Antes de apreciar uma receita, sinta a alquimia dos aromas e cores das ervas e especiarias…
O sabor e aroma, aliados ao conjunto das técnicas corretas, fazem de um simples prato um verdadeiro banquete para o deleite do paladar.
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As ervas aromáticas, em geral, são provenientes da parte das folhas como sálvia, alecrim e manjericão. Já as especiarias podem ser originárias de sementes, caules, cascas, a exemplo das pimentas-do-reino, gengibre, canela e baunilha. Num modo geral, a definição de temperos é utilizada para englobar ambos. Essa rápida distinção é importante para melhor extrair a alquimia de seus sabores e odores. No entanto, a intuição e a criatividade utilizados no uso dos temperos, podem realizar verdadeiras poções mágicas, fazendo com que um “prato” torne-se inesquecível ou até mesmo exótico.
Na Antiguidade, a utilização das ervas e especiarias era relacionada as suas propriedades medicinais ou ainda na forma de aromatizantes de fragrâncias (boticários). Num modo de referenciar aos seus deuses, eram oferecidos rituais religiosos, onde por meio de fogueiras (da fumaça) se permitia extrair as essências aromáticas das plantas. Tal experiência humana foi descrita por um determinado período como sendo parte do repertório dos rituais de bruxarias, pois buscava-se uma visão baseada na conexão com o paraíso por princípios relacionados a ofertar os aromas.
Ainda nesse mesmo período, vale destacar que os meios de conservação dos alimentos eram precários, ou inexistentes, sendo a salga, a defumação, a cura, a fermentação, a conservação na gordura os métodos convencionais. Em detrimento, os alimentos, em sua maioria, tinham sabores e odores fortes, pois o estado de preservação da matéria-prima era comprometida – sobretudo na conservação dos alimentos. A fim de poder mascarar os sabores indesejáveis, ou até mesmo diminuir certo odores – provenientes das carnes, aves e peixes – eram elaboradas as chamadas “marinadas”. Esses preparos tinham por excelência misturar diferentes tipos de ervas aromáticas (alecrim, manjerona, sálvia, salsinha), os legumes (alho, cebola, cenoura, salsão), um elemento ácido na forma de suco (limão, laranja, vinagres) ou ainda bebidas alcoólica (vinhos, conhaques, rum ,licores), com o sal, especiarias (pimentas, cravos, canelas, noz moscadas) e, às vezes, água.
Hoje em dia, a “marinada” é realizada com a finalidade de aromatizar o pedaço de carne, fazendo que os sabores dos ingredientes penetrem no interior da peça, e ainda amaciar das fibras, resultando num preparo mais macio e suculento.
Origem das especiarias
A origem das especiarias estão atreladas a países tradicionais localizados ao meio-oriente e ao extremo-oriente. A busca por elas, contribuiu no desenvolvimento marítimo das grandes navegações.
Atualmente, com a globalização mundial, o mercado das especiarias nunca foi tão difundido como temos agora. Podemos ter a experiência de conhecer novas alquimias de sabores, aromas e cores sem precisar viajar até os seus locais de origem. A oportunidade de trazer novos sabores a nossa mesa, é algo que fascina, e vem ganhando cada vez mais adeptos. O ato de consumir e utilizar novos temperos de diferentes culturas, nos permite por exemplo, viajar até a Índia numa determinada refeição, e posteriormente ir até África em outra, sem mesmo precisar sair de casa, essa rica experiência é compartilhada em diferentes partes do planeta.
Além do ponto de vista apresentado, o consumo pode estar baseado em questões nutricionais e fitoterápicas. Existem um grande número de pessoas que estão buscando o uso das plantas e especiarias, seja na sua forma de suplementação ou ainda na prevenção de doenças.
Na prática, o consumo de determinadas ervas e especiarias estão interligadas aos hábitos alimentares, que ao serem associadas ao conjunto de fatores socioculturais são normalmente apresentados de uma forma identitária. Podemos constatar que por meio de determinados ingredientes, a culinária passa por um processo de reconhecimento dos cidadãos daquela localidade, onde os seus hábitos são definidos e caracterizados a partir de preceitos, portanto, são moldados e baseados sobre as escolhas da tipificações dos “sabores e saberes”.
