João Silva

Graduado em economia e relações internacionais pela Boston Univeristy. Mestre em relações internacionais na University of Chicago e mestre em finanças pela University of Miami.


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João Victor da Silva

Quem somos e para onde vamos? Os caminhos da política internacional do Brasil

Grande desafio da política externa brasileira é se equilibrar entre receber o apoio econômico chinês e o apoio político-militar dos Estados Unidos

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Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

No início da década de 1990, com a queda do muro de Berlim e o colapso da União Soviético, muitos especialistas em relações internacionais acreditavam que a humanidade caminharia para um período de estabilidade geopolítica e de disseminação de princípios muito defendidos pelas sociedades ocidentais como a democracia liberal, a economia de mercado e o respeito aos direitos humanos. O cientista político Francis Fukuyama, em seu livro O Fim da História e o Último Homem, argumentava que estávamos a caminho da disseminação mundial da última forma de governo que regeria a humanidade: a democracia liberal, ao estilo ocidental. Como esse seria o melhor sistema de governo estabelecido até a atualidade, a sua disseminação traria um ambiente de paz mundial. Infelizmente, hoje a realidade política internacional está muito distante da antevista por formuladores de políticas públicas e acadêmicos como Fukuyama.

Atualmente, vivemos em um mundo muito conflituoso e complexo, no qual cada vez mais os valores e poderes, políticos e econômicos do Ocidente, são desafiados por diversos países e agentes não estatais. A ascensão da China, o fortalecimento do fundamentalismo islâmico e a ameaça de países com capacidade militar limitada, mas com grandes vantagens na guerra de quinta geração (conflitos modernos caracterizados pela adoção de estratégias de engenharia social, ataques cibernéticos, táticas de desinformação e roubo de dados), como Coréia do Norte, Irã e Rússia estão desestabilizando o mundo. Para agravar ainda mais a situação, os Estados Unidos, potência hegemônica global desde a Segunda Guerra Mundial, passam por uma crise civilizacional, visto que boa parte de sua população já não enxerga os valores ocidentais que caracterizam o país, como algo positivo que deva ser defendido. Pelo contrário, o avanço do ideário pós-modernista nas sociedades ocidentais, especialmente entre os jovens, se opõe as ideias iluministas, as quais são os pilares da civilização ocidental: o individualismo, o racionalismo, o objetivismo e o capitalismo.

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Diante de tal contexto, político, social e cultural, o mundo torna-se muito mais suscetível a crises que possam levar a guerras e outras confrontações. Em Choque de Civilizações, de 1996, o cientista político Samuel P. Huntington já alertava que “Os perigosos confrontos do futuro provavelmente surgirão da interação entre a arrogância ocidental, a intolerância islâmica e a assertividade chinesa.” Ademais, Huntington destacava que o mundo pós-Guerra Fria seria caracterizado pelas diferenças culturais entre as grandes civilizações, já que com o fim da União Soviética e o enfraquecimento do poder americano, a política global seria multipolar e multicivilizacional. Assim sendo, deve-se questionar onde o Brasil se localiza dentro do atual contexto geopolítico global e como devemos agir para superar os desafios que a política internacional nos impõe.

O grande desafio da política externa brasileira é se equilibrar entre receber o apoio econômico chinês e o apoio político-militar dos Estados Unidos. Por um lado, a China é a maior parceira comercial do Brasil, tendo importado de nosso país em 2020, 3,3 vezes mais bens do que os Estados Unidos. Afinal de contas, a China depende muito das commodities brasileiras para o seu desenvolvimento industrial, agropecuário e para alimentar sua população. Por outro lado, o Brasil, especialmente durante o governo Bolsonaro, vem se alinhando cada vez mais com os Estados Unidos – nosso aliado natural – em decorrências da nossa proximidade cultural e compartilhamento de certos princípios e valores. Entretanto, o nosso dilema é que, com o acirramento das tensões entre as duas potencias globais, o apoio maior a um país em relação ao outro pode trazer problemas econômicos e políticos para o Brasil. Nesse sentido, torna-se crucial que a sociedade e a classe política do país definam nossa identidade política para podermos estabelecer uma política externa eficiente, que possibilite a defesa de valores que consideramos fundamentais para sociedade, ao mesmo tempo que busquemos a expansão de nossas relações econômicas com outros países.

Desafortunadamente, a sociedade brasileira ainda não conseguiu definir quais são seus valores e interesses, para que o país pudesse estabelecer os elementos fundamentais de nossa política externa, os quais deveriam ser preservados independentemente do partido no poder. Como somos um país com grande diversidade cultural, com origens africanas, europeias e asiáticas, é difícil estabelecer quem somos, e é essa hesitação em defender nossa identidade que nos impede de estabelecer uma política externa assertiva. Para parte da população, basta alinhar a política externa com nossos interesses econômicos.

No entanto, defender determinados valores não impede que tenhamos relações comerciais com a maioria dos países. Nos últimos anos, acompanhamos a aproximação do Brasil com Israel ao mesmo tempo que expandimos nossas relações comerciais com os países árabes. Mesmo com todas as polêmicas envolvendo o embaixador da China no Brasil, o país asiático vem mantendo a importação de produtos brasileiros, mesmo com nossa maior aproximação política com os Estados Unidos.

A população brasileira precisa compreender a grandeza de seu país. O Brasil é hoje um país estratégico na geopolítica global. O Brasil alimenta mais de 1,5 bilhão de pessoas com a sua produção de alimentos. Também somos um dos maiores produtores de minérios, além de termos uma rica fauna, flora e vantagens geográficas. Saber explorar a nossa grandeza econômica, social e política nos possibilita defender certos valores no ambiente político internacional. Acredito que a defesa da liberdade e dos direitos humanos, das tradições judaico-cristãs e de princípios democráticos devam ser nosso foco. Estes valores estão em risco, e cabe também ao Brasil defendê-los. No entanto, para que possamos ter uma política externa exitosa, nesse mundo tão complexo e conflituoso, o povo brasileiro precisa definir que somos e para onde devemos ir. Caso contrário, ficaremos sujeitos a pressões das grandes potenciais, que nos colocarão em uma posição de vulnerabilidade política e econômica.

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