João Silva

Graduado em economia e relações internacionais pela Boston Univeristy. Mestre em relações internacionais na University of Chicago e mestre em finanças pela University of Miami.


João Victor da Silva Compartilhar
João Victor da Silva

Lições da Irlanda para Aprimorar a Gestão Fiscal no Brasil

Dado que o Brasil continua a não aprender com suas próprias experiências de fracasso, talvez seja melhor olharmos para lições do exterior

• Atualizado

Por

Bandeira da Irlanda. Foto: Pixabay (banco de imagens)
Bandeira da Irlanda. Foto: Pixabay (banco de imagens)

A gestão econômica de um país nem sempre ocupou um papel central nas atribuições do Estado. No entanto, após a Grande Depressão da década de 1930, ganhou destaque a ideia de que os governos deveriam empregar políticas fiscais e monetárias para estabilizar suas economias. O objetivo seria evitar que as flutuações cíclicas provocassem desequilíbrios econômicos prejudiciais à população, como a inflação decorrente de um superaquecimento econômico, ou o desemprego e a deflação em situações de desaceleração. As duas escolas de pensamento econômico mais influentes, o monetarismo e o keynesianismo, e suas vertentes modernas, advogam o uso de políticas contracíclicas para suavizar esses ciclos econômicos. A distinção essencial entre essas escolas reside na escolha dos instrumentos. Os monetaristas, como o nome sugere, enfatizam a política monetária como o principal mecanismo de política econômica, enquanto os keynesianos defendem o uso da política fiscal. No entanto, na prática, as teorias econômicas nem sempre são implementadas conforme concebidas originalmente, pois conveniências políticas muitas vezes prevalecem sobre o que é adequado, distorcendo, assim, propostas que eram inicialmente legítimas.

A sintonia entre a política e a economia muitas vezes esbarra em suas perspectivas divergentes do mundo. Enquanto os economistas concentram seus esforços no estudo da alocação de recursos escassos, os atores políticos, por outro lado, frequentemente ignoram a ideia da escassez, direcionando seu foco para atender às inúmeras demandas da sociedade. Isso resulta, em grande parte, em governos que tendem a recorrer aos instrumentos da política monetária e fiscal para estimular a economia, mesmo em momentos de crescimento econômico robusto.

Em países com instituições fracas, as políticas econômicas, muitas das vezes, se transformam em mecanismos de acentuação em vez de atenuação dos ciclos econômicos. A história brasileira recente é um claro exemplo disso. Os dois primeiros governos do PT (2003-2010) foram marcados por um período de bom crescimento econômico do país. Contudo, o crescimento brasileiro foi puxado muito mais por um cenário externo favorável, no qual a China passou a crescer dois dígitos ao ano e aumentou significativamente sua demanda por commodities, favorecendo assim o crescimento de países como o Brasil exportadores de commodities.

À medida que a economia brasileira registrava um crescimento robusto, tornaram-se evidentes os equívocos nas políticas econômicas do governo. O crescimento, impulsionado pelo superciclo de commodities, não foi aproveitado para reestruturar a economia do país e estabelecer as bases para um crescimento econômico sustentável. Pelo contrário, o governo optou por expandir o aparato estatal à medida que a economia crescia e a arrecadação aumentava. Politicamente, essa estratégia revelou-se astuta, permitindo que o PT governasse o país por 14 dos últimos 20 anos. No entanto, do ponto de vista econômico, essa abordagem mostrou-se desastrosa. Com o arrefecimento da economia global e a queda nos preços das commodities, a economia brasileira começou a desacelerar, e as finanças públicas enfraqueceram, levando o Brasil a enfrentar a pior recessão de sua história entre 2014 e 2015.        

Por um lado, o governo negligenciou o aprimoramento do potencial de crescimento econômico ao adotar políticas fiscais populistas em vez de promover reformas estruturais. Por outro lado, a capacidade de implementar políticas contracíclicas foi comprometida devido ao elevado endividamento e déficit fiscal, o que fazia com que medidas de expansão fiscal e monetária aumentassem o risco-país e acelerassem a inflação, prejudicando ainda mais a situação econômica brasileira. Em suma, o populismo corrompeu a gestão econômica do país.

Nos últimos anos, o Brasil parecia haver absorvido as lições de seus equívocos. Várias reformas foram implementadas para fortalecer a credibilidade das políticas fiscais e monetárias. Entretanto, o PT não aproveitou o período em que esteve fora da Presidência da República para aprender com os erros do passado. Com o retorno do partido a presidência, o país voltou a aumentar os gastos públicos, e até o momento, não implementou nenhum regime fiscal capaz de estabilizar a dívida pública e aprimorar a gestão financeira. Pelo contrário, só obtivemos retrocessos no que tange a política econômica.

Dado que o Brasil continua a não aprender com suas próprias experiências de fracasso, talvez seja melhor olharmos para lições do exterior. Na semana passada, a Irlanda se destacou como um exemplo notável de como estabelecer uma base sólida para a sustentabilidade fiscal. Para aqueles que não estão familiarizados com a estrutura econômica da Irlanda, é crucial destacar que grande parte do seu crescimento recente é resultado da atração de empresas multinacionais para estabelecer suas sedes no país, devido aos baixos impostos corporativos e  um ambiente regulatório favorável. Com um aumento no número de empresas estabelecendo suas sedes na Irlanda, a receita proveniente de impostos corporativos experimentou um notável crescimento, dando fôlego as finanças públicas do país, que sofreram consideravelmente durante a Crise Financeira Global de 2008.

A classe política irlandesa reconhece que esse aumento na arrecadação não é sustentável a longo prazo. Para evitar que esse aumento temporário de recursos resulte em um aumento permanente nos gastos, considerando à alta volatilidade dos resultados financeiros das empresas, o governo irlandês está planejando instituir um fundo soberano para alocar esses recursos excedentes. O objetivo desse fundo é investir o “excesso de arrecadação” e utilizar os retornos do investimento para garantir equilíbrio nos orçamentos futuros em caso de quedas inesperadas na arrecadação. Este exemplo oferece lições valiosas para o Brasil, enfatizando a importância da estabilidade econômica em detrimento do populismo fiscal que visa ganhos eleitorais de curto prazo.

O brilhante primeiro-ministro britânico, Winston Churchill, uma vez afirmou que estava sempre disposto a aprender, embora nem sempre apreciasse ser instruído. Essa observação ecoa os desafios inerentes à natureza humana. Frequentemente, mantemos firmeza em nossas convicções e relutamos em reconhecer nossos equívocos. No entanto, quando se trata de administrar uma nação, a teimosia não deve prevalecer sobre o bem-estar dos cidadãos e o futuro da sociedade — um país não é um laboratório para se tornar um ambiente de experimentos ideológicos. Diante dos vários exemplos de políticas econômicas eficazes ao redor do mundo, inclusive no Brasil, o governo não pode se dar ao luxo de ignorar essas valiosas lições. Considerando suas características específicas, o Brasil dispõe de diversas opções para aprimorar sua governança econômica. Enquanto o governo continua sendo um ator central na economia, é imperativo que o país adote as melhores práticas. Somente assim poderemos almejar uma economia mais próspera e estável.

>> Para mais notícias, siga o SCC10 no TwitterInstagram e Facebook.

Quer receber notícias no seu whatsapp?

EU QUERO

Ao entrar você esta ciente e de acordo com os termos de uso e privacidade do WhatsApp.

Fale Conosco
Receba NOTÍCIAS
Posso Ajudar? ×

    Este site é protegido por reCAPTCHA e Google
    Política de Privacidade e Termos de Serviço se aplicam.