João Silva

Graduado em economia e relações internacionais pela Boston Univeristy. Mestre em relações internacionais na University of Chicago e mestre em finanças pela University of Miami.


João Victor da Silva Compartilhar
João Victor da Silva

Sem âncora fiscal, a inflação e os juros não caem

A política fiscal é tão determinante para a inflação quanto a política monetária

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Foto: reprodução/Canva
Foto: reprodução/Canva

Hoje, o Brasil não possui um arcabouço fiscal. A promulgação da “PEC da Transição” pelo Congresso brasileiro, em dezembro do ano passado, essencialmente encerrou a política de Teto de Gastos, que impedia o aumento do orçamento do governo acima da variação da inflação. A “PEC da Transição” permitiu que o governo aumentasse o déficit das contas públicas em R$ 145 bilhões.

Entretanto, é preciso reconhecer que a lei do Teto de Gastos foi muito mal elaborada. Afinal de contas, o orçamento da União possui inúmeras despesas indexadas, vinculadas e obrigatórias. Apenas 5% do orçamento pode ser utilizado para despesas discricionárias. Assim, torna-se inexequível para qualquer governo estabelecer políticas públicas efetivas para o país. No entanto, se o sistema fiscal vigente for desmontado sem que se apresente novas regras fiscais com celeridade, o governo não terá êxito na redução dos juros e da inflação, dessa forma, dificultando que a economia cresça de maneira mais acelerada. 

A relevância da política fiscal para o controle dos juros e a inflação de um país tem se mostrado cada vez mais importante no debate econômico. No seu livro recentemente lançado “The Fiscal Theory of the Price Level” (em português: “A Teoria Fiscal do Nível de Preços”), o economista John H. Cochrane, Senior Fellow do Hoover Institute da Universidade de Stanford, alerta que o controle da inflação depende da coordenação entre as políticas monetária e fiscal.

Segundo Cochrane, o nível de preços de uma economia é determinado pelo valor presente dos superávits primários futuros do governo. Assim, quando o governo financia seus déficits através da emissão de títulos públicos, ele precisa indicar que conseguirá gerar superávits primários no futuro para honrar o pagamento de sua dívida.

Caso isso não aconteça, o nível de preços da economia precisa subir para correr o valor real dos títulos públicos e permitir que o governo “honre” suas obrigações sem entrar em calote. Cochrane limita a política monetária à capacidade de condicionar a velocidade com que este aumento do nível de preços alcançará a economia. Os bancos centrais, ao aumentarem os juros, teriam como objetivo conter um aumento repentino da inflação no curto prazo. No entanto, ao longo do tempo, os preços são determinados, fundamentalmente, pela política fiscal.  

Ao analisarmos os eventos recentes da política e economia brasileira, percebemos que a teoria de fiscal do nível de preços pode ser, em grande extensão, aplicada ao cenário brasileiro. No Boletim Focus — relatório do Banco Central que reúne a expectativa mediana de vários analistas econômicos sobre diferentes indicadores da economia brasileira — que antecedeu o segundo turno das eleições presidências de 2022, a inflação em 2023 deveria terminar em 4,94%, a Selic estaria em 11,25% e o resultado primário seria de -0,5% do PIB. No entanto, as expectativas em relação à economia brasileira pioraram significativamente no último Boletim Focus. Agora, a inflação esperada para 2023 é de 5,96%, a Selic deve terminar o ano em 12,75% e o resultado primário deve ser de -1%.

O que mudou de lá para cá? A credibilidade da política fiscal. A quebra do arcabouço fiscal, bem como as recentes indicações de que o atual governo pretende implementar uma política fiscal frouxa, fizeram com que os agentes econômicos deixassem de acreditar que a União poderá experimentar superávits fiscais significativos no futuro. Além disso, as perspectivas de piora do ambiente regulatório e revogações de conquistas institucionais importantes, como a reforma trabalhista, devem promover um arrefecimento do crescimento econômico, o que também prejudicará as receitas do governo. Os ataques do governo à autonomia do Banco Central também estão comprometendo a credibilidade da política monetária. Portanto, as expectativas de inflação sobem, assim, reduzindo o ritmo esperado de queda dos juros.    

O atual governo, ao defender uma piora do ambiente de negócios, interferências na política monetária e o aumento do gasto público sem indicar o controle da trajetória do déficit, acaba agindo contra si mesmo. Por exemplo, do ponto de vista fiscal, uma queda mais gradual dos juros, que deve cair apenas 1,0% em vez dos 2,5% esperado antes da eleição, irá aumentar consideravelmente o custo da dívida pública. Assim, apenas com a indicação de uma política econômica perdulária, o serviço da dívida pública deve crescer em R$ 90 bilhões — considerando a dívida bruta de aproximadamente R$ 6 trilhões. 

Com a perspectiva de alta da inflação e a manutenção dos juros em um patamar elevado por um período prolongado, é crítico que o governo e o Congresso Nacional ajam rapidamente para melhorar a credibilidade da política fiscal e política monetária do país. Por um lado, o governo e seus aliados devem parar de atacar o presidente do Banco Central, indicando respeito à autonomia da instituição e à política de metas de inflação. Por outro lado, é necessário estabelecer um novo arcabouço fiscal crível que demonstre a capacidade do governo de alcançar superávits fiscais a longo prazo. 

Não adianta culpar os governos passados. A economia está mais atrelada às expectativas para o futuro do que ao histórico do passado. O sucesso da economia brasileira demandará que o Presidente da República e seus ministros desçam do palanque, parem de manifestar platitudes populistas e trabalhem com seriedade pelo país. É difícil esperar esse tipo de postura do governo atual. Todavia, somente com uma política econômica crível e responsável podemos esperar que a economia do Brasil se expanda como deve. 

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