É crucial a implementação de políticas públicas inovadoras e eficazes na Educação
Diversas métricas demonstram como o gasto público no Brasil é mal planejado e executado. Talvez, um dos piores casos seja o da educação
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O ano é novo, mas os desafios para os formuladores de políticas públicas brasileiros são antigos. Os leitores que acompanham minha coluna estão cientes de que os três níveis de governo (municipal, estadual e federal) enfrentam um desafio fiscal hercúleo. No Brasil, gastamos muito e — acima de tudo — gastamos mal. Não é por acaso que o Brasil é considerado um dos países com o pior retorno de impostos à sociedade. De acordo com um levantamento do IBPT (Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário), o Brasil foi o último colocado entre os 30 países avaliados no “Índice de Retorno de Bem-Estar à Sociedade”.
Existem diversas métricas que demonstram como o gasto público no Brasil é mal planejado e executado. Talvez, um dos piores casos seja o da educação. Muitos políticos pensam que basta aumentar o investimento em educação para que os problemas sejam resolvidos. Esse foi o raciocínio quando ocorreu o reajuste das verbas para o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), aprovado pelo Congresso em 2020.
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Todavia, aumentar o investimento em educação não significa melhorar o nível educacional do país. Sendo assim, penso ser mais proveitoso propor algumas ideias que estão “fora da caixa”, mas que são eficazes, para que os nossos gestores públicos ponham em prática políticas públicas que tragam um maior benefício para os pagadores de impostos.
Um dos maiores desafios que o país enfrenta é melhorar a qualidade do ensino público. Um relatório de 2021 elaborado pela OCDE (Education in Brazil: An International Perspective) aponta que o Brasil investe uma parte considerável do PIB na educação, cerca de 5%, percentual que está acima da média dos países membros da OCDE, o qual é de 4%. Apesar do aumento nos gastos com educação, o relatório salienta que a qualidade do ensino tem crescido muito pouco. A diferença no nível educacional entre jovens de classes sociais diferentes é alarmante.
Educação na Constituição Federal
Não sou um especialista em educação, mas minha formação em ciências sociais e finanças me permite identificar problemas e propor soluções, baseados na literatura acadêmica. Para compreender o problema precisamos conhecer o arcabouço legal do país — conforme, muito bem alertado, pelo economista Gustavo Franco em seu livro A Moeda e a Lei.
Assim, devemos ler o que a Constituição Federal dispõe sobre a educação nas suas maçantes páginas. Basicamente, o artigo 6º da Constituição Federal enumera a educação como um dos direitos sociais do cidadão brasileiro. Já no artigo 23, é mencionado que a União, Estados e Municípios devem “proporcionar os meios de acesso […] à educação”. Na primeira seção do capítulo III, que se dedica exclusivamente à educação, se reafirma que o Estado brasileiro deve prover educação aos brasileiros. No entanto, não há nenhuma menção que o Estado deve administrar o sistema de ensino.
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Como é do conhecimento geral, a diferença entre a qualidade das escolas públicas e privadas, entre o ensino infantil e médio, é muito grande. Inclusive, estudos acadêmicos corroboram com esta observação empírica. Em um estudo de 2014, André Moraes e Walter Belluzo, economistas da USP, demonstraram que, em relação às notas de um exame nacional de português e matemática para o ensino fundamental II, o desempenho entre escolas públicas e privadas é “favorável às escolas privadas em todos os quantis da distribuição”. Uma conclusão semelhante foi alcançada em uma análise que se limitou ao ambiente escolar do Rio Grande Sul, no qual a economista Glaucia Prestes (2016) avaliou em sua dissertação de mestrado que os alunos das escolas privadas apresentam um desempenho superior aos dos estudantes das escolas públicas em português e matemática, após o controle de outras variáveis.
Dada a notória diferença de qualidade entre as escolas públicas e privadas, parece razoável que o setor privado se torne mais relevante no cenário educacional nacional. Como o Estado deve fornecer educação, mas não necessariamente gerir o sistema de ensino, a adoção de um sistema de vouchers, por exemplo, pode ser benéfica para o nível educacional dos jovens brasileiros.
