João Silva

Graduado em economia e relações internacionais pela Boston Univeristy. Mestre em relações internacionais na University of Chicago e mestre em finanças pela University of Miami.


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João Victor da Silva

Aprovação da lei contra supersalários na Câmara representa um avanço no combate a cultura do privilégio

Mas aprovação do PL dos supersalários não será a solução para o desequilíbrio entre o setor público e o setor privado no Brasil

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Imagem Ilustrativa. Foto: Pablo Valadares | Câmara dos Deputados
Imagem Ilustrativa. Foto: Pablo Valadares | Câmara dos Deputados

A Constituição Federal diz em seu artigo 5º que no Brasil “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza […]”. Contudo, a realidade é muito diferente. No Brasil vale a famosa frase escrita por George Orwell em seu clássico A Revolução dos Bichos: “todos os animais são iguais, mas alguns são mais iguais que outros”. Infelizmente, parte da sociedade brasileira possui privilégios inimagináveis para maioria da população. Hoje, a elite do funcionalismo público é a principal representante do sistema político-econômico disfuncional que temos no Brasil, onde o povo serve o setor público ao invés do setor público servir ao povo.  

São inúmeros os dados que atestam a disfuncionalidade do serviço público brasileiro. Em um estudo realizado pelo Instituto Millenium, por exemplo, constatou-se que os servidores públicos possuem uma remuneração média de quase 110% maior do que a dos empregados do setor privado. Apenas em 2019, a União, estados e munícipios gastaram R$ 928 bilhões para pagarem funcionários públicos, cerca de 13,7% do PIB. Hoje, o Brasil é o 7º país que mais gasta com funcionalismo público em relação ao PIB no mundo. Em 2019, o gasto com o funcionalismo público brasileiro superou em 3,5 vezes o gasto com saúde pública.

Durante a pandemia, as diferenças de remuneração entre setor público e setor privado se agravaram mais ainda. Segundo a PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) realizada pelo IBGE, durante a pandemia a remuneração média de um empregado do setor privado caiu 0,76%, enquanto a remuneração do servidor público cresceu 3,54%. Infelizmente, os privilégios conquistados pela elite do funcionalismo público não param por aí. Estabilidade de emprego, recebimento de diversos “auxílios” como auxílio-paletó, auxílio-creche, 14º salário, entre outros privilégios é algo exclusivo para os servidores do mais alto escalão do funcionalismo público brasileiro. Até mesmo o Supremo Tribunal Federal que deveria ser o exemplo de ética, moralidade e justiça para o país participa dessa balbúrdia com o dinheiro público. Em 2019, por exemplo, o Tribunal realizou um contrato de R$ 481.720,88 para “serviços de fornecimento de refeições institucionais” que incluíam vinhos premiados, lagostas, queijos nobres, entre outros alimentos de luxo que grande parte da população brasileira não tem condições de adquirir. Em 2021, o orçamento aprovado pelo STF é de R$ 712,46 milhões, – quase R$ 65 milhões por ministro!

Infelizmente, a lista com as extravagâncias e privilégios não terminam por aí. São inúmeros os casos de benefícios e privilégios concedidos a elite do funcionalismo público em detrimento do cidadão comum. Para financiar os cerca de 12 milhões de funcionários públicos ativos que o país possui, o cidadão precisa trabalhar cada vez mais para pagar os vultosos impostos que temos no Brasil. Em 2021, segundo o Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), o brasileiro precisou trabalhar 149 dias, ou seja, até 29 de maio apenas para pagar impostos. Em comparação, quando a Constituição de 1988 foi promulgada os brasileiros só precisavam trabalhar 73 dias para pagar impostos.

Caso tivéssemos um serviço público eficiente e de qualidade, talvez, seria compreensível pagarmos tantos impostos para financiar o setor público. Contudo, de acordo com o Índice de Retorno de Bem-Estar à Sociedade realizado pelo IBPT, em 2019, o Brasil teve o menor índice de retorno de bem-estar à sociedade do mundo. Ou seja, o cidadão brasileiro paga muitos impostos para sustentar um setor público que não atende as necessidades da população.

O jurista Modesto Carvalhosa, em uma entrevista concedida ao IREE (Instituto para Reforma das Relações entre Estado e Empresa) sintetizou bem os problemas da relação entre o Estado brasileiro e a população que foram intensificados pela Constituição de 1988. Para Carvalhosa, a Constituição divide o país entre aqueles que possuem benefícios e privilégios, o setor público, e o setor privado, que não usufrui de nenhum direito e precisa financiar os privilégios do setor público. Em uma entrevista realizada pela revista jurídica Conjur, o jurista Ives Gandra da Silva Martins também enfatiza a disfuncionalidade entre o setor privado e o setor público. Segundo Martins, “os cidadãos [brasileiros] trabalham para sustentar a burocracia, os detentores do poder, e não o Estado prestador de serviços mínimos. Decididamente, a burocracia brasileira não cabe dentro do PIB”.

Diante de um cenário de estagnação econômica e crescente gasto e dívida pública que temos acompanhado no Brasil nas últimas décadas, a aprovação do PL dos supersalários representa um grande avanço no combate a cultura do privilégio, a qual cria um verdadeiro sistema de castas no país. Ao limitar o salário dos servidores, na maioria dos casos, ao teto de R$ 39.293,32 impede-se que os recursos dos pagadores de impostos sejam usados inapropriadamente para garantir privilégios a certos setores do serviço público. Estima-se que a medida deve trazer uma economia de R$ 3 bilhões por ano a União e de R$ 10 bilhões ao setor público de forma geral.

Certamente, a aprovação do PL dos supersalários não será a solução para o desequilíbrio entre o setor público e o setor privado no Brasil. No entanto, o PL dos supersalários é uma lei importante para a agenda de reestruturação do Estado brasileiro. Hoje, infelizmente, o serviço público privilegia seus funcionários de alto escalão, enquanto alguns de seus funcionários que realizam os trabalhos com maior retorno para sociedade são mal remunerados. Os policiais e bombeiros que arriscam suas vidas, os professores que provêm o ensino para os jovens, e médicos e enfermeiros que atendem os doentes em centros de saúde com condições muitas vezes precárias não são remunerados da devida forma. Nesse sentido, tornar o Estado mais enxuto e eficiente é um passo essencial para o desenvolvimento do país, pois permitiria que os serviços públicos essenciais a população (saúde, segurança e educação) se tornassem as prioridades do setor público.

Como uma reestruturação do funcionalismo público, o Estado terá capacidade de alocar os gastos públicos para as verdadeiras demandas da população e remunerar melhor os servidores que mais contribuem com o país. Hoje, entretanto, apenas 6% do orçamento não é destinado a despesas obrigatórias. Ademais, com um setor público menor se possibilita a redução de carga tributária que tornará nosso setor privado mais dinâmico e competitivo.

Em última instância, espero que o PL dos supersalários fortaleça a agenda reformista do Congresso, que precisa avançar com leis importantes para fortalecer a economia do país, melhorar a segurança jurídica, atrair investimentos, desburocratizar a economia e simplificar o sistema tributário. Assim, poderemos ter uma economia capaz de crescer, gerar empregos e possibilitar que o cidadão privado também seja um protagonista em nossa sociedade. Não é mais admissível que o povo brasileiro continue financiando um setor público que pouco contribui para sociedade.


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