João Silva

Graduado em economia e relações internacionais pela Boston Univeristy. Mestre em relações internacionais na University of Chicago e mestre em finanças pela University of Miami.


João Victor da Silva Compartilhar
João Victor da Silva

A Crise da Coesão Social no Ocidente: O Papel Fundamental do Debate Livre

As sociedades ocidentais enfrentam um curioso paradoxo: a defesa da inclusão atráves da exclusão

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Imagem Ilustrativa. Foto: Pixabay (banco de imagens)
Imagem Ilustrativa. Foto: Pixabay (banco de imagens)

As sociedades ocidentais estão divididas. Contudo, essa realidade nem sempre foi assim. Em 1989, o cientista político Francis Fukuyama, em seu artigo “The End of History?”, sugeria que a humanidade estava a caminho de um “fim da história”, com o triunfo do liberalismo ocidental. Ele argumentava que, após a derrota do nazi-fascismo e do comunismo soviético, o mundo se encaminhava para a universalização das economias de mercado e da democracia liberal, estabelecendo uma era de estabilidade e consenso global.

De certo modo, as políticas internas das principais democracias ocidentais indicavam que suas populações se encaminhavam para um período de estabilidade. O sucesso eleitoral da chamada “terceira via”, representada por líderes como Bill Clinton, Tony Blair e Fernando Henrique Cardoso, parecia confirmar essa tendência. Esses líderes conciliavam políticas econômicas ortodoxas com agendas sociais liberais, configurando uma nova aliança que, ao que tudo indicava, consolidava o Ocidente como um modelo político e econômico aparentemente imbatível.

Contudo, essa aliança que inicialmente parecia vitoriosa acabou, ao longo de três décadas, fragmentando as sociedades ocidentais. A “terceira via” e suas correntes auxiliares, como o neoconservadorismo, o neoliberalismo e o progressismo, baseadas em diferentes utopias, contribuíram para a desestabilização global. Os neoconservadores acreditaram que poderiam invadir países e impor democracias ocidentais em qualquer lugar, ignorando as complexidades locais. Os neoliberais, por sua vez, negligenciaram que as instituições domésticas e internacionais que criaram e pretendem expandir escapam ao controle democrático, o que as torna carentes de legitimidade. Já os progressistas, com sua visão pós-marxista, veem opressão em todos os aspectos da sociedade. Portanto, seus proponentes, buscam suprimir tradições e culturas do Ocidente em favor de um antirracionalismo que abrange desde a ideologia de gênero até políticas baseadas no medo, que se estendem desde os perigos iminentes da crise climática até as medidas extremas de combate à pandemia.

Após a Crise Financeira Global de 2008, começou a emergir uma reação significativa contra essas políticas. A ascensão dos chamados movimentos “nacional-populistas” ocorreu como uma resposta ao sistema político que formou essa abrangente aliança entre neoconservadores, neoliberais e progressistas. Essa disputa vai além da tradicional dicotomia entre esquerda e direita; trata-se de um embate entre o sistema estabelecido e as forças antissistema. Embora esses movimentos sejam frequentemente agrupados sob o mesmo rótulo, eventos como o Brexit, a eleição de Donald Trump, Bolsonaro e Javier Milei são fenômenos fundamentalmente distintos, refletindo contextos e coalizões diferentes. No entanto, a reação do establishment — o sistema estabelecido — a esses grupos foi marcadamente semelhante.

Em vez de buscar entender o descontentamento de uma parcela significativa da sociedade com o regime político vigente, seus líderes optaram por atacar esses movimentos, deslegitimando suas preocupações. Como se estivessem isolados em uma torre de marfim, passaram a acreditar deterem o monopólio da verdade e começaram a ver todos que pensam de forma diferente como uma ameaça — à democracia, ao clima, aos direitos reprodutivos, entre outros. Pior ainda, muitas pessoas passaram a ser perseguidas, censuradas e até presas por expressarem suas opiniões. Esse fenômeno não se restringe ao Brasil; está presente em diversos países, como Estados Unidos, França e Reino Unido.

É evidente que muitos apoiadores dos movimentos nacional-populistas são, de fato, charlatões e defensores de utopias tão problemáticas quanto aquelas que afirmam combater. No entanto, a vasta maioria de seus membros são pessoas comuns que buscam o retorno de políticas e valores que até recentemente eram amplamente aceitos como senso comum. Geralmente, esses indivíduos desejam liberdade de expressão, educação básica para seus filhos em vez de propaganda política nas escolas, e oportunidades para prosperar. De fato, muitos líderes considerados “nacional-populistas” já estiveram alinhados com partidos de orientação mais à esquerda no passado. Nos Estados Unidos, por exemplo, Donald Trump, Elon Musk e Robert F. Kennedy Jr. eram ligados ao Partido Democrata. E por que eles se distanciaram do partido? A razão principal foi a percepção de que o partido havia se afastado de princípios essenciais para o funcionamento saudável de uma sociedade, como a defesa da liberdade de expressão, o apoio a uma economia de mercado e a garantia da igualdade perante a lei.

A questão que se coloca é: será possível aliviar as tensões que dividem nossa sociedade? O primeiro passo é recusar a defesa da inclusão através da exclusão. Não podemos promover políticas sociais ditas “inclusivas” ao silenciar o debate e rotular todos os discordantes como preconceituosos ou buscar a censura. Todas as utopias são perigosas porque são inatingíveis e, quando perseguidas sem limites, costumam resultar em tragédias. Desde a Revolução Francesa até a Revolução Venezuelana, o que frequentemente se vê são derramamentos de sangue e diversas formas de opressão.

O Ocidente obteve sucesso justamente ao afastar-se das utopias. A Declaração de Independência dos Estados Unidos, por exemplo, destaca três direitos inalienáveis: a vida, a liberdade e a busca da felicidade. Este documento não propõe um modelo de sociedade específico, mas sim defende a dignidade humana. Para reunirmos nossas sociedades, é fundamental que a imprensa, a academia, os sindicatos, os legisladores, o poder Executivo, os juízes e toda a população voltem a reconhecer os princípios fundamentais que permitiram ao Ocidente prosperar. O livre debate e o pensamento crítico são essenciais para alcançar maior estabilidade e liberdade em nossas sociedades. A desconfiança em relação às autoridades não deve ser considerada um “ataque à democracia”. Pelo contrário, é um aspecto fundamental da democracia questionar e debater.

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