Blumenau e o ciclo das enchentes: causas, impactos e caminhos para a prevenção
Com mais de cem enchentes registradas, Blumenau enfrenta um problema crônico alimentado por fatores naturais, urbanização desordenada e obras que andam a passos lentos
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Blumenau, no coração do Vale do Itajaí, não é apenas conhecida pela arquitetura germânica ou pela maior Oktoberfest das Américas. Infelizmente, a cidade também carrega um triste título: é a campeã de enchentes em Santa Catarina, com mais de cem registros históricos, uma média de uma inundação a cada dois anos.
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Mas por que Blumenau sofre tanto? A resposta é complexa, envolve aspectos históricos, geográficos, ambientais e estruturais. Nesta reportagem, ouvimos especialistas, autoridades e técnicos para entender as causas e os desafios enfrentados por quem vive sob a constante ameaça das águas.
A força das chuvas e o novo comportamento do rio
Para o professor e hidrólogo Ademar Cordero, especialista de Blumenau, o cenário está se agravando. “As chuvas de período curto têm sido mais intensas e frequentes. Isso se confirmou em eventos recentes, como os de janeiro e fevereiro deste ano.”
O Rio Itajaí-Açu, protagonista nas enchentes, também mudou. “Antes, o nível do rio não baixava tanto. Ele já foi navegável. Hoje vemos pedras no leito. Isso ocorre porque, com menos vegetação nativa, há menos infiltração e mais escoamento superficial”, explica Cordero. A impermeabilização do solo nas áreas urbanas contribui diretamente: “Ela aumenta tanto o volume quanto a velocidade da água, especialmente em bacias urbanas como as do Ribeirão da Velha, Itoupava, Fortaleza e Garcia.”
Além disso, o formato da bacia hidrográfica, naturalmente arredondado, e o fato de a cidade ter se desenvolvido em uma planície alagável agravam a situação. “Os primeiros colonizadores já registraram enchentes aqui”, lembra o especialista.
O papel das obras estruturais
Cordero aponta soluções. “Alargar a calha do rio é uma das principais medidas. Barragens também são essenciais. O estudo feito pela JICA, agência japonesa, em 2011, recomendou cinco pequenas barragens no Alto Vale e melhorias em diversos trechos do Itajaí-Açu.”
Quem também conhece de perto esse drama é o atual secretário de Proteção e Defesa Civil de Santa Catarina, Mário Hildebrandt, ex-prefeito de Blumenau. Ele destaca que o Governo do Estado está investindo pesado no programa “Proteção Levada a Sério”, com R$ 351 milhões até 2026, sendo 25 das 26 grandes intervenções estruturais voltadas ao Vale do Itajaí.
“Entre elas, temos a construção e reforço de diques, como o do Ribeirão Fresco, e a revitalização do dique Antônio Treiss. A modernização dos CIGERDs, a automação das barragens e a ampliação da rede de monitoramento meteorológico também estão no plano.”
Sobre as barragens prometidas pela JICA, Hildebrandt esclarece que oito estão previstas, com quatro já garantidas por financiamento do Banco Mundial. “Botuverá e Mirim Doce devem ter licitação ainda este ano. Petrolândia será no primeiro semestre de 2026.” Já as três existentes, Ituporanga, Taió e José Boiteux estão em processo de modernização, com destaque para o acordo com a comunidade indígena em José Boiteux, que viabilizou a continuidade das obras.
Investimentos e prevenção
Nos últimos dez anos, Blumenau recebeu R$ 45,5 milhões em repasses federais, articulados com o Estado, para contenção de encostas e ações de prevenção com destaque para o bairro Escola Agrícola.
Hildebrandt destaca também o impacto das barragens fora dos limites municipais. “A Barragem de José Boiteux, quando plenamente funcional, pode reduzir o nível do rio em Blumenau entre um e dois metros.”
Ainda em Blumenau, a Secretaria de Defesa Civil local atua com múltiplas frentes. Carlos Menestrina, atual secretário municipal, afirma que a localização da cidade em um vale e a ocupação histórica nas margens do rio explicam a recorrência das enchentes.
Menestrina cita ainda a eficácia do sistema Alertablu, implantado após as trágicas enchentes de 1983 e 2008. “O aplicativo fornece alertas, previsão meteorológica, mapas das estações pluviométricas, nível do rio e rotas de evacuação. Hoje, temos 59 abrigos prontos, sendo 29 para enchentes e 30 para deslizamentos.”
O mapeamento de risco mais recente apontou cerca de 70 mil moradores em áreas de alto ou muito alto risco, vivendo em cerca de 18 mil edificações. A prefeitura criou um protocolo que exige aval da Defesa Civil para novas ligações de água e luz em áreas de risco, uma forma de estagnar a expansão nessas regiões.
Educação, fiscalização e planejamento urbano
A Defesa Civil blumenauense também investe em educação, com projetos como Defesa Venezuelana na Escola e Agente Iberê em Defesa Civil, além de ações em parceria com outras secretarias.
Na infraestrutura, há esforços para manter e operar barragens, fiscalizar ocupações irregulares e planejar grandes obras com o governo estadual, como o desassoreamento do rio e a construção de novos diques e reservatórios. O Plano Diretor da cidade usa mapas de risco para restringir o crescimento urbano em áreas vulneráveis.
Apesar disso, a realocação de famílias é evitada, após experiências traumáticas em remoções anteriores. A preferência atual é por soluções que combinem educação, engenharia e planejamento urbano sustentável.
Uma nova visão para o futuro urbano
Para o arquiteto e urbanista Christian Krambeck, professor da FURB e coordenador de planejamento, o desafio das enchentes vai além da engenharia: é estrutural, político e cultural.
“A cidade não pode mais ser tratada como um conjunto de pequenas obras, mas sim como um organismo complexo. O que falta é capacidade técnica nas prefeituras para planejar e entender sua própria dinâmica urbana. E isso passa por retomar os Institutos de Pesquisa e Planejamento Urbano, que foram extintos em cidades como Blumenau.”
Krambeck propõe um novo modelo de cidade. “Precisamos reverter o processo de ocupação das áreas baixas, com parques ambientais, pisos permeáveis, arborização, habitação social planejada e controle sobre a especulação imobiliária. Isso não se resolve com obras pontuais. Mitigar não é resolver. O problema estará sempre aqui se não pensarmos com visão de Estado, além dos mandatos.”
Ele cita como exemplo o Parque das Itoupavas, projeto de seu escritório, feito em área alagável. “Foi criticado no início, mas hoje a população entende que o papel de um parque como esse é receber a água e estar pronto para uso novamente dois dias depois.” lembra.
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