“Acordei no chão com todos olhando para mim”, relata jovem que sofreu Burnout; mais de 60% dos brasileiros afirmam excesso de trabalho
Sete a cada 10 sofrem de estresse e a maioria continua trabalhando
• Atualizado
Na reportagem você poderá conferir:
O relato a seguir é de um jovem que mora em Santa Catarina e vivenciou um episódio real de Burnout, um esgotamento emocional com sintomas de extrema exaustão e estresse. O nome foi alterado para preservar o sigilo:
“Meu nome é Gabriel, eu tenho 30 anos e tive uma única experiência com Burnout há cinco anos. Lembro que era final do ano e naquele dia em específico eu havia dormido pouco, umas três horas no máximo. Eu tinha uma reunião marcada para às nove horas da manhã e como estava cansado cheguei atrasado para ela. Na época eu trabalhava como gerente de marketing de uma das baladas mais conhecidas e movimentadas da região. Eu lidava com pessoas o tempo todo, coordenava uma equipe e fazia os treinamentos, capacitações, planejava ações e resolvia outros “pepinos” também. Eu nunca parava de trabalhar, usava aquele lugar como uma fuga psicológica, cheguei até a ter sonhos que estava no trabalho.
Na semana que aconteceu eu já estava bem deprimido, tive alguns episódios de crises de ansiedade e sentia que já havia chegado num limite, mas sendo bem sincero não parecia me importar com isso. Lembro que entrei na sala, tinham umas cinco ou seis pessoas e estávamos em uma daquelas reuniões de praxe sobre planejamento. E foi aí que tudo aconteceu. Foi bem rápido, eu comecei a falar e logo bateu uma crise de ansiedade muito forte. Sentei na cadeira, pois senti um mal súbito. Depois disso, apaguei. Acordei no chão com todos olhando para mim, me senti tão envergonhado que comecei a chorar. Senti que havia falhado, que não era bom o suficiente para a minha posição de gestor. Mentalmente me sentia anestesiado, frágil e exausto.
Dali para frente, me desliguei da empresa. As pessoas do meu trabalho foram solidárias comigo, meu chefe, que era o dono da empresa, provavelmente ficou com medo que entrasse com algum processo, mas eu só queria mudar toda a minha rotina e priorizar a minha saúde mental antes de qualquer coisa. Hoje acredito na filosofia do trabalho como meio de sustento, sobrevivência, onde eu vendo minha força em troca de salário. Não levo mais ao pé da letra como ideal de vida porque a vida real começa depois do horário de trabalho. Eu criei uma relação de desapego pela obsessão de sempre querer mais. Aquele ditado ‘trabalhe com o que você ama e nunca mais trabalhará na vida’, para mim, é pura bobagem. Nem sempre gostamos do que fazemos e mesmo quando gostamos, nem todos os dias teremos essa paixão pelo trabalho, faz parte. Hoje eu aproveito meu tempo livre e priorizo os momentos que eu realmente gosto e me sinto bem”.
Burnout: a síndrome do cansaço
O termo Burnout vem do inglês, na sua tradução literal “burn” significa queimar e “out” fora, e pode ser entendido como algo que explodiu, chegou a um limite de energia. Essa síndrome faz parte de um esgotamento emocional com sintomas de extrema exaustão e estresse, além de reflexos na parte física que afetam o desempenho do corpo humano.
A causa principal está atrelada ao trabalho, apesar de especialistas afirmarem que isso também pode ocorrer em fases iniciais da adolescência e juventude caso tenham uma relação constante com cansaço mental.
Entre os adultos, esta síndrome aparece com mais frequência em trabalhos expostos a um cenário de pressão, competitividade ou responsabilidade constante e fora do que possa ser aceito como um ambiente saudável. Segundo o Ministério da Saúde (MS), profissões como médicos, enfermeiros, professores, policiais, jornalistas, entre outros, podem estar mais propensos a um cenário de pressão contínua.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) reconhece e estabelece a síndrome de Burnout na lista de doenças ocupacionais. Assim, pessoas diagnosticadas, inclusive no Brasil, tem garantias trabalhistas e previdenciárias. Essa decisão passou a valer em 2022 com a vigência da nova Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-11).
