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Do canteiro ao escritório

Preconceito ainda é barreira para mulheres na construção civil, aponta pesquisa

Segundo pesquisa desenvolvida pela Sienge Comunidade, em parceria com o AEC Web, 77% dos profissionais do setor, ainda há preconceito com a atuação feminina.

• Atualizado

Vitória Hasckel

Por Vitória Hasckel

Fotos: Cedidas
Fotos: Cedidas

O setor da construção civil, historicamente dominado pelos homens, está passando por mudanças significativas. A presença feminina no setor vem ganhando força, mas as profissionais ainda enfrentam algumas barreiras, como preconceito. Isso é o que mostra uma pesquisa recente realizada pelo Portal AECweb Comunidade e o Sienge Comunidade, em conjunto com o Ecossistema Tecnológico da Indústria da Construção, da Softplan.

O estudo revela que, apesar dos avanços, o preconceito ainda é uma barreira considerável para as profissionais. Segundo 77% dos profissionais do setor, ainda há preconceito com a atuação feminina. Além disso, 67% dos entrevistados acreditam que é mais difícil para mulheres conseguirem uma posição de destaque. Já 73% dos respondentes observam que as mulheres estão conquistando mais espaço em posições de liderança.

Resistência no trabalho na construção civil

Hoje coordenadora de obras, Marinez de Miranda teve o primeiro contato com a engenharia de dentro do escritório e antes mesmo de pensar em fazer a faculdade de engenharia civil. Contratada para a área administrativa da ViPlan Engenharia, em Joinville, Marinez foi incentivada a se aprofundar na área da construção civil.

Em um primeiro momento ela fez um curso técnico em edificações, ficando responsável pela personalização de obras e atuando em ajustes de projetos de acordo com as necessidades dos clientes, mas a determinação e paixão pelo trabalho levou a moradora de Joinville a buscar uma formação como engenheira civil e desafiar a resistência inicial no ambiente predominantemente masculino da construção civil.

Foi assim que saiu do escritório e seguiu para o canteiro, onde hoje trabalha como coordenadora de obras na ViPlan, sendo a única mulher na obra. “Houve uma resistência no início, por não saber se portar, como falar e pela timidez, mas hoje é muito mais tranquilo, tenho segurança. Se vem uma brincadeira, você fala a real mesmo, manda na lata. Se for para me deixar constrangida, acaba a pessoa saindo constrangida”, afirma Marinez.

  • Preconceito ainda é barreira para mulheres na construção civil, aponta pesquisa (2)

A paranaense, que escolheu Santa Catarina logo após se formar no ensino médio, afirma que já sentiu resistência de equipes masculinas, mas que com o dia a dia de trabalho o relacionamento melhorou e a equipe se tornou “uma grande família”. “Eu nunca sofri falta de respeito de alguém falar num tom de voz muito mais alto do que o meu, sempre fui muito respeitada, mas já aconteceu de ter uma restrição após eu passar uma atividade, ou a forma que quero que seja feito, de duvidarem ‘será que vai dar certo'”, relembra.

De acordo com a coordenadora de obras, sua postura espontânea e comunicativa ajudou a criar um ambiente de colaboração e respeito mútuo no canteiro de obras.

Do canteiro ao escritório

Enquanto Marinez começou no escritório e seguiu para o canteiro de obras, a engenheira civil Stefany Alves dos Santos, fez o caminho inverso: começou sua vida profissional em obras e agora atua principalmente do escritório.

Assim como Marinez e muitas outras mulheres na engenharia, Stefany também precisou lidar com o preconceitos. “Já tive experiências de ter minha capacidade questionada, principalmente no início, porque eu era insegura. Muitos acham que o preconceito vem do pedreiro, do profissional da obra, e na verdade, muitas vezes ele vem de um cliente, que prefere contratar um profissional homem do que uma mulher”, afirma a engenheira formada pela Unochapecó.