A popularidade do coentro
Um bom exemplo que podemos observar neste contexto regional de tipificação de sabores, é o consumo do coentro, considerada uma das ervas aromáticas mais populares no mundo. No brasil, o uso do coentro, é maior nas regiões do norte e nordeste do país. Este fato tem haver com influências culturais herdadas dos hábitos de seus colonizadores. Já a mesma erva, aqui na região do sul, especialmente em Santa Catarina, podemos dizer que possui pouca adesão, e em muitos casos uma certa aversão a sua utilidade.
Quero destacar aqui, que quando escrevo diante de aspectos culturais relacionados a gastronomia, não existe certo ou errado, mas sim, sabores, gostos e aromas que se fundem as nossas preferências e sobretudo as expectativas. É muito importante esta reflexão, pois na medida que estudamos a história dos alimentos, melhor compreendemos que as nossas escolhas são baseadas, normalmente, pelas nossas vivências e as experiências. Sobretudo, aquelas relacionadas às influências das nossas origens. Portanto, respeitar o hábito, é diferente de adquiri-lo. Esse é o primeiro passo para evoluir no universo da alquimia da gastronomia.
Os sabores e odores da sua natureza
A utilização de ervas e especiarias tem por característica básica acrescentar sabor, cor e aroma aos nossos preparos. O sabor é descrito por cinco elementos:
- Doce
- Azedo
- Salgado
- Amargo
- Umami
Essas sensações estão ligadas às papilas gustativas da boca e ainda receptores nasais localizados no teto das cavidades. Já os odores, possuem uma gama de variedade muito maior que normalmente nos lembram (madeira, terra, animais, flores, pedra relva seca, o litoral e as florestas). Ambas as substâncias aromáticas, tanto das ervas como das especiarias, são voláteis, por isso, quando cozinhamos, precisamos estar atentos às questões básicas, como por exemplo, adicionar uma erva delicada como a salsinha no início do cozimento longo como um “braseado” é desperdiçar toda as suas qualidades aromáticas.
Neste quesito, é importante identificar as ervas que suportam temperaturas mais elevadas. Manter a temperatura baixo de um cozimento durante o preparo de um “braseado” com carne, não só é necessário para a transformação do colágeno em gelatina e evitar a desnaturação da proteína, mas também para se evitar de desperdiçar os sabores dos temperos. Portanto, mantenha sempre baixo de 90°C, ou seja, abaixo do ponto de ebulição.
As especiarias
As especiarias seguem o mesmo princípio, sendo que elas podem ser comercializadas inteiras ou em forma de pó. Normalmente, são compradas em forma de sementes, ou cascas. Os cozinheiros indianos possuem uma técnica de levar as especiarias para tostar sobre uma frigideira. Esse processo ajuda a secar, assim, resultar numa maior concentração de sabores. Posteriormente elas são trituradas na elaboração das “masalas”.
As especiarias em pó possuem um menor teor de aroma, porém, são bastante versáteis nas elaboração das “marinadas secas” e ainda na “cura” de carnes (são aplicadas em torno de 1% em relação ao peso do alimento). É a maneira mais rápida que temos para aromatizar um alimento, já que as moléculas estão diluídas em minúsculas partes, permeando o alimento por inteiro.
As especiarias são utilizadas ainda como espessantes naturais para engrossar molhos, ensopados, guisados, braseados e sopas.
