Roberto Azevedo

O jornalista Roberto Azevedo tem 40 anos de profissão, 18 deles dedicados ao colunismo político. Na carreira, dirigiu equipes em redações de jornal, TV, rádio e internet nos principais veículos de Santa Catarina.


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Após viver o problema

‘O cidadão que está nas ruas torna-se invisível para a sociedade’, diz Prefeito de Criciúma

Prefeito de Criciúma anunciará mudanças na abordagem social

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Marne Menezes/SCC SBT
Marne Menezes/SCC SBT

O prefeito Vaguinho Espíndola (PSD) deve anunciar nesta sexta-feira (1º) uma série de medidas que incluirá, em breve, mudanças na abordagem das pessoas em situação de rua. No início desta semana, Vaguinho surpreendeu ao revelar imagens de mais de 20 horas em que ele, disfarçado de pessoa em situação de rua, perambulou pelas ruas da maior cidade do Sul catarinense.

O prefeito pode observar alguns flagrantes que chama de “momentos de tensão”. Viu jovens que compraram drogas e consumiram na própria rua, em cima do capô de um veículo, e comerciantes que preferem dar dinheiro à população de rua para “se livrarem do problema”, porém vivenciou o recebimento de alimentos e até esmolas.

O prefeito Vaguinho Espíndola disfarçado de pessoa em situação de rua. Reprodução/PMC

Vaguinho confirma que, depois de contatos com as polícias Civil e Militar, mudará a forma de abordagem, mas pondera que a complexidade do problema exigirá muito mais dos governantes em todos os níveis: municipal, estadual e federal. O prefeito, que pôde experimentar o drama de “ficar invisível”, sem qualquer empatia de quem encontrava pelas ruas, contou detalhes em entrevista ao SCC SBT, o que transcrevemos na íntegra:

Prefeito de Criciúma concede entrevista

SCC – Prefeito, o senhor viveu uma experiência, eu chamaria de experimento social, nas ruas de Criciúma, numa situação única, que é se colocar na figura de pessoas que estão em situação de rua. Qual é o grande ensinamento que o senhor tira disso e quais as medidas que o senhor vai colocar em prática a partir deste experimento?

Vaguinho Espíndola – Primeiro, de fato, o sentir-se no lugar do outro, o colocar-se no lugar do outro, a gente resolveu experienciar isso na prática, sentir na pele aquilo que o outro está sentindo. Se tratando das políticas das pessoas em situação de rua, eu precisava de fato disso, isso foi uma ideia minha, eu quis passar por essa experiência, porque tem muitas políticas públicas que tratam desse assunto e cada gestor, a seu modo e aos recursos que também a ele dispõem, adotam algumas políticas. E nós temos algumas delas que já são institucionalizadas, como, por exemplo, os recursos que vêm para Casa de Passagem ou República, também o Centro Pop. Agora, a pergunta é, essas ferramentas, de fato, elas estão resolvendo, elas estão sendo tão eficientes ao ponto que nós conseguimos resolver essa situação, e de que forma nós resolvemos essa situação? Será que abrindo as vagas em clínicas para desintoxicação é uma resposta, ou será que nós temos que ser muito mais ativos com a questão voltada à segurança, no combate às drogas, no combate ao tráfico? Então, tudo isso, nessas 20 horas, foi a experiência que a gente teve, eu precisava ter essa experiência, tiveram momentos, Roberto, muito impactantes, momentos de fato até de tensão.

SCC – Quais foram alguns destes momentos?

Vaguinho – Eu estive durante três horas e meia dessas praticamente 20 horas, onde as pessoas de fato, onde os usuários concentram-se, então ali eu pude, na realidade, ver e constatar como as drogas estão infiltradas diretamente e tem sido, sem dúvida nenhuma, esse um dos principais motivos que fazem com que essas pessoas, quando entrem para a rua, tenham mais dificuldade para sair. Primeiro, elas já ficam totalmente dependentes do uso das drogas, e depois, porque aqueles que de fato têm interesse no tráfico, acabam fazendo os moradores de rua reféns do próprio tráfico, onde eles precisam, de fato, cometer furtos para poder receber o benefício da droga, enfim. Então, essas situações todas que nós experienciamos, situações como, por exemplo, a internação involuntária, eu estive com pessoas, neste período, que já não têm mais discernimento da própria vida, já não se governam mais, não sabem qual o risco para si próprio e muito menos para o próximo.
Essas pessoas não tem outra saída, Roberto, que não seja a internação involuntária. Nesse momento, o Estado, a Prefeitura, precisa estar presente, por conta disso, nós já vamos encaminhar agora, até sexta-feira, um projeto de lei que vai autorizar, sim, o município a fazer essa interdição, quando for o caso, e, evidentemente, a gente tem protocolos também de saúde que precisam ser seguidos, mas essa é uma das primeiras políticas públicas já de resposta a essa situação. Agora, algo que eu posso dizer para você também, e para mim foi muito marcante, como o cidadão que está nas ruas, ele torna-se um invisível para a sociedade.
Eu transitei por praças, pelo centro da cidade de Criciúma, e, naturalmente, como prefeito, quando a gente passa, as pessoas nos reconhecem, cumprimentam. As pessoas que estão nessa situação, de fato, elas são invisíveis. E a parte mais significativa, mais impactante para mim, foi justamente quando as crianças, meus filhos e a esposa, passaram por mim e acabaram não me reconhecendo.
Então, isso nos leva a crer também que as pessoas que estão lá nessa situação, muitas vezes, também já têm uma certa vergonha, receio de voltar para os seus vínculos familiares, justamente para que as pessoas não mais identificem elas. É uma vergonha, é um medo. Então, é nesse momento que as políticas públicas precisam chegar também de uma forma acolhedora, ressignificando a vida dessas pessoas.
Nós temos atuado, Roberto, muito presente com políticas públicas desde janeiro. Nós triplicamos o número de vagas em clínicas e recuperações. Nós temos agora, nós fizemos um monitoramento a cada 10 pessoas, por amostragem.
Dos 10 que nós fizemos agora, no mês de junho, 9 conseguiram voltar e restabelecer seus vínculos, 6 voltaram para as cidades de origem, com as famílias, e 3 estão lá, na casa de passagem, mas estão trabalhando. Quando receberem agora já o primeiro salário, já vão conseguir subsidiar o seu próprio aluguel e vão seguir a vida. Agora, algo muito, mas muito forte mesmo, e eu digo a você sem medo de errar.
Não é 100% a droga o principal motivo das pessoas irem para as ruas. Ninguém nasceu na rua. Por uma desilusão, por uma depressão, as pessoas acabam tomando esse caminho.
Agora, 100% é o motivo delas não saírem da rua. E aí, um trabalho muito, mas muito forte mesmo, com as forças de segurança, Polícia Militar, Polícia Civil. Amanhã estarei, inclusive, reunido com os representantes da Polícia Civil e Polícia Militar da minha cidade para que a gente crie também um protocolo de abordagem muito mais enérgico e o combate forte ao crime e à droga.

