Brasil precisa de um conselho fiscal independente das influências políticas
Conselhos fiscais desempenham um papel crucial na contenção do populismo fiscal.
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Na semana passada, o Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, realizou uma série de conferências em Nova Iorque, buscando dialogar com investidores americanos. Dentre as principais metas do ministro, estava a de esclarecer como a política econômica do governo pode assegurar a estabilidade fiscal para o Brasil.
Abordar essa questão é, sem dúvida, um desafio considerando a situação atual. Embora o Brasil tenha tido um crescimento econômico relativamente positivo nos primeiros dois trimestres do ano, especialmente em virtude do forte desempenho do agronegócio e do aumento dos gastos públicos, a situação fiscal do país não é favorável, conforme descrevi em meu artigo anterior.
A relação dívida-PIB aumentou significativamente desde a posse de Haddad como Ministro da Fazenda, passando de 72,6% para 74,1% do PIB. Paralelamente, a arrecadação federal vem sofrendo quedas sucessivas em termos reais, apesar das medidas de aumento de impostos implementadas. Para ilustrar, em agosto deste ano, a receita do governo registrou uma queda de 4,14% em comparação ao mesmo mês do ano passado. O governo projeta encerrar o ano com um déficit primário de R$ 141,4 bilhões, equivalente a aproximadamente 1,4% do PIB, representando um aumento significativo quando comparado ao superávit primário alcançado em 2022.
Não é de se estranhar que o atual governo esteja propondo uma política fiscal muito diferente da administração anterior. A análise das propostas econômicas apresentadas durante a campanha eleitoral e o histórico das gestões petistas demonstram que a atual administração gosta de gastar. É compreensível que diferentes grupos políticos promovam políticas econômicas distintas quando estão no poder. No entanto, nas democracias avançadas, as divergências políticas no campo econômico geralmente não ultrapassam os limites que possam comprometer a estabilidade econômica do país.
Em geral, tanto governos socialdemocratas quanto governos liberal-conservadores reconhecem a importância de manter uma política macroeconômica responsável. Há exemplos notáveis de líderes de tendência à esquerda, como Tony Blair no Reino Unido e Bill Clinton nos Estados Unidos, que adotaram políticas fiscais prudentes em suas administrações.
Maturidade política
Nos países desenvolvidos, a disputa política voltada para a economia concentra-se principalmente na discussão sobre modelos de tributação, políticas de redistribuição de renda e na alocação de recursos públicos nos orçamentos. No entanto, o Brasil ainda não alcançou esse nível de maturidade política. Aqui, muitos políticos ainda priorizam a busca pelo poder em detrimento da preservação da estabilidade econômica. Um exemplo emblemático disso foi a gestão da ex-presidente Dilma, que, em sua tentativa de reeleição, controlou os preços de utilidades públicas, expandiu os gastos governamentais e concedeu uma série de isenções fiscais que culminaram na pior recessão já registrada no país.
Lamentavelmente, o populismo fiscal tem prejudicado o desempenho de nossa economia há décadas. O excesso de gastos nos levou a várias crises cambiais na década de 1980, duas hiperinflações nos anos 1990 e um aumento excessivo da dívida desde então. Hoje, o governo destina mais de R$ 700 bilhões apenas para pagamento de juros da dívida, recursos que poderiam ficar no bolso dos pagadores de impostos ou alocados em setores como saúde, segurança e educação.
Reformas
Sem dúvida, quando a situação econômica começa a deteriorar, o governo se vê na necessidade de realizar ajustes. Os governos de Temer e Bolsonaro implementaram uma série de reformas para reequilibrar as finanças públicas. No entanto, não é suficiente ter apenas seis anos de governos comprometidos com a estabilidade macroeconômica. É crucial que um país mantenha um compromisso constante com a estabilidade fiscal para restaurar a confiança dos atores econômicos. Para que isso ocorra, é imperativo que o país adote uma política econômica confiável.
