Estupro, culpa da vítima e a hipótese do mundo justo
Você sabia que culpar a vítima pode acontecer inconscientemente?
• Atualizado
Estava eu na sala de espera de uma clínica, quando começou uma conversa calorosa do lado oposto da sala. Duas mulheres estavam conversando alto, uma contando para outra a respeito do ESTUPRO que ocorreu dentro da sala de cirurgia, protagonizado pelo futuro ex médico anestesista.
Uma das mulheres não sabia da história e a outra estava contando o que houve. À medida que a contadora da história avançava no relato, a outra, ao invés de se solidarizar com a vítima, negava o fato falando frases como: tenho certeza de que não foi estupro, ou isso é mentira pois ninguém iria filmar algo assim ou o ato que o homem fez configura estupro? Ou a pior de todas: isso é mentira da mulher para tirar dinheiro do médico. O absurdo foi tanto que a mulher conseguiu fazer um link ideológico e político, não me perguntem como.
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Fui chamada e a história acabou aqui. Mas porque eu contei isso para vocês? Porque precisamos falar sobre estupro. Não pode mais ser tabu e principalmente temos que parar com a mania de culpar a vítima.
Aí vocês me vão perguntar: Quem tem a coragem de culpar a vítima?
Eu lhes respondo com exemplos reais: essa senhora da clínica. O apresentador de tv que diz que a mulher deve ter dado liberdade em algum momento. As mulheres e homens das rodas de amigos que falam que a moça que bebeu demais e aceitou subir na sala vip é porque queria ter relação com o homem. O homem que se sentou ao lado da mulher no ônibus puxou conversa e abusou dela enquanto ela dormia…
Fui pesquisar e entendi, por que isso acontece (culpar a vítima).
Um estudo chegou à conclusão que os valores morais das pessoas fazem com que elas estigmatizem e culpem as vítimas. Outros estudos sugerem que as pessoas tendem a procurar algo que a vítima tenha feito que possa ter causado o crime, como forma de se sentirem mais seguras, pois se não for assim, as pessoas pensam que o crime poderia ter acontecido com qualquer pessoa, inclusive com elas (ROBERTS, 2016).
A empatia diminui quando as pessoas querem acreditar que o mundo é justo, e que coisas ruins não irão acontecer com elas. E sim. Coisas ruins podem acontecer com qualquer pessoa, e se acontecem a culpa NÃO é da vítima. A culpa é do agressor, do estuprador, do desonesto, do ladrão.
Às vezes as pessoas nem percebem que estão culpando a vítima. Pensam que o crime teria sido evitado se a vítima tivesse tido mais cuidado ou se elas estivessem no lugar dessa pessoa teriam tido mais cuidado, mas essa é uma forma discreta e talvez, inconsciente de culpar a vítima. E por esse motivo precisamos falar mais sobre esse assunto, trazer à consciência, para nunca mais fazermos esse tipo de coisa.
É a hipótese de mundo justo. É a falsa ideia de que as pessoas merecem o que ocorreu com elas. Que cada um teve o que mereceu. As pessoas têm uma grande necessidade de acreditar que todos merecem as consequências de seus atos.
Nos casos de estupro, agressão, ou mesmo outros crimes não violentos isso não existe mesmo. Essa ideia é falsa. Quem pratica um crime é culpado sim e a vítima é essencialmente vítima, não interessa se estava de saia curta, se andou na rua escura ou se bebeu demais. Ao mudar o foco da culpabilidade do agressor para a vítima estamos praticando a violência mais uma vez.
Enfim. Isso é assunto para mais de metro, mas o que realmente importa é pararmos de culpar as vítimas e focarmos no que realmente importa:
A punição do agressor.
Fonte:
Lerner, M. J.; Simmons, C. H. Observer’s reaction to the “innocent victim”: Compassion or rejection? Journal of Personality and Social Psychology, 1966. Disponível em: https://psycnet.apa.org/record/1966-11086-001
Roberts, K. The Psychology of Victim Blaming. The Atlantic. 2016. Disponível em: https://www.theatlantic.com/science/archive/2016/10/the-psychology-of-victim-blaming/502661/
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