João Silva

Graduado em economia e relações internacionais pela Boston Univeristy. Mestre em relações internacionais na University of Chicago e mestre em finanças pela University of Miami.


João Victor da Silva Compartilhar
João Silva

Donald Trump e a arte do renascimento

Apesar da perseguição política, judicial e midiática, Trump voltará a Casa Branca mais forte do que em 2017

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Foto: Divulgação
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“Fight, fight, fight.” Essas foram as palavras de Donald Trump após a primeira tentativa de assassinato sofrida durante a corrida eleitoral. Esse espírito de luta simboliza aquela que pode ser a campanha presidencial mais extravagante da história dos Estados Unidos. O que parecia impossível em 6 de janeiro de 2021 se tornou realidade: Donald Trump será o 45⁠º e 47⁠º presidente do país, feito que só foi alcançado por Grover Cleveland no final do século XIX.

O retorno político de Donald Trump parecia uma possibilidade remota, considerando que o establishment político dos Estados Unidos se uniu contra ele. Durante seu mandato, o líder republicano enfrentou dois processos de impeachment e uma campanha de achincalhamento midiático sem precedentes. Após sua derrota nas eleições de 2020 e a polêmica invasão do Capitólio em janeiro de 2021, muitos acreditavam que Trump havia se tornado um pária político. Com suas redes sociais bloqueadas e uma avalanche de processos civis e criminais em curso, o futuro do ex-presidente parecia estar mais próximo de uma prisão federal do que de um retorno à Casa Branca.

Donald Trump, no entanto, não é um político convencional. Como ele próprio escreve em seu livro A Arte da Negociação: “por mais que valha a pena enfatizar o positivo, há momentos em que a única escolha é o confronto.” E foi exatamente essa estratégia que Trump adotou. Após enfrentar as comissões do Congresso sobre a invasão do Capitólio e uma operação de busca e apreensão em sua residência, Mar-a-Lago, ele surpreendeu ao anunciar sua candidatura à presidência em 15 de novembro de 2022. Naquele momento, Trump nem mesmo era o favorito dentro de seu próprio partido. Os grandes veículos conservadores da mídia americana depositavam suas esperanças no então recém-reeleito governador da Flórida, Ron DeSantis, promovendo-o como o “DeFuture” dos republicanos.

Diante de uma encruzilhada jurídica, a maioria dos políticos recorreriam aos melhores advogados para se defenderem. Trump, no entanto, reconhecia que seus casos estavam longe de ser julgamentos comuns; eram, na verdade, disputas políticas travadas nos tribunais. Por isso, ele escolheu advogados capazes de transformar suas batalhas legais em espetáculos midiáticos. Seu objetivo era claro: convencer a opinião pública de que os processos não passavam de perseguições políticas desprovidas de fundamentos jurídicos. E, nesse aspecto, ele foi bem-sucedido, muitas vezes contando com a colaboração involuntária de procuradores que não demonstraram sequer uma fachada de imparcialidade. Sua emblemática foto de ficha policial (mug shot), tirada após o indiciamento na Georgia sob a acusação de tentar reverter os resultados da eleição presidencial de 2020 no estado, tornou-se um símbolo poderoso. A imagem não apenas mobilizou sua base de apoiadores como também consolidou sua posição de liderança para ser o candidato republicano.

Trump, de certa forma, seguiu à risca o conselho do imperador francês Napoleão Bonaparte: “jamais interrompa seu inimigo quando ele estiver cometendo um erro.” Com habilidade estratégica, Trump manipulou o Partido Democrata a apostar no discurso eleitoral errado. Utilizando suas mensagens hiperbólicas para gerar controvérsias e atrair atenção midiática, ele conseguiu que os democratas replicassem as mesmas narrativas das campanhas anteriores. Os adversários insistiram em retratá-lo como uma ameaça à democracia e aos direitos civis dos americanos, um suposto fantoche de Putin, enquanto também colocavam a questão do aborto no centro do debate eleitoral.

A desconexão entre a mensagem eleitoral dos democratas e os verdadeiros desafios enfrentados pela sociedade americana era evidente. Com a economia sofrendo os maiores níveis de inflação em quatro décadas, os desastres da política externa no Afeganistão, Ucrânia e Oriente Médio, a implementação de políticas sociais que pendiam excessivamente à esquerda, e a visível fragilidade física e mental de Joe Biden, os democratas se tornaram alvos fáceis para Trump. Em uma análise publicada no Financial Times, o cientista de dados John Burn-Murdoch evidencia como os democratas se inclinaram de forma desproporcional à esquerda em questões sociais na última década, enquanto os eleitores republicanos e moderados mantiveram suas posições políticas relativamente estáveis. Como a política é a arte de construir coalizões, esse descompasso ideológico acabou aproximando o eleitor mediano do Partido Republicano, criando o ambiente ideal para vitória de Trump.

A guinada à esquerda do Partido Democrata fez com que muitos eleitores perdessem o constrangimento em demonstrar seu apoio a Trump. Figuras tradicionalmente associadas ao Partido Democrata ou a posições políticas de centro-esquerda aderiram à candidatura de Trump em resposta às políticas consideradas extremas dos democratas. Elon Musk, Bill Ackmann, Tulsi Gabbard, Joe Rogan, Robert F. Kennedy Jr., entre outros, emergiram como vozes influentes que ajudaram a ampliar a base política de Trump. Apesar de seu discurso frequentemente hiperbólico, Trump está longe de ser um candidato ideológico. A mensagem central de sua campanha focava em temas de senso comum: preservar os esportes femininos para mulheres biológicas, combater a inflação, gerar empregos, restaurar o sonho americano e reestabelecer o respeito dos Estados Unidos no cenário internacional. Essa abordagem permitiu que ele conquistasse uma coalizão diversa de eleitores, incluindo árabes e judeus, brancos e latinos, empresários e trabalhadores, além de atrair o apoio significativo de jovens eleitores.

Após o desastroso desempenho de Joe Biden no debate contra Donald Trump em junho deste ano, os democratas tomaram a decisão drástica de retirá-lo da disputa presidencial. No entanto, a escolha de Kamala Harris como substituta revelou-se outro erro estratégico. Harris, enquanto senadora, acumulava um histórico de votações claramente extremistas, com um posicionamento mais à esquerda do que o autoproclamado socialista Bernie Sanders. Além disso, a escolha de seu companheiro de chapa foi igualmente equivocada. Em vez de selecionar Josh Shapiro, governador da Pensilvânia — um estado-chave nas eleições — e um democrata moderado amplamente aprovado, Harris optou por Tim Walz, uma figura de baixo carisma e pouca ressonância nacional. A justificativa para preterir Shapiro tornou o erro ainda mais evidente: por ser judeu, ele foi deixado de lado para evitar alienar o voto islâmico em Michigan e as alas mais progressistas do partido. Ao alienar os eleitores independentes, essa estratégia apenas ampliou as vulnerabilidades da chapa democrata.

O resultado foi uma vitória avassaladora de Donald Trump, que conquistou o colégio eleitoral, o voto popular, a Câmara dos Representantes e o Senado. Além disso, Trump terá uma Suprema Corte composta, na sua maioria, por magistrados indicados pelos republicanos. Trump, ao retornar à Casa Branca, não se limita a ser o mestre das negociações imobiliárias. Agora, ele assume a posição de arquiteto de um renascimento político sem precedentes. Sua estratégia para essa volta foi clara: manter o discurso hiperbólico para garantir a atenção midiática, ampliar a sua agenda política para atrair uma maior base eleitoral e, acima de tudo, nunca desistir.

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