João Silva

Graduado em economia e relações internacionais pela Boston Univeristy. Mestre em relações internacionais na University of Chicago e mestre em finanças pela University of Miami.


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João Victor da Silva

Economia Pós-Covid: Promissora ou Nebulosa?

A crise da Covid-19 trouxe um desafio sem precedentes para a economia global

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Imagem ilustrativa. Foto: Pixabay.
Imagem ilustrativa. Foto: Pixabay.

Estamos a cerca de um ano e meio experimentando uma das maiores crises econômicas da história. A crise da Covid-19 trouxe um desafio sem precedentes para a economia global: isolar não apenas doentes, mas também a população saudável e restringir a operação de diversas atividades econômicas. Inevitavelmente, as medidas para contenção do contágio do coronavírus criou um sério problema de solvência e liquidez para as empresas. 

Do dia para noite grande parte das empresas viram o fluxo de seus recebimentos caírem drasticamente, enquanto a maior parte de suas obrigações continuavam precisando ser cumpridas. Consequentemente, os gestores das empresas mais afetadas pelas medidas de restrição a atividade econômica precisaram tomar ações emergenciais para sobreviverem. Demissões, corte de custos e despesas, liquidação de ativos e empréstimos foram algumas das medidas tomadas por diversas corporações para sobreviver a crise da Covid-19.

Diante deste cenário perturbador, de queda abrupta da atividade econômica e da perspectiva que problemas sociais sérios poderiam emergir, a maioria dos governos ao redor do mundo também precisaram tomar medidas emergenciais para não entrarem em uma depressão econômica e passarem a enfrentar um caos social, com milhões de pessoas sofrendo com a fome e a miséria.

Assim sendo, no front econômico, os governos adotaram políticas fiscais e monetárias expansionistas. No âmbito fiscal, as principais economias do mundo experimentaram os maiores déficits das contas públicas da história. No Brasil o déficit primário foi de R$ 743 bilhões, cerca de 10% do PIB. Nos Estados Unidos, o déficit das contas públicas foi de US$ 3,1 trilhão, cerca de 15% do PIB. Já na Europa, o déficit médio dos países da União Europeia foi de 7,2% do PIB. Em última instância, estes grandes déficits das contas públicas foram resultado da grande perda de arrecadação dos países associado ao aumento de gastos para implementação de medidas sanitárias, concessão de auxílios econômicos a indivíduos e empresas e o custeio de outros programas econômicos e sociais que visavam minimizar os impactos da pandemia para sociedade.

No âmbito da política monetária, também vimos ações agressivas dos principais bancos centrais do mundo para estimular as economias e garantir liquidez ao sistema financeiro global. No Brasil, por exemplo, experimentamos a menor taxa Selic da história, de apenas 2%. Nos EUA, o Federal Reserve, além de reduzir a taxa básica de juros para 0%, também intensificou sua política quantitative easing (afrouxamento quantitativo), ou seja, o Fed aumentou sua compra de ativos financeiros (debêntures públicas, debêntures privadas e títulos de hipotecas) para tentar reduzir os juros de longo-prazo da economia americana. Essas medidas fizeram que os ativos no balanço do Fed praticamente dobrassem em um ano, de US$ 4 trilhões para US$ 8 trilhões. Já na Europa, os juros de depósitos bancários estão em território negativo, de -0,5%. Ou seja, os europeus estão pagando para ter dinheiro no banco.

Em última instância, para a economia global conseguir superar os desafios da crise da Covid-19, governos, empresas e indivíduos precisaram se endividar. Em 2020, a dívida global cresceu US$ 24 trilhões e atingiu o maior nível da história, de US$ 281 trilhões, o que representa 335% do PIB mundial. 

Certamente, em crises econômicas, sociais e sanitárias graves como a da Covid-19 é correto que se tomem medidas emergenciais para evitar um ambiente de disfunção social. Contudo, não é possível menosprezar os efeitos negativos que tais medidas podem ter para o futuro da economia. Afinal de contas, quando a economia é puxada por políticas econômicas expansionistas, endividamento e consumo, ao invés de poupança, investimentos e aumento de produtividade, desequilíbrios econômicos estão fadados a acontecer. 

Estes desequilíbrios acontecem, pois o intervencionismo econômico afeta o sistema de preços que é essencial para o funcionamento eficiente da economia. Quando o preço de alguma coisa é inflado ou baixado artificialmente, indivíduos são influenciados a tomar decisões econômicas que não seriam feitas em situações normais. Imagine, por exemplo, que você é uma pessoa que adore laranjas. Se ontem, 1 quilo de laranjas custava R$ 20,00, mas hoje o governo estabelece que o preço deve ser de R$ 2,00 pelo quilo da laranja, com o novo preço você e todas as pessoas que gostam de laranja passariam a comprar mais desse produto. O problema é que os produtores de laranja não têm incentivo de produzir, pois o preço está muito baixo. O que aconteceria é que em poucos dias haveria uma escassez de laranja no mercado. A situação só seria normalizada se o governo voltasse a liberar os preços. 

