Casos de trabalho análogo à escravidão disparam em SC em 2025
Resgates crescem 40% em cinco meses; maioria das vítimas é migrante explorada no campo, na construção civil e na indústria têxtil
• Atualizado
Santa Catarina, um dos estados com maior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do Brasil, vive um paradoxo alarmante: o crescimento acelerado do trabalho análogo à escravidão. Dados obtidos com exclusividade pelo SCC10, junto ao Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e ao Ministério Público do Trabalho (MPT-SC), revelam que 89 trabalhadores foram resgatados no estado entre 2023 e 2025.
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Somente nos primeiros cinco meses de 2025, 34 pessoas já foram libertadas. O pico ocorreu em 2024, com 99 vítimas, um aumento expressivo em relação aos 87 resgates registrados em 2023. As ocorrências se concentram, principalmente, em áreas rurais e de difícil acesso, como o Oeste, o Alto Vale do Itajaí e o Norte catarinense, regiões onde a fiscalização é mais limitada.
Setores com maior incidência
Agropecuária e lavouras sazonais: como maçã, cebola, tabaco e erva-mate
Construção civil: especialmente em cidades médias em expansão
Indústria têxtil: com foco em pequenas confecções no Norte do estado
Um dos casos mais emblemáticos ocorreu em Joinville, onde 12 costureiras bolivianas foram encontradas em condições degradantes: jornadas exaustivas, sem registro em carteira, com retenção de documentos e obrigadas a dormir no próprio local de trabalho.
Como funcionam as fiscalizações
As operações de resgate seguem o protocolo definido pela Portaria 3.484/2021, que orienta as ações da CONATRAE (Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo). As denúncias chegam por meio do Disque 100, do sistema Ipê (MTE) e do MPT, e resultam em investigações conjuntas com apoio da Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Defensoria Pública da União e assistência social local.
Quando confirmado o trabalho análogo à escravidão, os trabalhadores recebem três parcelas de seguro-desemprego especial, além de suporte para reintegração social.
Falta de auditores x aumento das denúncias
A chefe da Fiscalização do Trabalho em SC explica que o aumento de casos reflete tanto o agravamento das violações quanto uma maior conscientização da população e a ampliação dos canais de denúncia.
“Recebemos mais denúncias porque as pessoas conhecem melhor seus direitos. Mas ainda somos poucos para atender toda a demanda com a agilidade necessária”, afirma a coordenadora.
O estado aguarda a chegada de 24 novos auditores fiscais até o fim de 2025, o que deve reforçar a capacidade de resposta dos órgãos de fiscalização.
Quem são as vítimas
Segundo o MPT-SC, 72% das pessoas resgatadas em 2025 são migrantes, a maioria oriunda do Norte e Nordeste do Brasil, além de países como Bolívia e Haiti. Muitas chegam endividadas e acabam presas em regimes de exploração, com restrição de liberdade e total dependência do empregador.
Lista suja e empregadores catarinenses
A “lista suja” do trabalho escravo, atualizada em abril de 2025 pelo MTE, inclui 155 empregadores em todo o Brasil, sendo 13 deles de Santa Catarina. Entre os setores mais recorrentes estão hortifrúti, madeira e pintura. Uma das inclusões mais polêmicas envolve a esposa de um desembargador, acusada de manter uma trabalhadora doméstica em regime de escravidão contemporânea.
Municípios com mais registros (2018 a 2025)
Ituporanga – 30 vítimas
São Joaquim – 29
Rio do Sul – 24
Urubici – 15
Criciúma– 12
São Bento do Sul– 8
Itapiranga– 7 (vítimas indígenas Guarani-Mbya)
Bom Retiro, Água Doce e Florianópolis – casos pontuais
Total estimado: 131 trabalhadores resgatados em 10 municípios.
MPT firma 46 TACs e ajuíza 8 ações civis públicas em Santa Catarina entre 2023 e 2025
Entre 2023 e 2025, a Procuradoria Regional do Trabalho da 12ª Região (PRT12), que atua em Santa Catarina, firmou 46 Termos de Ajustamento de Conduta (TACs) e ajuizou 8 ações civis públicas contra empregadores por irregularidades trabalhistas. Os TACs são instrumentos extrajudiciais utilizados pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) para corrigir práticas ilegais no ambiente de trabalho sem a necessidade imediata de recorrer à Justiça. Quando não há acordo ou o TAC não é cumprido, o MPT pode ajuizar ação civil pública.
Lages lidera em TACs firmados, com 18 no período, mas sem nenhuma ação civil pública ajuizada, o que indica uma forte atuação preventiva e resolutiva na região. Na sequência está Blumenau, com 10 TACs e também sem judicializações.
Por outro lado, Florianópolis aparece como o município com mais ações ajuizadas: foram 6 ações civis públicas e 3 TACs firmados, o que aponta para uma maior judicialização de casos. Joinville e Chapecó tiveram 1 ação ajuizada cada e, respectivamente, 3 e 5 TACs. Já Criciúma e Joaçaba não registraram ações, mas firmaram 4 e 3 TACs, respectivamente.
O balanço mostra a atuação diversificada do MPT no estado, alternando medidas extrajudiciais e ações judiciais conforme a gravidade e complexidade dos casos. Os dados reforçam a importância da fiscalização e da mediação institucional na promoção de condições dignas de trabalho.
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