Dicas
1- Identifique o modo de preparo de cozimento da sua receita (curto período). Rasgue as folhas com a mão para não desperdiçar os óleos essenciais presentes na estrutura da folha. Salsinha, manjericão, manjerona, tomilho, coentro, orégano, lavanda, hortelã, normalmente são espalhadas sobre o prato durante a finalização ou após. |
2- Cozimentos longos como “guisados” ou “braseados”. Ervas inteiras com folhas e caules (alecrim, sálvia, louro). Quando picar, utilize uma faca afiada, caso contrário, você irá esmagar as folhas e irá deixar o óleo, essência da folha, na sua tábua de corte. |
3- Boa parte das ervas aromáticas podem ser consumidas cruas. Algumas são recomendadas que sejam fritas antes de seu consumo, pois possuem sabores acres, como as populares “alecrim e a sálvia”. |
4 – Crie o hábito de ter a suas próprias plantas, pois é de longe a maneira mais saborosa e aromática para se cozinhar. A adição de temperos na comida ajuda na diminuição no uso do sal, o que ajuda na saúde. |
5- Evite a utilização de ervas secas. Caso utilize, prefira utilizar no preparo das marinadas úmidas. |
6- Evite comprar ervas frescas picadas. Os seus aromas e sabores são comprometidos. Realize ainda óleos aromatizados com ervas aromáticas, ou utilize diferentes tipos de vinagres para fazer uma infusão a partir dos sabores das plantas. É uma ótima oportunidade para degustar com saladas. |
7- A utilização de especiarias em forma de pó. Podem ser aplicadas ainda para realçar o sabor, como no preparo de “marinadas secas”. Exemplo: “frango frito”. Manter a carne seca irá favorecer uma fritura crocante e mais rápida, e ainda trazendo os sabores das especiarias utilizadas. |
8- Uma dica fundamental, antes de apreciar um belo prato, é preciso sentir os seus aromas, pois na verdade a grande maioria dos sabores que sentimos é oriundo do odor dos alimentos. Faça um teste, coma uma fruta quando você esteja gripado e tente sentir o sabor. Podemos concluir que boa parte do que sentimos é oriundo do aroma, não do sabor. |
9- Na utilização de especiarias em pó, é recomendado fritá-las na gordura, para ajudar extrair melhor o seu sabor. |
10- Ao término do cozimento, adicione novamente um porção das especiarias. Assim, é possível realçar novamente os seus sabores e aromas. Abuse da utilização! |
Algumas misturas clássicas de ervas e especiarias
Bouquet garni – França | Louro, tomilho e salsa envoltos na folha de alho-porró |
Fines Herbes | Estragão, cerefólio,cebolinha |
Quatre épices | Pimenta-do-reino, noz moscada, cravo e canela |
Herbes de Provence | Tomilho, manjerona, funcho, manjericão, alecrim, lavanda |
Chermoula – Marrocos | Cebola, alho, folhas de coentro, pimenta malagueta, cominho, pimenta-do-reino, açafrão |
Ras el Hanout | Mais de 20 ingredientes, destacando cardamomo, cássia, cravo, macis, pimenta malagueta e pétalas de rosas |
Zatar – Oriente Médio | Manjerona, orégano, tomilho, gergelim, sumagre |
Zhug | Cominho, cardamomo, alho e malagueta |
Garam Masala – Índia | Cominho, coentro, cardamomo, pimenta-do-reino, cravo, macis, canela |
Panch phoran | Cominho, funcho, nigela, feno-grego, mostarda |
Five spice – China | Anis estrelado, pimenta japonesa, cássia, cravo e funcho |
Schichimi – Japão | Sanshô, mostrada, semente de papoula, semente de gergelim, casca de tangerina seca |
Recado rojo – México | Urucum, orégano mexicano, cominho cravo, canela, pimenta-do-reino, pimenta-Jamaica, alho, sal |
Gremolata – Itália | Salsinha, alho, azeite de oliva e raspa de limão siciliano |
Pesto | Folhas de manjericão, alho, queijo pecorino ou parmegiano reggiano , pinole e azeite de oliva extra-virgem |
Cozinheiros do mundo inteiro ganham utilizando em seu preparo temperos de distintas culturas. O sabor e aroma, aliados ao conjunto das técnicas corretas, permitem o encantamento por meio do alimento. Sobretudo, podemos considerada uma das maiores fontes de inspirações para os cozinheiros. O descobrimento de novos temperos é um caminho maravilhoso que nos permite conectar a sua origem, transcendendo de forma natural para ao alimento preparado.
Cito o exemplo do lendário filme “Ratatouille”, onde o pequeno ratinho ensina às pessoas que o mais básico dos ingredientes, o amor, misturados aos temperos e uma dose de alquimia, fazem de um simples prato um verdadeiro banquete para o deleite do paladar.
Inspire-se, siga a sua intuição, crie e lembre-se cozinhe sempre com o olhar a partir do coração!
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