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Dia do Orgulho LGBTQIA+

“Quando soube dele nem pensei, só fui, era tudo que eu queria”: conheça o FutTrans, primeiro time trans da Capital

Para o Dia Internacional do Orgulho LGBTQIA+, o SCC10 conversou com integrantes do time sobre a importância de aliar a prática de esportes a um espaço de acolhimento

• Atualizado

Giovanna Pacheco

Por Giovanna Pacheco

O time iniciou em janeiro de 2023 e faz treinos às terças e quintas-feiras | Foto: divulgação/FutTrans
O time iniciou em janeiro de 2023 e faz treinos às terças e quintas-feiras | Foto: divulgação/FutTrans

Toda terça e quinta às 20h, um grupo de amigos se encontra para jogar bola em um bairro de Florianópolis. Antes de toda partida, há conversas cotidianas, alongamentos, exercícios de agilidade e divisão de times, como qualquer outro jogo. Mas para esse grupo, nunca é só um jogo. Afinal, o FutTrans é o primeiro time da Capital formado por e para pessoas trans, travestis e não binárias.

Tudo começou em um grupo de WhatsApp, criado pelo Ambulatório Trans de Florianópolis, para unir a prática de esporte e o cuidado da saúde a um espaço de acolhimento. Segundo Luiz Henrique Santos, integrante e atual coordenador do FutTrans, no início do grupo, em janeiro de 2023, os jogos eram “sem regra, sem organização, sem campo. Era só um monte de gente que queria jogar futebol”.

No entanto, ao longo das partidas, perceberam que havia um potencial para participarem de amistosos e campeonatos, então formaram uma comissão organizadora e conseguiram um patrocínio. Hoje, com a ideia de se preparar para um futuro campeonato, eles jogam por duas horas, têm treinador, coletes e equipamentos para ajudar no desenvolvimento de técnica.

Segundo o médico Marcello Medeiros Lucena, uma pessoa cis é aquela que se identifica com o gênero que foi imposto em seu nascimento. Já a pessoa que se constrói e se entende fora do que foi definido no nascimento, é uma pessoa é trans. 
Uma pessoa não binária é aquela que não se encaixa com a binariedade de apenas ou homem ou mulher. 

FutTrans é refúgio e conversa

O time se tornou um grupo de apoio, refúgio e troca de convivência entre os jogadores. Luiz, de 25 anos, relata que quando se identificou como uma pessoa trans, em 2017, não tinha contato nenhum com a comunidade. Foi quando, ao entrar no time, tomou conhecimento de que existiam mais pessoas como ele em Florianópolis.

“Foi a primeira vez que eu sentei com alguém e falei ‘estou passando por tal situação, você também passou? Como você resolveu?’ A gente troca muitas histórias sobre sofrimentos, preconceitos. Por muito tempo eu me senti só e agora entendo que não estou”, relata Luiz.

Thayllen Couto, integrante do time e da comissão organizadora, tem 31 anos e procurava um local para jogar há 8 anos. Praticava o esporte desde pequeno e chegou a fazer teste para ser jogador profissional, mas, quando se descobriu trans e começou a transicionar, não se sentia confortável para jogar com pessoas cis. 

“A gente fica na insegurança de saber se as pessoas vão nos receber bem. Eu nunca sei se elas têm raiva do que eu sou. Então quando soube do time eu nem pensei muito, só fui. Era tudo que eu queria”, relata Thayllen Couto.

Até quem não gosta de futebol, ou de qualquer esporte, caiu nas graças do FutTrans, como Lucca, 23, que preferiu não divulgar seu sobrenome. Ela é a única mulher que participa dos jogos com mais frequência. Lucca conta que nunca teve interesse em nenhum esporte, mas viu o time como uma oportunidade para se integrar. 

O legal, para ela, não é falar sobre a transexualidade o tempo todo, mas sim o simples fato de conviver.

“Às vezes não é nem conversar sobre esses assuntos, hoje em dia a gente não tem muito tempo e ter esse momento do futebol é o momento da conversa”. Ela ainda comenta que o FutTrans deu mais certo do que esperava, afinal “a única coisa que temos em comum é o fato de sermos trans”.

Aqui posso ser quem eu sou e consigo ser como sou

É fato que a prática de exercício físico é uma grande aliada não só para a saúde física, mas também para a mental. Segundo a Secretaria de Desenvolvimento Social de São Paulo, a prática de exercício leva ao aumento da concentração de serotonina e endorfina no corpo – substâncias responsáveis por sensações de bem-estar no sistema. 

Thay, como gosta de ser chamado, sente isso toda terça e quinta-feira: 

“Tem sido ótimo não só porque comecei a comer melhor e dormir melhor. Mas também pela saúde emocional, porque hoje tenho pessoas do FutTrans que considero amigas de verdade. O quanto isso alivia energias, ansiedades. Melhorou meu humor e me dá mais energia para trabalhar e buscar as coisas que eu quero”.

