Esaú e Jacó na América: Divisões Ideológicas e o Futuro Fiscal dos EUA
Trump e Harris carecem de propostas eficazes para controlar a dívida pública dos EUA
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Um dos maiores clássicos da literatura brasileira, Esaú e Jacó, conta a história de dois irmãos idênticos fisicamente, mas que têm posições divergentes sobre todos os assuntos. Em meio às tensões políticas ocorridas no final do século XIX e início do século XX, Pedro e Paulo apresentam visões divergentes a respeito da Proclamação da República, da crise do encilhamento e da abolição da escravidão. As diferenças ideológicas existentes entre Pedro, estudante de medicina monarquista, e Paulo, estudante de direito republicano, eram intransponíveis. O único sentimento que ambos tinham em comum era o amor pela mesma mulher Flora.
Muitos podem estar se perguntando como uma história de Machado de Assis está relacionada às eleições americanas. As semelhanças entre o Brasil dos anos 1890 e 1900 e os Estados Unidos dos anos 2010 e 2020 não são tão distantes. A sociedade americana está dividida. Como símbolos dessa divisão, Trump e Harris, assim como Pedro e Paulo, defendem modelos de países diferentes. Os candidatos divergem sobre temas como o aborto, a política externa, a imigração, as políticas sociais, entre outros. No entanto, diferente de Pedro e Paulo, o que une Harris e Trump não é o amor por Flora, mas sim o déficit fiscal.
Um dos principais desafios enfrentados pelos Estados Unidos é a gestão da dívida pública. Atualmente, a relação dívida-PIB do país é de 120%, o maior patamar desde o término da Segunda Guerra Mundial. O grande desafio é que mesmo após os anos extraordinários da pandemia, o governo americano não reajustou suas contas públicas significativamente. Em 2024, o déficit total será de 1,8 trilhão de dólares, cerca de 6,4% do PIB (o maior patamar da história, excluindo os anos de pandemia). Além disso, com os juros em níveis elevados, os gastos com juros da dívida já ultrapassaram 1 trilhão de dólares e, atualmente, superam o orçamento destinado à defesa do país.
A dívida pública americana tende a aumentar significativamente se Harris ou Trump implementarem suas propostas econômicas. Seja com os cortes de impostos prometidos por Trump, seja com o aumento de despesas prometido por Harris, o déficit fiscal dos Estados Unidos só deve aumentar nos próximos anos. Trata-se do consenso dos dissensos.
Essa política fiscal expansiva resultará em maior pressão inflacionária e aumento das taxas de juros estruturais. Embora o impulso fiscal positivo possa estimular o crescimento econômico no curto prazo, os efeitos de médio e longo prazo tendem a ser negativos. Com a alta da inflação e dos juros, o investimento privado tende a diminuir, visto que muitos projetos privados podem se tornar inviáveis, resultando no fenômeno conhecido como “crowding out”. Além disso, níveis elevados de dívida pública podem causar a chamada equivalência ricardiana, que é quando a expectativa de aumentos de impostos leva empresas e consumidores a pouparem mais, reduzindo o consumo e o investimento. A elevação do déficit estrutural também pode desancorar as expectativas de inflação, uma vez que, com dívidas tão elevadas, a inflação poderia ser usada para corroer o valor real da dívida pública e reequilibrar as contas, conforme defendido pelos proponentes da teoria fiscal do nível de preços. O maior risco, no entanto, é que o descontrole fiscal afete a confiança na capacidade dos Estados Unidos de gerir sua dívida, reduzindo a demanda por títulos públicos e ameaçando a posição do dólar como moeda de reserva global.
O populismo econômico é uma constante nos programas de governo de Democratas e Republicanos. Contudo, o amor pelo déficit fiscal pode levar a um desfecho trágico, tal como Pedro e Paulo lamentaram a morte de Flora. Embora os Estados Unidos possuam uma sociedade vibrante e uma economia dinâmica, a má alocação e gestão de recursos pelo governo contribuem para o desequilíbrio fiscal. Não é necessária uma “política motosserra” ao estilo de Milei para reequilibrar as finanças públicas dos Estados Unidos. Com uma política energética eficiente e uma maior desregulamentação da economia, o crescimento econômico pode ajudar a conter o avanço da dívida. Além disso, controlar o aumento dos gastos e melhorar a qualidade dos investimentos públicos são passos essenciais para colocar as finanças do país de volta nos trilhos. Para assegurar a estabilidade econômica global, os Estados Unidos devem abandonar o populismo fiscal e colocar as suas contas públicas em uma trajetória sustentável.
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