Stefany começou atuando no canteiro de obra até decidir abrir o próprio negócio. Foto: Cedida

Segundo a jovem, que decidiu trabalhar na área após acompanhar de perto o trabalho do pai como mestre de obras, ela sempre foi bem recebida por profissionais homens em obras, tendo ocorrido casos pontuais de preconceito.

De acordo com a pesquisa, o preconceito lidera como fatores limitantes para a atuação das mulheres na construção civil. Ambiente machista (16%), poucas lideranças femininas (14%), networking dominado por homens (13%), falta de creches e apoio à maternidade (10%) e falta de um plano de carreira (9%) também são citados como barreiras à atuação feminina.

Para Stefany, a postura profissional ajudou a superar essas barreiras. “Precisei me posicionar de uma forma para mostrar que eu sabia o que estava fazendo. Hoje eu acredito muito que a competência profissional, aquilo que vamos desenvolvendo para ter excelência no que entregamos, vai além do preconceito”, ressalta a jovem. Atualmente, a profissional se destaca na prestação de serviços de regularização de imóveis para clientes de diversas regiões do Brasil, equilibrando sua rotina entre o escritório e visitas a obras de clientes específicos.

Reconhecimento do valor

Paula Lunardelli, engenheira civil formada pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e fundadora da Prevision, plataforma que utiliza a metodologia Lean Construction para reduzir desperdícios e otimizar recursos disponíveis, destaca que embora o número de mulheres na construção civil ainda seja baixo, há um crescente reconhecimento do valor que elas trazem ao setor, uma vez que entregam comprometimento, confiança e dedicação.

“Vemos mulheres estudando e se dedicando com profundidade e entrega para conquistar o que querem. As mulheres passam um nível grande de confiança e quando as equipes tiram da frente o preconceito e percebem que ali tem resultado, o negócio vai que vai. Eu realmente acho que o mundo será das mulheres em algum momento”, explica Lunardelli, que ainda sente falta de outras lideranças femininas no setor.

Para Paula, o cenário é melhor do que ela teve quando entrou na universidade e tinha apenas quatro colegas mulheres. Ao longo da graduação, a hoje vice-presidente de Ecossistema da Associação Catarinense de Tecnologia (ACATE) precisou mostrar seu valor tanto para colegas como para professores.

Lunardelli relembra que assim que entrou na faculdade, com o semestre já em andamento, precisou realizar uma prova sem ter assistido nenhuma aula. Ao receber o retorno do professor, com uma nota 3, ouviu que dele que ‘não sabia como ela fazia engenharia’. “Eu nunca vou esquecer disso, na prova seguinte, eu tirei 9,5 e pensei ‘quer saber, agora vou te mostrar o que eu consigo entregar aqui'”, relembra Paula.

Quando Paulo entrou na universidade ouviu de um professor que ele ‘não sabia como ela fazia engenharia’. Foto: Cedida

Hoje como liderança, Paula acolhe as profissionais de sua empresa, sendo também uma rede de apoio e se mostrando disposta a proporcionar, dentro da empresa que comanda, um ambiente de desenvolvimento de profissionais mulheres e lideranças femininas, uma vez que acredita que a diversidade de pensamento gera melhores resultados.

Como melhorar a presença feminina na construção civil

Um ponto positivo destacado pela pesquisa é o aumento da presença feminina em posições de liderança. Para 73% dos respondentes, as mulheres estão conquistando mais espaço em cargos de liderança na construção civil, o que indica uma mudança gradual, porém significativa, na dinâmica do setor

Para tornar o mercado da construção civil mais atraente e inclusivo para as mulheres, os participantes da pesquisa sugerem várias ações fundamentais. Entre elas, a promoção da equidade salarial (24%), o aumento de posições de liderança (22%), a oferta de mais vagas de trabalho (19%), a presença de referências de mulheres inspiradoras (16%) e o apoio à licença-maternidade (16%)​​. Essas medidas são vistas como essenciais para criar um ambiente mais justo e inclusivo para todos os profissionais.

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