Aumento do preço do leite em Santa Catarina: entenda os motivos e a expectativa de mercado
Além de fatores como o clima, a Guerra na Ucrânia trouxe impactos importantes para produção e custo do leite em Santa Catarina
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O bolo fresquinho sai do forno todos os dias e fica na prateleira pronto para virar uma obra de arte: um bolo de pote, de vulcão, de recheios, brigadeiros ou coberturas caprichadas que vão direto para o cliente. O capricho nos recheios e coberturas chama atenção no mostruário do empreendimento Bolo das Amigas, em Florianópolis. Porém, segundo a dona do comércio, Priscilla Mello, de 36 anos, caprichar na cobertura, no recheio ou na própria massa tem saído bem mais caro que o planejado nos últimos tempos. Antes, o custo da produção de um bolo de tamanho médio, considerando apenas os ingredientes, era de R$ 6. Hoje, custa para a empreendedora cerca de R$ 9,50.
Um dos ingredientes primordiais para a produção é o leite. São utilizados cerca de 60 litros por semana para o preparo das massa. Como o tipo de leite usado nas receitas é fresco de saquinho, com poucos dias de validade, o pedido é entregue ao longo da semana para que acompanhe a demanda e não estrague. Como antigamente, religiosamente três vezes por semana o ‘moço do leite’ batia à porta do comércio para as entregas. E a empreendedora relata que há tempos tem sentido o preço do produto aumentar.
“No primeiro semestre de 2020 pagávamos, em média, R$ 3,70 a R$ 3,90 no litro do leite. Hoje o custo é de R$ 6,40. Não conseguimos repassar esse preço todo para o cliente, porque se eu for cobrar esse preço, o cliente não vai comprar”.
Segundo ela, o reajuste no valor dos produtos vendidos corresponde a um aumento de 20%, levando em consideração a alta do preço do leite e de outros insumos utilizados para a produção. Apesar disso, Priscilla conta que não sentiu redução na quantidade de consumidores, uma vez que sua clientela é fiel. Mas sentiu diferença no poder de compra.
“Eles vinham aqui e compravam um bolo de R$ 40. Hoje, continuam comprando conosco, mas passaram a levar um de R$ 20”, explica.
Consumo de leite entre as famílias
Para a engenheira civil Mariana Duarte de Araújo, 30 anos, que consome leite com frequência, não é diferente. Ela relata que também sente no bolso o novo valor do produto, principalmente por ter um filho de um ano.
“Tivemos que reduzir o consumo do leite nesses últimos meses. Antes, consumíamos em média de seis a oito caixas de leite, mas hoje está em torno de quatro a cinco. E, para tentar driblar, pesquisamos em mais de um mercado para buscar o menor preço”, conta.
Contexto de Guerra afeta o mundo todo
O preço de produtos como o leite tem sofrido influência há pouco mais de quatro meses. O mundo vive um momento delicado e de turbulência desde os primeiros ataques da guerra entre Rússia e Ucrânia, que iniciou em 24 de fevereiro de 2022.
Até o momento, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU) o número de mortos chega a 3.381 e 5,5 milhões de refugiados. A organização ainda estima que o número de mortos seja subnotificado.
A chefe de Monitoramento de Direitos Humanos da organização na Ucrânia, Matilda Bogner, afirma que a maioria das mortes de civis foi causada pelo uso de explosivos que afetam um grande raio de território. Ela afirma que casos de execução e tortura também estão em investigação, uma vez que centenas de ucranianos já foram encontrados jogados em valas de territórios que foram dominados pelos russos.
Além das graves consequências humanitárias, a guerra atingiu a economia mundial, incluindo países emergentes como o Brasil e suas unidades federativas em diferentes proporções. Por exemplo, nos países em que a guerra ocorre há grandes produtores de fertilizantes, o que afeta diretamente a produção de alimentos no mundo todo. O produto, então, tem deixado de ser enviado aos maiores produtores de alimentos, como, por exemplo, o Brasil e a Argentina.
Segundo o presidente do Sindileite em Santa Catarina, Selvino Giesel, “por enquanto estamos em uma situação até confortável, porque produzimos bastante, estamos em um consumo normal e ainda chegam fertilizantes. Mas, daqui a pouco, o cenário pode mudar. Importamos fertilizantes, potássio e nitrogenados da Rússia, precisamos começar a nos preocupar”.
Consumo de leite em Santa Catarina
Outros insumos têm sido afetados pela guerra, que não só os fertilizantes. Os resultados têm sido observados, em especial, pela indústria e pelos consumidores, seja no aumento da gasolina ou em produtos da cesta básica como o óleo vegetal, arroz, feijão e, claro, o leite.
Em Santa Catarina, por exemplo, o valor do produto chegou a atingir o preço de mais de R$ 7 nas gôndolas dos supermercados. A economista Lilian Fachinelli explica que, apesar de o produto ter um aumento significativo na entressafra, entre abril e junho, a Guerra na Ucrânia foi mais um ponto crucial para o valor abusivo.