Algo parecido acontece com as taxas de juros. Se as taxas de juro são baixadas artificialmente, as pessoas tomam decisões que não tomariam se estivessem sob um ambiente econômica de taxa de juro neutra (taxa de juro que não leva ao crescimento da inflação, mas permite o crescimento econômico do país). No Brasil, nos últimos meses estamos experimentando um ambiente de juros excessivamente baixos. Quantas pessoas, decidiram consumir mais, realocar suas aplicações financeiras, pegar mais empréstimos e realizar mais investimentos pelos juros estarem no menor patamar da história? Milhões de brasileiros mudaram de comportamento, o que inevitavelmente causa desequilíbrios econômicos.

Em geral, as políticas de expansão fiscal e monetária levam a inflação de preços ao consumidor, inflação dos preços de ativos e ao aumento do endividamento, o que eleva a percepção de risco dos agentes econômicos. O fato é que as consequências das políticas expansionistas já estão sendo sentidas ao redor do mundo. A maioria das bolsas de valores estão experimentando suas máximas históricas, mesmo com as incertezas sobre o futuro da economia global e a deterioração financeira da maioria das empresas que compõem os índices das bolsas de valores. 

A inflação de preços ao consumidor também está acontecendo ao redor do mundo. Nos EUA, por exemplo, as taxas de inflação são as maiores em 13 anos. No Brasil, a taxa anualizada de inflação é superior a 8%, estando acima do teto da meta definida pelo CMN (Conselho Monetário Nacional). O preço das commodities também está subindo, superando bastante o patamar pré-pandemia. Nos Estados Unidos, o crescimento do preço dos imóveis residenciais é o maior em 30 anos – vale lembrar, que foi justamente a bolha imobiliária americana que foi uma das principais causas da crise financeira de 2008. Estes são apenas alguns exemplos dos sinais de desequilíbrios econômicos que já estão emergindo, em virtude do excesso de endividamento, estímulo ao consumo e políticas econômicas expansionistas. 

O fato é que estamos saindo de uma das piores crises econômicas da história, a qual levou a falência de milhões de empresas, que levou milhões de pessoas ao desemprego, elevou o número de pessoas na extrema pobreza, e que demandou um endividamento sem precedentes de governos, empresas e indivíduos. Contudo, diversos indicadores econômicos e financeiros apontam que estamos trilhando um futuro promissor. A explicação para isso é simples: a economia mundial está crescendo artificialmente. Afinal de contas, não existe crescimento econômico sustentável baseado em endividamento, consumo e políticas expansionistas. O que traz crescimento econômico sustentável é o aumento de produtividade da economia. 

A história nos mostra que mais cedo ou mais tarde estes desequilíbrios econômicos se traduzem em novas crises. Em 2008 tivemos a crise financeira global, decorrente do excesso de financeirização da economia. Já o Japão há cerca de três décadas luta contra zombificação de sua economia, resultado das ações do governo para manter os grandes conglomerados econômicos do país vivos após a grande crise econômica e financeira que o país experimentou no início da década de 1990. Com taxas de juros baixas, empresas com elevados níveis de endividamento conseguem sobreviver, mas sem capacidade de investir no negócio; assim sendo, estas empresas possuem poucos ganhos de produtividade. Não é por acaso que o PIB da economia japonesa é menor hoje do que em 1995. Nos EUA, na década de 1970, o país viveu um período de estagflação (estagnação econômica e aumento da inflação), resultado dos choques do petróleo, gasto público excessivo e política monetária expansionista. No Brasil, tivemos períodos de hiperinflação e crises da dívida externa no fim do século XX, em função do gasto público desenfreado, políticas monetárias expansionistas e endividamento excessivo em moeda estrangeira.  

Hoje, ainda não está claro qual será o resultado de longo prazo da crise da Covid-19. Uma crise financeira ou problemas econômicos estruturais de longo prazo possivelmente serão o resultado dos desequilíbrios econômicos que vivemos hoje se nada for feito. Nesse sentido, torna-se fundamental que as autoridades econômicas ao redor do mundo passem a adotar medidas que possibilitem que os países cresçam de forma sustentável. Desenvolver um ambiente econômico livre, onde as empresas possam desenvolver produtos e serviços que tornem a economia global mais produtiva e eficiente, enquanto governos, empresas e indivíduos possam reestruturar sua situação financeira parece ser o caminho adequado para destravar a bomba de uma crise futura. Caso as autoridades públicas apostem no caminho do populismo econômico, estamos fadados a postergar e intensificar os problemas econômicos de hoje para amanhã.   

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