A guerra contra a razão: o populismo econômico na América Latina
Em pleno século XXI, os países latino-americanos continuam flertando com o populismo econômico
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Em um discurso recente, o Ministro da Economia, Paulo Guedes, disse que “o Brasil está condenado a crescer”. Concordo com o Ministro. Aliás, estenderia sua análise, dizendo que toda a América Latina está condenada a crescer. A região é caracterizada por sua vasta diversidade cultural, econômica, mineral e biológica. Aliás, o processo de desenvolvimento econômico acelerado do continente não seria uma novidade. Não é por coincidência que somos o continente com maior diversidade étnica do planeta. Atraímos milhões de imigrantes europeus e asiáticos a partir do século XIX, pois a América Latina tinha um grande potencial para se desenvolver.
No período posterior a Segunda Guerra Mundial, por exemplo, a América Latina experimentou anos áureos, de forte crescimento econômico. Contudo, a partir do fim da década de 1970 começamos a tropeçar economicamente. Se na década de 1970 a América Latina parecia ser a nova fronteira de desenvolvimento econômico do mundo, hoje somos conhecidos como o continente que ficou para trás. Enquanto os países do continente viram suas economias estagnarem, a Ásia nos deixou no clube do atraso e se tornou uma das regiões mais dinâmicas do mundo. Assim sendo, compreender as origens de nosso subdesenvolvimento torna-se um exercício fundamental para superarmos as principais barreiras que nos impedem de avançar.
Parece-me incontestável que o enigma do subdesenvolvimento latino-americano está diretamente associado com as ideias que teimam a dominar a cultura e a política de nossa região. O populismo fincou suas raízes no continente. Quando pensamos que nos livraríamos dele, o populismo econômico voltou a atacar. Desafortunadamente, o populismo age como uma mistura de doença parasitária e transtorno bipolar. Imediatamente, as políticas populistas levam a economia e a população a euforia. No decorrer do tempo, como uma doença parasitária, a política populista vai lentamente degenerando a saúde econômica do país. Quando a infecção populista compromete todo o sistema econômico, a população passa a perceber a gravidade da situação. Contudo, nesse estágio já não há remédio para evitar a depressão.
Perdoem-me, leitor, por esta digressão. Contudo, a analogia entre o populismo e as doenças parasitárias e o transtorno bipolar se fez necessária para esclarecer minha incredulidade com duas notícias que li essa semana sobre o populismo na América Latina. Uma dessas notícias discorria sobre os planos do governo argentino em declara uma verdadeira “guerra contra inflação” no país, que consegui superar – acreditem se quiserem – os níveis de inflação venezuelanos! Segundo o presidente argentino, Alberto Fernández, é preciso “terminar com os especuladores”. Para Fernández, a crise econômica e o descontrole inflacionário de seu país não são resultados dos recorrentes déficits das contas públicas e da expansão monetária desenfreada que o setor público impôs a economia, mas, sim, culpa do setor empresarial argentino. As falas do presidente da Argentina só podem refletir duas coisas: má-fé ou desconhecimento dos princípios elementares da economia. Em ambos os casos o presidente deveria renunciar, seja por sua incapacidade intelectual, seja por seus desvios morais. No entanto, o mais assustador é que parte da sociedade compra esse discurso. Assim como em uma boa história, é preciso ter um vilão. E os vilões ideais sempre são os “capitalistas malvadões”. Só resta que os defensores deste contorcionismo mental expliquem o porquê de os capitalistas argentinos serem mais malvadões que os brasileiros, europeus ou americanos – locais onde as taxas de inflação são inferiores às experimentadas na Argentina.
No Brasil, desde 2016, o populismo econômico vulgar foi posto de lado pelas lideranças do país. No entanto, a segunda notícia que me deixou surpreso, mostra que grande parte da população brasileira ainda defende ideias comprovadamente ineficazes e nocivas ao crescimento de longo prazo do país. Segundo uma pesquisa divulgada na última quarta-feira (16) pela CNN Brasil, 8 em cada 10 brasileiros concordariam com o tabelamento de preços. É verdade que o aumento das taxas de inflação, que superam 10% nos últimos doze meses, têm causado grandes transtornos ao orçamento familiar dos brasileiros, especialmente dos mais vulneráveis.
Contudo, o tabelamento seria uma medida desastrosa para a economia do país. Em um primeiro momento, todos ficariam felizes com os preços mais baixos. No entanto, em pouco tempo, o resultado seria o desabastecimento e o surgimento de um vasto mercado negro no país. Caso a população realmente queira combater a alta dos preços ela deveria apoiar o aumento das taxas de juros e a redução dos gastos do governo. Muitos poderiam argumentar que a defesa do tabelamento seria fruto do desconhecimento da população sobre as teorias econômicas. Entretanto, tal argumento não me parece válido.
Na realidade, os defensores do tabelamento de preços parecem enfrentar um tipo de amnésia, em que o esquecimento fica restrito aos episódios de terraplanismo econômico implementados nas últimas décadas no país. Parece que ainda não aprendemos com os fracassos das políticas heterodoxas dos planos, Cruzado, Bresser, Verão, Collor I e Collor II, ou com as intervenções econômicas esdrúxulas estabelecidas no Governo Dilma, como o controle de preço da energia. Em suma, defender essas ideias nada mais é do que uma expressão de loucura. Afinal, como diria Albert Einstein, “insanidade é fazer a mesma coisa várias e várias vezes esperando obter um resultado diferente”.
Em última instância, o atraso latino-americano está intrinsecamente ligado as ideias dominantes sobre a população. A adesão à economia de mercado sempre foi o principal mecanismo para o desenvolvimento de determinado país. Não é por acaso que a Ásia está se consolidando como o principal polo econômico mundial. Países como China, Japão, Coréia do Sul, Cingapura e Malásia conseguiram abandonar o subdesenvolvimento quando abraçaram os mercados globais. Na América Latina fizemos o caminho contrário. Adotamos um sistema de substituição de importações ao invés de construir vantagens comparativas em determinados setores, para expandir nossas exportações. Colocamos o assistencialismo populista na frente de investimentos em educação, pesquisa e inovação. Nós ficamos de costas para a economia global e hoje pagamos o preço por isso.
Ainda temos a oportunidade de corrigir esses erros. Entretanto, o sucesso econômico da América Latina dependerá de uma verdadeira revolução cultural no continente. Não prego aqui, como os neomarxistas e pós-modernistas, uma revolução pela destruição dos costumes tradicionais e de valores morais, os quais são os alicerces de nossa sociedade. Pelo contrário, defendo a propagação do racionalismo econômico pela sociedade. Não existem soluções econômicas fáceis. Assim como nenhum físico pode “congelar” a lei da gravidade, nenhum economista pode “congelar” o sistema de preços.
O desenvolvimento econômico só pode ser fomentado com medidas que estimulem o desenvolvimento tecnológico, atraiam investimentos e aumentem a confiança de indivíduos e empresa na economia. Caso contrário, estaremos fadados ao subdesenvolvimento. Enfim, deveríamos seguir os sempre atuais ensinamentos de Roberto Campos, que certa vez disse: “a primeira coisa a fazer no Brasil é abandonarmos a chupeta das utopias em favor da bigorna do realismo”.
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