Conforme o Tribunal Superior do Trabalho (TST), em 2020 houve um recorde de concessão de auxílio-doença em decorrência de transtornos mentais. Dados da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho apontam mais de 576 mil afastamentos, revelando uma alta de 26% comparada ao ano anterior.
Afastamentos por depressão e ansiedade estão entre os principais motivos para a solicitação do auxílio-doença, além de registrarem um aumento nos números de pessoas afetadas. Um levantamento feito pela Secretaria de Previdência apontou que 30,67% dos casos são episódios de depressão e 17,9% são de transtornos de ansiedade.
O equilíbrio entre trabalho e saúde mental
O portal SCC10 entrevistou o psicólogo Vitor Paese para compreender mais sobre a relação entre o ambiente de trabalho e a saúde mental de cada indivíduo. Nesta entrevista você vai ver:
- A relação entre trabalho e saúde mental;
- O risco que o vício em trabalho pode acarretar (pessoas que se intitulam workaholic);
- Sinais de alerta que refletem o cansaço e exaustão extrema;
- O perfil/faixa-etária de pessoas mais propensas a sofrer o Burnout;
- Como adaptar/escolher uma rotina saudável para o corpo e a mente.
Psicólogo Vitor Paese explica a relação entre trabalho e saúde mental no contexto do Burnout
Como o cérebro funciona
O portal SCC10 entrevistou a neuropsicóloga Rachel Schlindwein, do Hospital Universitário de Santa Catarina (HU-UFSC), para entender os efeitos e comportamentos cerebrais durante e após a síndrome de Burnout. Confira:
Qual parte do cérebro é ativada ou desativada nesses momentos?
Quando falamos dessa síndrome, que é decorrente de estresse psicológico prolongado, o nosso cérebro reage a uma super ativação das áreas mesolímbicas relacionada a amígdala cerebral que corresponde aos processos de medo e ansiedade.
Quais são os danos?
Esse tipo de estresse pode alterar a funcionalidade e o tamanho hipocampal, responsável pelas respostas emocionais, memória e aprendizado, e pode também conduzir a piora no rendimento neuropsicológico. Já foi observada essa mudança em alguns estudos com animais.
Como o cérebro reage?
Em geral, frente a uma situação muito estressante ou traumática, podemos reagir com fuga, luta/ enfrentamento e/ou dissociação, por exemplo. Sendo que, dependendo das características e sua frequência, é possível cogitar um transtorno dissociativo.
O cérebro dá algum sinal ou alerta de desgaste emocional?
Consiste em um conjunto de sintomas caracterizado por sinais de exaustão emocional, despersonalização e reduzida realização profissional, além de piora cognitiva em decorrência de um trabalho altamente estressante e com grande carga tensional.
Existe alguma área profissional que está mais propensa?
É mais frequente em profissionais da saúde, em especial a área hospitalar, mas também policiais e professores da educação. Recentemente publicamos um estudo com profissionais da saúde que atuaram na linha de frente da Covid-19 e observamos a oscilação de humor, sintomas depressivos e de ansiedade, além da dificuldade de concentração e fadiga.
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Existe ajuda para o Burnout?
O Centro de Valorização da Vida (CVV) em parceria com o Sistema Único de Saúde (SUS) oferece apoio emocional e gratuito para todo o país. Os canais de comunicação são via telefone pelo número 188 ou no próprio chat. As conversas realizadas são em total sigilo e o serviço está disponível 24 horas diariamente. Pessoas em crise também podem procurar atendimento gratuito na Rede de Atenção Psicossocial mais próxima.
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