Em muitos países, essa credibilidade é estabelecida por meio de regras fiscais transparentes, objetivas e passíveis de fiscalização. Infelizmente, as regras fiscais do Brasil ainda carecem de credibilidade. O Teto de Gastos, gradualmente, perdeu força, pois o Congresso passou a permitir gastos excepcionais, como no Fundeb, e o surgimento de novos gastos, como no caso dos precatórios. O novo Arcabouço Fiscal proposto pelo governo também parece nascer sem credibilidade alguma, já que estabelece, pasmem, o crescimento real dos gastos públicos, ao mesmo tempo, em que exige que o governo alcance superávits primários. Essa proposta só seria plausível se a economia brasileira crescesse substancialmente ou se houvesse um aumento de impostos eficaz. No entanto, considerando que os últimos aumentos de impostos não conseguiram aumentar significativamente a arrecadação, torna-se questionável a possibilidade de cumprir as regras estabelecidas pelo novo Arcabouço Fiscal.
Conselho Fiscal independente
Para aprimorar a credibilidade da política fiscal no Brasil, é essencial considerar a instituição de um Conselho Fiscal independente das influências políticas, com a missão de assegurar a estabilidade da trajetória de longo prazo da dívida pública. Muitos países já possuem conselhos fiscais, cada qual com seu grau específico de autonomia e atribuições, com o propósito fundamental de aprimorar a gestão das finanças públicas.
Vale ressaltar que a função primordial do conselho não reside na definição da alocação de recursos no orçamento nem na determinação dos modelos tributários que afetam empresas e indivíduos. Tais prerrogativas permanecem, como é adequado, sob a responsabilidade da classe política. Ao invés disso, os conselhos fiscais têm como finalidade central o controle da trajetória dos gastos públicos, com o intuito de prevenir que as futuras gerações sejam sobrecarregadas com o ônus das imprudências fiscais cometidas no passado.
Em última análise, os conselhos fiscais desempenham um papel crucial na contenção do populismo fiscal. Isso se deve ao fato de que os governos têm uma tendência não apenas a aumentar os gastos em momentos de crise, como durante a pandemia, mas também durante períodos de prosperidade econômica. Um conselho fiscal evitaria essa má prática ao permitir um aumento nos gastos durante períodos de turbulência ou emergência, ao mesmo tempo que impõe maior disciplina fiscal quando a situação econômica está normalizada. O objetivo é manter um controle efetivo sobre a dívida pública, promovendo uma gestão fiscal responsável e equilibrada.
De certa forma, a criação de um Conselho Fiscal autônomo compartilha um objetivo semelhante com a instituição de um Banco Central autônomo. No caso do Banco Central, a despolitização da moeda visa garantir que nenhum governo utilize a inflação como fonte de financiamento. Isso é de suma importância para uma democracia funcional, uma vez que a inflação constitui, essencialmente, um imposto suportado pela sociedade sem a devida aprovação do Congresso.
Criação do conselho
No contexto de um Conselho Fiscal autônomo, a despolitização da gestão da dívida pública assume a forma de um compromisso intergeracional. Nesse cenário, nenhum governo poderia contrair dívidas excessivas e transferir a conta para as gerações futuras, que ainda não detêm direito de voto. Em resumo, essas instituições retiram a estabilidade econômica do país do jogo político, contribuindo para estabelecer uma base de confiança sólida entre os agentes econômicos. Isso, por sua vez, estimula o crescimento econômico, uma vez que a conquista da confiança tende a estimular o consumo e os investimentos.
Se o Congresso Nacional estiver empenhado em fortalecer a economia do país e consolidar nossas instituições, a criação de um Conselho Fiscal autônomo representaria um passo significativo nesse sentido. Essa iniciativa, sem dúvida, facilitaria ao Ministro Haddad a comunicação com investidores estrangeiros, assegurando-lhes que o Brasil mantém uma política fiscal e monetária sustentável. É imperativo que a economia brasileira não permaneça vulnerável às flutuações das agendas políticas governamentais. O Brasil requer estabilidade, e um Conselho Fiscal pode desempenhar um papel crucial nessa missão.
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