Esta ideia, promovida pelo prêmio Nobel de economia, Milton Friedman, pode trazer grandes benefícios para sociedade. Com um sistema de vouchers, os pais teriam a opção de escolher em qual escola seus filhos estudariam. Isto traria duas vantagens para a educação brasileira. Por um lado, as escolas que não oferecessem um nível de ensino adequado, inclusive as públicas, perderiam seus alunos para outras instituições.
Logo, a competição pressionaria todas as escolas a manterem elevados níveis de qualidade. Por outro lado, também poderiam surgir escolas com diferentes modelos de ensino, o que traria maior diversidade para educação. Diversidade educacional é, em última instância, um dos elementos que promove o debate de ideais e inovações acadêmicas.
Aqueles que pensam que a defesa do sistema privado de ensino é uma propaganda liberal estão equivocados. Outros dois economistas laureados com o prêmio Nobel de economia, mas que não estão associados ao pensamento liberal, Abhijit V. Banerjee e Esther Duflo, também defendem, até certo grau, o ensino privado no combate à pobreza. No livro Poor Economics (2012), onde os autores debatem estratégias para combater à pobreza, eles mostram que alunos de escolas particulares em áreas pobres da Índia e Paquistão aprendem mais que os estudantes de escolas públicas. Isto não significa que as escolas privadas sejam tão eficientes quanto poderiam ser, mas elas são melhores.
Experiências em países desenvolvidos e emergentes também apontam para o relativo sucesso do sistema de promoção do ensino privado em comparação ao sistema de ensino público tradicional. O modelo mais bem-sucedido do sistema de promoção do ensino privado é o dos Países Baixos, no qual a maioria das escolas são administradas pelo setor privado, mas mantidas pelo Estado. Nesse sistema, as famílias selecionam as escolas mais adequadas para seus filhos e, dessa forma, o governo neerlandês estimula a eficiência e a concorrência entre elas. Atualmente, os Países Baixos estão na 13.ª posição da prova do PISA.
No Chile, é utilizado um sistema similar, conhecido como sistema de vouchers. Em 2007, houve uma reforma que facilitou o acesso à educação privada para famílias de baixa renda. Desde então, o país tem apresentado melhorias no seu desempenho educacional. O Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) realizou um estudo em 2017 o qual revelou que a reforma do sistema de vouchers educacionais no país andino diminuiu a desigualdade entre os alunos de baixa e alta renda, além de promover o aumento do desempenho dos estudantes.
Uma dúvida razoável que muitos podem ter está ligada ao custo dessa iniciativa. Afinal de contas, as escolas privadas são consideradas inacessíveis para a maioria da população. No entanto, o custo por aluno na educação pública em Florianópolis é próximo ao das melhores escolas privadas. O orçamento municipal de 2023 para educação é de quase R$842 milhões. Atualmente, o número de estudantes matriculados nos ensinos infantil e fundamental no município é de 38 mil. Uma análise simples mostra que o custo anual de um estudante de ensino público municipal em Florianópolis é de aproximadamente R$ 22 mil reais.
Um estudo conduzido pelo Procon em 2022 revelou que a mensalidade média para alunos do ensino infantil em Florianópolis varia entre R$870 e R$1.860. A mensalidade média para o ensino fundamental varia entre R$775 e R$2.758. Sendo assim, o valor cobrado por estudante em escolas particulares pode variar de R$9.300 a R$33.096 anualmente. Em outras palavras, o custo por estudante do ensino público está mais próximo da escola privada mais cara do que da escola privada mais barata. Como o município teria grande poder de barganha com as escolas privadas, parece plausível que o governo permitisse o acesso aos estudantes das escolas públicas as escolas privadas da cidade sem aumentar o orçamento com educação.
Em períodos de limitação financeira nos orçamentos públicos e de grandes necessidades sociais, como os que estamos enfrentando atualmente, é crucial a implementação de políticas públicas inovadoras e eficazes. Não é possível implementar um sistema de vouchers ou políticas educacionais similares de um dia para o outro. Políticas públicas não são uma ciência exata e demandam testes e adaptações para serem aplicadas em diferentes contextos socioeconômicos. Contudo, iniciativas como esta devem ser avaliadas para aprimorar a eficiência do setor público em fornecer serviços fundamentais para sociedade, como é o caso com a educação.
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