A Eterna Queda do Dólar
Por décadas, economistas e políticos têm previsto o declínio iminente do dólar como a principal moeda de reserva internacional. Será que eles estão certos agora?
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Nos últimos dias, um tema muito relevante sobre a economia política internacional voltou à tona: a hegemonia monetária do dólar. Em recente visita à China, o mandatário brasileiro questionou diversas vezes a necessidade de se fazer comércio em dólar e citou a possibilidade de se criar uma moeda comum entre os BRICS. Lula não foi o único a questionar o papel do dólar no sistema monetário internacional. Donald Trump, ex-presidente americano e candidato à presidência dos Estados Unidos em 2024, disse que a China deseja modificar o sistema monetário internacional. Trump ainda declarou que, caso isso ocorra, seria como se os Estados Unidos perdesse uma guerra mundial, assim, o país se transformaria em uma nação de “segunda linha”.
Evidentemente, quando qualquer discussão política atinge um tema econômico, centenas de “especialistas econômicos” começam a emitir opiniões mesmo sem um estudo cuidadoso do assunto. Não por acaso, há décadas economistas preconizam o fim da hegemonia monetária do dólar. Contudo, o desastre nunca se confirma. E continuará não se confirmando pelos próximos anos.
Em primeiro lugar, o fim da hegemonia do dólar dependeria da sua substituição por uma moeda de um país que possua duas características fundamentais: fluxo de capitais livres e mercado de capitais altamente desenvolvidos. A China, por exemplo, não tem essas características. Sendo assim, como países emergentes, como o Brasil, manteriam reservas internacionais em renminbi se o Banco Central do Brasil não tiver liberdade para fazer transações com a moeda chinesa? Atualmente, o euro é a única moeda alternativa ao dólar que oferece fluxo de capitais livres e possui um mercado de capitais desenvolvidos. Ainda assim, o mercado de capitais americanos representa 60% do mercado de capitais do mundo. Portanto, é inevitável que o dólar seja a moeda preferida pelos investidores internacionais.
Em segundo lugar, a criação de uma moeda supranacional para suplantar o dólar, como a sugerida moeda dos BRICS, criaria outros problemas políticos e econômicos. Por um lado, o país com maior poder político teria maior influência sobre a política monetária a ser implementada. Ou seja, apenas trocaríamos o “imperialismo monetário” americano pelo chinês. Por outro lado, como ocorre na Zona do Euro, a política monetária de uma moeda supranacional é problemática, pois cada um tem uma preferência de inflação e ambientes econômicos distintos. Dessa forma, a política monetária que estaria auxiliando determinados países do bloco poderia causar desequilíbrios nos outros países.
Em terceiro lugar, se o sistema monetário internacional evoluísse para um sistema de “multimoedas”, o risco de crise financeira seria substancialmente maior. Atualmente, o Federal Reserve (Banco Central dos Estados Unidos) atua como prestamista internacional de última instância ao oferecer linhas de swap cambial para outros bancos centrais, garantindo que outros países tenham acesso a dólares durante crises de liquidez. Em um sistema de “multimoedas”, a coordenação monetária necessária para atender às necessidades de liquidez de cada país seria tão complexa que os riscos de crises globais seriam muito maiores e muito mais frequentes.
Por fim, o país detentor da moeda de reserva internacional precisa ter instituições fortes para ser confiável. Apenas democracias e países com sistemas judiciais previsíveis e eficientes podem assegurar a confiança de outros países e investidores em manterem grande parte de seus ativos denominados em moeda estrangeira. Não é coincidência que a libra era a principal moeda de reserva internacional antes do dólar. Os dois países têm democracias sólidas e sistemas judiciários que se baseiam na common law. Sendo assim, os Estados Unidos e o Reino Unidos são considerados países confiáveis por outras nações.
Já faz tempo que se prevê a queda do dólar. No início dos anos 1960, o economista belga-americano Robert Triffin afirmava que os déficits na balança de pagamentos dos Estados Unidos causariam o colapso do dólar. Durante o governo Nixon, o fim da convertibilidade e da paridade entre o dólar e o ouro era considerado o início do fim do sistema monetário internacional baseado no dólar. Para muitos, a estagflação nas décadas de 1970 e 1980 afetaria a confiança internacional do dólar. A crise financeira de 2008 tornou-se novamente o indicador da iminente queda da moeda americana. Os presságios sobre o fim do dólar estão, atualmente, ligados às tensões geopolíticas entre Estados Unidos, Rússia, China e outros países.
Apesar de tudo, o dólar sempre se mostrou resiliente, mesmo diante de grandes crises. Mesmo com a economia dos Estados Unidos ter perdido metade da participação no PIB global desde a década de 1960, o dólar continua sendo a moeda de referência para o sistema monetário internacional. Nenhum país no mundo possui a força econômica, institucional e militar que possa tornar sua moeda mais atraente que o dólar. Além disso, a criação de uma moeda global apresenta problemas econômicos e políticos intransponíveis.
Desde a Conferência de Bretton Woods, em 1944, os países procuram desafiar a supremacia do dólar. Nem mesmo o economista tão amado pela classe política, John Maynard Keynes, conseguiu emplacar a sua proposta de moeda global, o “bancor”. Queira ou não, os Estados Unidos é o país mais poderoso do mundo. Apesar das dificuldades políticas internas e de ter, atualmente, um governo incompetente, os Estados Unidos sempre superara os obstáculos que lhe foram colocados. Dessa forma, penso ser muito pretensão acreditar que outros países, com problemas internos ainda maiores que os Estados Unidos, conseguirão superar o dólar. Sendo assim, vale seguir a máxima do magnata americano Warren Buffett: “never bet against America”!
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