“A guerra entre Rússia e Ucrânia nos afeta de forma direta, já que a Rússia é o maior produtor de trigo, que por sua vez é a matéria-prima da ração da vaca. Como eles deixaram o mercado desabastecido, o Brasil conseguiu fornecer uma parte desses produtos para oferta global. Mas toda vez que exportamos, nos prejudicamos internamente”, conclui a economista.
Para se ter uma ideia, enquanto a média brasileira é de 4,84% no aumento do preço líquido médio do leite, o de Santa Catarina registra um índice de 8,89%. Conforme a média levantada pelo Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), o valor do leite captado subiu 4,4% em maio deste ano, se comparado com abril de 2022.
Além disso, segundo Selvino Giesel, a exportação de insumos por parte da Ucrânia, que é a maior em relação aos grãos que alimentam a vaca, é outro ponto crucial.
“Se a Ucrânia continuar com dificuldade de produzir, os grãos que ela ofereceria para o mundo vão faltar. Esses países procurariam outros países, incluindo o Brasil, Paraguai e Argentina. Tudo isso influencia no preço dos grãos em Santa Catarina e, consequentemente, no preço do leite”, afirma Giesel.
O impacto não ocorre somente no consumidor final. Para os produtores, o aumento também chegou em relação aos aspectos de produção do leite. O alto custo de fabricação fez com que houvesse uma redução na compra dos grãos que alimentam os animais e isso fez com que a ração encarecesse. Com o fato de os animais se alimentarem com menos nutrientes, houve a diminuição do leite que é fornecido pela vaca.
“No começo deste ano, em função do dólar e da falta de leite no mundo, as empresas brasileiras começaram a tentar exportar leite. Essa exportação foi enxugando a oferta do produto aqui dentro. Agora, atrelado a tudo, a produção está muito mais baixa do que o esperado para essa época do ano. Isso também está encarecendo”, diz o presidente do Sindileite.
Produção de leite no Estado
Em Santa Catarina, cerca de 75% do leite produzido no Estado é oriundo da região Oeste. Aqui, consumimos o total de 25% a 30%, sendo a porcentagem maior exportada para os outros Estados do país.
Segundo a dona da empresa Bolo das Amigas, Priscilla Mello, o leite e seus derivados são os produtos que ela mais sente o preço abusivo. A empreendedora explica que se fosse aumentar o preço para acompanhar a margem de lucro que tinha antes, o aumento não seria de 20%, mas sim, no mínimo, de 75%.
“Isso acontece porque o leite é só um dos insumos que a gente usa. Eu uso os derivados do leite muito mais. Creme de leite e leite condensado, por exemplo, eu utilizo mais de 200 litros por semana e eles são muito mais caros naturalmente”, afirma a empreendedora.
Clima e preço da gasolina também colaboram para o aumento
Além da Guerra na Ucrânia, outros fatores influenciam diretamente no valor do leite que encontramos hoje nas prateleiras dos supermercados, principalmente o clima e o aumento da gasolina e da energia elétrica.
A diminuição das temperaturas, que ocorrem a partir de abril até meados de agosto, costuma gerar um aumento significativo no valor do leite todo ano. No entanto, com a chegada do fenômeno “La Niña” no Sul do Brasil, há dois anos a região sofre com uma grande estiagem.
Afinal, além da variação na temperatura, o fenômeno gera seca e chuva mal distribuída, que também impacta na produção dos grãos que alimentam a vaca. “Faz duas safras e meia que temos frustração de grãos para fazer silagem. Isso começou a encarecer o preço dos produtos, principalmente do leite”, conta Selvino.
O aumento da energia elétrica e do combustível é outro destaque importante. “Os produtores tiveram um custo maior na produção, pois dependem de máquinas para armazenar o leite e de veículos que realizam a entrega para os compradores”, explica a economista.
Deve levar tempo para normalizar o preço do leite em Santa Catarina
Diante do atual cenário da Guerra na Ucrânia, uma diminuição do valor do leite não é esperada a curto prazo. Segundo aspectos econômicos, Rússia e Ucrânia estão devastadas pelos conflitos e perderam força diante dos demais países.
Grandes empresas fecharam e retiraram suas filiais do local e a expectativa é que os altos custos perdurem por anos. “Infelizmente ainda vamos ter um grande impacto aqui. Sem contar que o dólar está alto, nossa moeda está desvalorizada. Então, ao meu ver, vai no mínimo de 2 a 3 anos para dar uma equilibrada”, explica Lilian.
Em relação ao clima, as expectativas são promissoras. Com a chegada das estações mais quentes como primavera e verão, o valor deve baixar. O clima quente garante um rendimento maior do alimento dos animais, o que gera uma produção maior de leite.
“Se a gente pensar no fator do clima, por exemplo, quando vier o verão, com temperaturas mais altas, ele pode baixar sim. Mas não acredito que ele vai voltar ao preço que ele estava no ano passado. Acredito que ele fique na casa de R$ 4”, diz a economista.
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