Silva

Graduado em economia e relações internacionais pela Boston Univeristy. Mestre em relações internacionais na University of Chicago e mestre em finanças pela University of Miami.


João Victor da Silva Compartilhar
CULTURA DO PRIVILÊGIO

Simples Nacional: a fantasia tributária que custa caro

O Simples Nacional, criado para apoiar pequenos negócios, acabou se tornando fonte de brechas para a evasão fiscal, desestimulo ao crescimento e distorções competitivas

• Atualizado

Por

Simples Nacional: a fantasia tributária que custa caro. – Foto: Imagem Ilustrativa/Canva
Simples Nacional: a fantasia tributária que custa caro. – Foto: Imagem Ilustrativa/Canva

Todos são iguais perante a lei — pero no mucho. No mundo dos negócios à brasileira, o princípio da isonomia jamais foi realidade, desde que Pedro Álvares Cabral aportou em solo tupiniquim em 1500, trazendo as capitanias hereditárias e o “exclusivo metropolitano”. Hoje, os tentáculos do capitalismo corporativista se estendem por quase todos os setores da economia nacional.

No Brasil, todo grupo social se considera uma exceção — e, portanto, vítima de injustiça caso tenha que seguir as mesmas regras que os demais. O resultado é previsível: quando todos demandam privilégios, só colhe benefícios quem tem influência na Ilha da Fantasia, popularmente conhecida como Brasília.

Uma das políticas públicas que mais claramente evidencia essa cultura do privilégio é o regime tributário do Simples Nacional. Criado originalmente em 1996 como Simples Federal e ampliado em 2007 para o formato atual, o sistema — como toda boa lei brasileira — nasceu com as melhores intenções.

A ideia era enfrentar a crônica informalidade da economia, oferecendo um modelo tributário simplificado e menos oneroso para as pequenas empresas. Esperava-se que, ao formalizar esses negócios, o Estado ampliasse sua arrecadação sobre um setor historicamente à margem do Fisco e, de quebra, fomentasse o empreendedorismo e o crescimento econômico. Parece uma boa lei, não é? Nem tanto.

Os antigos diriam que a instituição do Simples Nacional é como colocar a carroça na frente dos bois. O diagnóstico está certo — a informalidade é, em grande parte, consequência da elevada carga tributária e de um ambiente de negócios sufocado por burocracia e regulamentações excessivas.

Mas esse problema não atinge somente os pequenos: afeta empresas de todos os tamanhos no Brasil. Em vez de criar um regime especial como paliativo, o mais sensato seria enfrentar a raiz do problema. Ao simplificar o sistema tributário e melhorar o ambiente de negócios para todos, o país não precisaria de exceções — bastaria fazer o certo amplamente.

O Simples Nacional nasceu como uma espécie de “luta de classes empresarial”, um típico discurso populista que promete benefícios sociais sem exigir contrapartidas da sociedade. O Simples acabou servindo mais à lógica eleitoral do que ao interesse público.

Políticas com benefícios concentrados — mesmo que ineficazes — tendem a prosperar, já que geram gratidão em grupos organizados, enquanto os custos se espalham silenciosamente pelo restante da sociedade. Segundo a Receita Federal, 23,4 milhões de empresas estão hoje no Simples Nacional. Isso representa uma base eleitoral nada desprezível.

O grande problema é que esse regime tributário para pequenas empresas custa caro à sociedade, pois o Simples gera diversas distorções econômicas. Em primeiro lugar, cria-se um ambiente de competição desigual.

Empresas que deixam o Simples Nacional por mérito próprio — ao superarem o teto de faturamento de R$ 4,8 milhões anuais — passam a enfrentar um aumento brusco nos encargos tributários e trabalhistas. A rentabilidade despenca muito rapidamente, tornando muito mais difícil competir com os concorrentes que permanecem no regime favorecido.

O segundo problema é ainda mais preocupante: a perda de competitividade causada pela saída do Simples leva muitos empresários a optarem pela evasão fiscal. A estratégia mais comum é fragmentar artificialmente o negócio em vários CNPJs em nome de terceiros para continuar no regime.

Essa prática corrói a base de arrecadação tributária e expõe uma falha grave do sistema. Trata-se de uma brecha que não existiria caso o país adotasse um sistema tributário corporativo unificado e isonômico. Sempre que se abrem exceções à regra, o legislador cria terreno fértil para corrupção, evasão fiscal e outras ilegalidades.

Já para os empresários que se recusam a recorrer a práticas ilegais, o Simples se transforma em um freio ao crescimento. Há casos de empresas que encerram suas atividades em novembro ou dezembro somente para não ultrapassar o limite anual de faturamento — e reabrem em janeiro do ano seguinte. Um estudo de 2019 do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) confirma os efeitos prejudiciais do regime no longo prazo.

Segundo os pesquisadores, “quando os estabelecimentos ingressam no Simples, eles crescem em ritmos mais rápidos, embora nunca alcancem o mesmo porte daqueles que nunca participaram do regime”. E concluem: “O Simples também pode restringir o crescimento dos estabelecimentos. Os estabelecimentos que migram para o regime geral após o Simples crescem mais do que os que nunca saíram.”

Atualmente, o Simples Nacional representa uma renúncia fiscal de aproximadamente R$ 120 bilhões por ano. Esse montante poderia ser usado para reduzir a carga tributária de todas as empresas do país de forma mais equilibrada.

Em vez disso, médias e grandes empresas acabam arcando com a conta, subsidiando os participantes do Simples. O resultado é um sistema em que essas empresas enfrentam uma das maiores alíquotas de imposto de renda corporativo do mundo, além de um elevado custo previdenciário sobre a folha de pagamento.

Para o Brasil poder acelerar seu crescimento econômico, é preciso pôr fim ao puxadinho tributário do Simples Nacional. O país necessita de um sistema único, simples e isonômico, que se aplique a todas as empresas, independentemente do porte. Paralelamente, é fundamental avançar na desburocratização e na melhoria do ambiente de negócios.

Com regras claras e iguais para todos, o sistema de preços, a concorrência e a destruição criativa — pilares de uma economia de mercado dinâmica — poderão atuar plenamente, impulsionando a inovação, o crescimento sustentável e a oferta de produtos mais acessíveis para a população.

>> Para mais notícias, siga o SCC10 no InstagramThreadsTwitter e Facebook.

Quer receber notícias no seu whatsapp?

EU QUERO

Ao entrar você esta ciente e de acordo com os termos de uso e privacidade do WhatsApp.

Fale Conosco
Receba NOTÍCIAS
Posso Ajudar? ×

    Este site é protegido por reCAPTCHA e Google
    Política de Privacidade e Termos de Serviço se aplicam.