O sentimento de alívio e acolhimento de Thay pode ser explicado biologicamente pela psicóloga neurobiológica especialista em tratar traumas, Betila Galvan de Lima:

“Quando o cérebro constantemente não se sente acolhido, esse sistema estará sempre em um estado de avaliação se vai precisar lutar, fugir ou travar nas situações. Então quando há grupos que as pessoas LGBTQIA+ se sentem pertencentes, há um alívio interno em que elas percebem que podem relaxar e ser quem elas são. Pensam: “aqui posso ser quem eu sou e consigo ser como sou”.  

  • futtrans

Durante a entrevista com o portal SCC10, Thay traz momentos em que esteve em alerta, mesmo sem saber se realmente precisava estar, seguindo a lógica do sistema de lutar, fugir ou travar citada por Betila. Ele conta que em um dia de jogo, um grupo de homens cis chegaram ao local e convidaram o time para jogar com eles. “Mas não nos sentimos à vontade, porque não sabíamos se havia alguém ali que iria agir de má fé e nos machucar no jogo, propositalmente”.

Inclusive, para garantir a segurança dos integrantes, o grupo prefere não divulgar o local que fazem os encontros semanais. Thay explica que normalmente, quem tem interesse, pode entrar em contato pelas redes sociais ou a partir do Ambulatório Trans e às quintas-feiras os jogos são abertos ao público geral.

Luiz Henrique também comenta que diante de tantos traumas, passou a se fechar, a preferir ficar sozinho:

“A gente tem os nossos traumas e acaba se fechando pro mundo. A gente começa a se sentir desconfortável com os nossos corpos. E o time me ajudou até a enfrentar a depressão, porque antes eu acabava ficando só em casa, ainda mais que trabalho de home office”.

Dia Internacional do Orgulho LGBTQIA+

Segundo a fundação independente Fundo Brasil de Direitos Humanos, o Dia do Orgulho LGBTQIA+ surgiu a partir da década de 1960. Na época, as leis dos Estados Unidos oprimiam e puniam a população da comunidade, deixando-a de fora do processo de socialização no país. Eram comuns ações policiais em bares, prisões arbitrárias e exposição pública dessas pessoas.

Foi quando em 28 de junho de 1969, os clientes de um bar chamado Stonewall Inn, em Nova York, se revoltaram. Ainda segundo a Fundo Brasil, o grupo organizou e fez manifestações e confrontos durante dias no local. Este dia, conhecido como Rebelião de Stonewall, é considerado o marco zero da luta pelos direitos da comunidade LGBTQIA+.

Os jogos são abertos ao público geral toda quinta-feira | Foto: divulgação/FutTrans

Ambulatório Trans em Florianópolis

O Ambulatório Trans Florianópolis é um serviço de atenção e saúde a pessoas trans, travestis e não binárias, em que a maioria dos jogadores do FutTrans é atendido. Segundo o Coordenador do projeto e Médico de Família e Comunidade, Marcello Medeiros Lucena, há uma demanda constante de espaços de socialização entre os pacientes e, por isso, surgiu a ideia do time.

O coordenador explica, no entanto, que o ambulatório apenas deu o pontapé para fundar o projeto, que, hoje, é independente e coordenado pelos integrantes. 

Além do acompanhamento de pacientes que fazem a transição com uso de hormônios, o ambulatório faz o mesmo atendimento dos Centros de Saúde de cada bairro de Florianópolis: “tudo que a gente faz aqui no ambulatório poderia e deveria ser feito nos ambulatórios”, explica Medeiros.

Mas o serviço é oferecido separado, porque, segundo ele, “muitas vezes há profissionais que não são bastante informados sobre o assunto, o que pode causar um constrangimento para os pacientes ou eles sofrerem algum tipo de violência”.

Segundo a cartilha do projeto, entre os serviços oferecidos, estão o “apoio a pessoas trans, travestis e não-bináries em processo de identificação de gênero; atendimentos gerais em saúde; orientações, encaminhamento e pareceres para cirurgias de transição; início e acompanhamento de hormonização a partir dos 16 anos; inserção de DIU e acompanhamento e instrução sobre Infecções Sexualmente Transmissíveis”.

O atendimento do ambulatório é oferecido pela prefeitura do município, às quartas, quintas e sextas-feiras, das 13h às 19h, na Policlínica do Centro (Av. Rio Branco, 90). Os agendamentos podem ser feitos via WhatsApp (48 98838-5349) ou por encaminhamentos do Centro de Saúde de cada bairro. 

>> Para mais notícias, siga o SCC10 no TwitterInstagram e Facebook.

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