João Silva

Graduado em economia e relações internacionais pela Boston Univeristy. Mestre em relações internacionais na University of Chicago e mestre em finanças pela University of Miami.


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João Victor da Silva

Eleições 2024: É Preciso Reestruturar os Municípios Brasileiros

As eleições deste ano revelaram uma preocupante escassez de lideranças qualificadas capazes de gerir as cidades do país, demonstrando a necessidade de reformar as instituições políticas municipais

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Foto: Divulgação/TSE
Foto: Divulgação/TSE

As eleições municipais deveriam ser o grande evento do ciclo eleitoral. Afinal, os problemas que realmente afetam o dia a dia dos cidadãos não estão em Brasília. Saneamento básico, transporte público, saúde, educação e infraestrutura são dilemas locais que deveriam estar no centro das atenções. No entanto, a política municipal foi cooptada por dois grupos que não estão essencialmente preocupados em solucionar os problemas dos seus municípios. De um lado, temos os líderes políticos que querem transformas as prefeituras e câmaras municipais em meros trampolins para as eleições de 2026. De outro — e aqui fica pior — temos os caciques locais, que não se preocupam nem em disfarçar a falta de propostas. Para eles, o objetivo é claro: fazer das instituições municipais cabides de emprego para os amigos e um balcão de negócios vantajosos. A escassez de candidatos qualificados resulta, em última análise, da falta de um debate público de qualidade e de um sistema político ineficiente.

A eleição para a prefeitura de São Paulo, a maior cidade da América Latina, tornou-se o ícone máximo da decadência da política local no Brasil. De um lado, temos Guilherme Boulos, o candidato apoiado pelo Governo Federal, cujo grande feito foi liderar um “movimento social” que despreza o conceito de propriedade privada. Esse candidato, que nunca gerou um emprego, nem administrou sequer um galinheiro, agora quer comandar o terceiro maior orçamento público do país. Do outro lado, surge Ricardo Nunes, o representante do infame centrão, com o apoio tímido do ex-presidente Bolsonaro. Nunes não é exatamente um poço de carisma, e sua candidatura é movida pela missão de proteger os interesses de seu grupo político e ser a principal aposta para barrar Boulos. Enquanto isso, Pablo Marçal, com poucas propostas concretas, prefere o papel de provocador, e Datena, sempre fiel ao seu estilo, parece mais à vontade distribuindo cadeiradas que articulando qualquer plano de governo. Tabata e Marina Helena, por outro lado, são as únicas candidatas que trouxeram propostas coerentes — dentro de seus espectros ideológicos, claro — e mantiveram uma postura digna. O problema? Ambas carecem de carisma suficiente para impulsionar suas candidaturas.

Em São Paulo, o nível baixíssimo do debate público é um reflexo claro do que Mario Vargas Llosa chama de “civilização do espetáculo”. O escritor peruano define esse tipo de civilização como aquela em que o entretenimento se torna o valor principal da sociedade. O resultado disso, segundo Llosa, é a “banalização da cultura, a generalização da frivolidade e, no campo da informação, a proliferação do jornalismo irresponsável, baseado em fofocas e escândalos”. E foi exatamente esse o show que vimos na eleição de São Paulo. Pouquíssimo se falou sobre temas sérios como gestão orçamentária, redução da criminalidade, soluções para a cracolândia e os moradores de rua, política urbana, filas nos postos de saúde ou desburocratização. Em vez disso, tivemos cadeiradas, socos, ofensas e todo tipo de bizarrice digna de um circo. No entanto, os candidatos não são os culpados por esse tipo de situação. Eles só estão atendendo a demanda de um público que prefere um bom entretenimento a um debate sobre questões realmente importantes. No fundo, os políticos só estão fazendo o que o povo quer: transformar a política em um grande reality show, no melhor estilo “A Fazenda” ou “BBB”.

A eleição paulistana é apenas a ponta do iceberg quando falamos da decadência da política municipal no Brasil. Nas cidades menores, o cenário é ainda mais desolador, com uma escassez gritante de lideranças qualificadas para administrar os municípios. Tome como exemplo Rancho Queimado–SC, com menos de 3.000 habitantes, mas absurdamente sobrecarregada com 9 vereadores e 11 secretarias na prefeitura. Encontrar lideranças capazes de gerir essa máquina inchada e renovar a política local a cada quatro ou oito anos é praticamente impossível. E o caso de Rancho Queimado, infelizmente, está longe de ser uma exceção. Segundo o último censo, 70,6% dos municípios brasileiros têm menos de 20 mil habitantes. Além disso, um estudo da Firjan (Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro) de 2023 revelou que 3 em cada 10 municípios do país não arrecadam o suficiente sequer para manter a estrutura da prefeitura e da câmara de vereadores. Diante desse cenário, é urgente discutir uma reforma do modelo federativo que reduza drasticamente o número de prefeituras, poupando recursos e trazendo mais eficiência à gestão pública.

Outro ponto fundamental para entender o baixo nível do debate público municipal é a estrutura federativa do Brasil — ou, mais precisamente, a “pseudo-federativa”. Em uma federação de verdade, os governos regionais têm autonomia para gerir áreas-chave como segurança, educação, saúde e infraestrutura. Em países como os Estados Unidos, os estados têm até seus próprios sistemas judiciários e tributários. Mas no Brasil, o cenário é bem diferente: a arrecadação tributária está concentrada nas mãos da União. Em 2022, 68% dos tributos foram arrecadados pelo governo federal, 25% foram pelos estados, e apenas 7% pelos municípios. Ou seja, para sobreviver, as prefeituras precisam recorrer a governadores, ao presidente ou ao Congresso em busca de verbas para administrar suas cidades. E com a reforma tributária, essa dependência tende a piorar, já que o substituto do ICMS e ISS será enviado diretamente a Brasília, para então ser redistribuído entre os entes federativos. Ou seja, a autonomia local, que já era limitada, ficará ainda mais enfraquecida.

Em um país de dimensões continentais como o Brasil, a União deveria se concentrar em funções de interesse nacional, que beneficiem todos os cidadãos: política externa, gestão da moeda, segurança nacional, inteligência e regulação de setores críticos, como os setores bancário e energético. O restante das responsabilidades, como a definição de leis criminais, impostos e tributos, deveria ser transferido para estados e municípios, que estão mais próximos das realidades e desafios locais. Afinal, cada região tem suas particularidades, culturas e costumes. Além disso, uma competição regulatória entre os estados poderia ser extremamente positiva. Se um estado começasse a ficar para trás em relação aos outros, isso o forçaria a revisar e ajustar suas políticas públicas. Com essa descentralização, as discussões nacionais perderiam o protagonismo no debate público, e a ação política se concentraria em solucionar os problemas das comunidades.

As eleições municipais de 2024 revelam um verdadeiro espetáculo de horrores, resultado de uma sociedade que converteu a política em entretenimento e de uma estrutura federativa profundamente falha. É urgente reformar esse sistema que não só corrompe a política, mas também trava o desenvolvimento econômico. Os problemas do Brasil não estão confinados a Brasília; eles estão em São Paulo, Mossoró, Florianópolis, Anitápolis, Cruzeiro do Sul, Duque de Caxias — em cada canto deste país, nas cidades onde a vida realmente acontece.

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