João Silva

Graduado em economia e relações internacionais pela Boston Univeristy. Mestre em relações internacionais na University of Chicago e mestre em finanças pela University of Miami.


João Victor da Silva Compartilhar
João Victor da Silva

A Política Econômica Brasileira no Período 2019-2022: Uma Resenha do Recém-Lançado Livro de Guedes e Sachsida

O livro explora os obstáculos e os êxitos da política econômica brasileira em um dos momentos mais instáveis para a economia e a política global

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Liberalismo de crises: talvez esse fosse um título mais adequado para o livro recentemente lançado por Paulo Guedes (ex-ministro da Economia) e Adolfo Sachsida (ex-secretário de Política Econômica e ex-ministro de Minas e Energia), A Política Econômica Brasileira no Período 2019–2022 (Editora LVM). Afinal, o ambicioso plano de liberalização da economia brasileira, prometido na campanha de 2018, foi, de certo modo, desviado de seu curso pela pandemia da COVID-19 e por choques externos, como a guerra entre Rússia e Ucrânia. Recordo-me vividamente de que, nos primeiros dias da pandemia, o então ministro Paulo Guedes gravou um vídeo alertando que duas grandes ondas se aproximavam do Brasil. A primeira, a pandemia, já havia chegado; a segunda seria um choque recessivo profundo. Guedes, no entanto, enfatizou que o governo não mediria esforços para proteger a saúde, as vidas e os empregos dos brasileiros. Em grande medida, o livro explora como um governo com uma política econômica liberal enfrentou, essencialmente, uma economia de guerra.

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No livro, Guedes e Sachsida deixam claro que a política econômica tinha dois objetivos centrais: (i) promover a consolidação fiscal, visando controlar a trajetória das contas públicas; e (ii) implementar reformas pró-mercado para impulsionar a produtividade da economia brasileira. Esse é um programa econômico liberal clássico, focado em alcançar estabilidade econômica e crescimento por meio da transferência de protagonismo econômico do setor público para o setor privado. Desde o início do mandato, o governo tomou medidas importantes em ambas as frentes, incluindo a Reforma da Previdência e a Lei de Liberdade Econômica.

Com a pandemia, o cenário mudou drasticamente, e o governo precisou mobilizar toda a capacidade do Estado para implementar o que Guedes e Sachsida definem como “uma política anticíclica Keynesiana com a aplicação do conceito de renda básica de Milton Friedman”. O maior mérito do livro está em oferecer uma verdadeira aula sobre políticas públicas, mostrando como o Estado deve agir para justificar sua própria existência ao proteger a população em períodos desafiadores, como os enfrentados durante a pandemia. Em última análise, Guedes e Sachsida deixam claro que o governo não sucumbiu a uma visão liberal simplista, que defende a redução do Estado a qualquer custo. Pelo contrário, ambos enfatizam a necessidade de ampliar a atuação estatal na economia em momentos críticos, com uma ressalva importante: uma vez superada a crise, o governo assumiria novamente o controle sobre o gasto público. Ademais, a agenda de reformas microeconômicas para aumentar a produtividade da economia continuaria em andamento para garantir o fortalecimento estrutural da economia brasileira.

A política econômica brasileira ofereceu grandes lições ao mundo, inclusive aos países desenvolvidos. Em um artigo recente intitulado Fiscal Consequences of the US War on COVID (“Consequências Fiscais da Guerra dos EUA contra a COVID”), os economistas, George J. Hall e o prêmio Nobel Thomas Sargent destacam que, assim como nas duas guerras mundiais, a “guerra” contra a COVID deve resultar em um aumento permanente na relação entre gastos públicos e PIB. No entanto, ao contrário do que ocorreu após as duas grandes guerras, não houve um aumento nos tributos para financiar esses gastos, o que deve fazer a dívida pública dos Estados Unidos crescer consideravelmente nos próximos anos.

No Brasil, por outro lado, o governo Bolsonaro conseguiu reduzir a relação dívida-PIB em comparação a 2019, mesmo com os gastos extraordinários relacionados à pandemia. Em 2021 e 2022, o país alcançou superávit primário e experimentou um crescimento econômico mais acelerado, contribuindo para a queda dessa relação. Em outras palavras, enquanto nos Estados Unidos o custo da pandemia foi transferido para as futuras gerações, no Brasil a sociedade já arcou com grande parte desse ônus.

Para aqueles que acompanharam de perto a política econômica do Brasil durante o governo Bolsonaro, o livro pode não trazer grandes surpresas. Os autores narram com mais profundidade os objetivos e os desafios das medidas econômicas implementadas ao longo do mandato, fazendo um balanço dos resultados de suas gestões. Trata-se, portanto, de um registro histórico de um período único, em que o Brasil experimentou uma das poucas agendas de liberalização econômica de sua história.

No entanto, a análise da política econômica brasileira entre 2019 e 2022 não deve se encerrar com este livro. É crucial que outros economistas se aprofundam nesse período para analisar os efeitos de longo prazo das reformas implementadas, realizar análises comparativas mais abrangentes sobre a eficácia das políticas adotadas no Brasil em comparação com outros países durante a pandemia e avaliar contrafactuais. Seria um exercício muito proveitoso avaliar como a economia poderia ter se comportado durante a pandemia com as propostas da oposição ou como a economia estaria se desenvolvendo atualmente com a continuidade da agenda econômica de Guedes e Sachsida.

Hoje, o Brasil enfrenta novamente um cenário de incertezas fiscais, mesmo sem a crise da pandemia. A inflação está em alta, os títulos públicos oferecem taxas reais próximas a 7%, e o câmbio se aproxima de R$ 6,00 por dólar. O debate sobre diferentes projetos para o país é essencial em uma democracia saudável, e o livro de Guedes e Sachsida é uma leitura fundamental para entender o embate de ideias que moldam essas discussões.

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