SCC – Quando é que o senhor idealizou esse tipo de ação, quem sabia do processo?

Vaguinho – Não foi antes ainda. Volto a dizer, desde o início, a gente sempre fala, e quem convive comigo sabe da forma como a gente está fazendo a gestão, eu sempre digo em colocar-se no lugar do outro, mas não como uma narrativa, de fato, na prática. Nós iniciamos o gabinete itinerante, que é estar lá nos bairros, estar nas comunidades, ouvir as pessoas.
Eu disse desde o início, junto com o meu vice-prefeito, que nós não seríamos prefeitos e vice-prefeitos de gabinete, nós estaríamos, de fato, ouvindo as pessoas. E quando começa muita narrativa e muitas opiniões sobre essa questão dos moradores de rua, eu decidi, de fato, viver isso para saber, de fato, na real, quais as melhores políticas públicas. Eu confesso a você que a internação involuntária, eu sempre tive alguns receios, eu não tinha isso como uma medida que fosse, de fato, resolutiva, mas experimentando e experienciando tudo o que eu experienciei e vivi nesse dia, eu não tenho dúvida que essa foi uma política pública e será uma das mais acertadas.
Agora, é claro, não para por aí, a gente não pode pensar que isso será apenas essa medida e vai resolver todos os problemas. Nós precisamos subir esse debate, Roberto. Nós precisamos entender que as políticas públicas voltadas para a assistência social nas pessoas em situação de rua, ela precisa urgentemente ser subsidiada pelo Governo Federal, pelo Governo do Estado, o SUAS, o nosso Sistema Único de Assistência Social, é um dos mais modernos e completos do mundo, porém, ele foi criado já há 20 anos atrás.
As suas políticas e diretrizes já estão vencidas, não há mais como a gente prefeito ou os gestores públicos municipais financiarem todas essas mazelas sociais com recursos próprios.Nós temos na nossa cidade hoje os recursos que vêm através dos programas de cadastro no CadÚnico, programas de assistência social, que eu trocaria esses recursos pelos recursos que o Ministério da Assistência Social nos mandasse, de repente, para poder pagar a internação. Nós vamos, em Criciúma, esse ano, investir R$ 3,5 milhões em internações, mas nós estamos restaurando pessoas, estamos ressignificando gente.
Agora, a gente precisa deste apoio do governo. Eu vou levar esse debate, vou propor aos deputados e também aos senadores, porque o modelo que hoje nós temos no Fundo Nacional de Saúde seja também espelhado para o Fundo Nacional de Assistência Social. Que modelo que é esse, prefeito? Bom, nós temos as nossas UBSs, as Unidades Básicas de Saúde.

SCC – Como seria?

Vaguinho – Dentro das UBSs, nós temos as Estratégias de Saúde Familiar, onde você forma equipe de médico, enfermeiro, técnico, físico, enfim. Quando essas equipes são formadas, elas passam a produzir consultas, procedimentos, e o Ministério, através do Fundo Nacional de Saúde, repassa para os fundos municipais. Ora, e é um programa que dá muito certo.
Por que não pensar agora também num Fundo Nacional de Assistência Social, para financiar os municípios com contratação de assistente social, psicólogo, educador físico, agentes que vão fazer a abordagem, capacitados. Então, essa é uma política pública que aí sim fará sentido e fará efeito lá na (8:09) ponta, onde o cidadão, de fato, mais precisa. A gente precisa elevar esse debate, Roberto, senão nós vamos estar aqui, nós, prefeitos, cada um ao seu modo, fazendo a sua política pública, mas aquela sensação de enxugadeiro, ela vai permanecer.

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