A primeira Indicação de Procedência de vinhos de Santa Catarina

Foi tomando rumo ao sul do estado por ocasião de férias que, passando próximo, ocorreu-me pensar em falar sobre um assunto um tanto desconhecido para grande parte dos que nos leem: a primeira Indicação de Procedência catarinense de vinhos.

Um brinde com surpresa?

Grande parte dos catarinenses, em especial os que têm menos de 50 anos, imaginariam que a primeira Indicação de Procedência (IP) de vinhos fosse no Planalto Catarinense. De fato, de lá é que tem saído a maior parte dos vinhos de prestígio de SC na atualidade. Porém, a região é extremamente nova, tendo recebido a segunda IP apenas nesse ano.

Por outro lado, para os leitores mais experimentados, não é nenhuma surpresa que a região produza vinhos, especialmente para aqueles que moram no sul do estado. Minha avó materna era de Tubarão e contava que o pai dela buscava pelos vinhos de Urussanga, vendidos em grandes garrafões de vidro.

O desconhecido parente partilhava o gosto pelo vinho de Urussanga com uma ilustre figura pública. Conta-se que Getúlio Vergas, então presidente do país, apreciava-os tanto a ponto de ter ordenado a criação de uma estação de pesquisa para estudá-los.

Goethe: a inspiração regional

Os que pensaram que falávamos de Johann Wolfgang von Goethe, o famoso escritor alemão, erraram. Ele foi a inspiração para o nome de uma uva, esta sim, por sua vez, a inspiração para os vinhos da região carbonífera de SC. Porém, a origem da casta não é a Alemanha, mas sim os Estados Unidos.

A Goethe é uma uva branca que apresenta marcado aroma a frutas e flores brancas, além do tradicional “aroma de uva”, partilhado em quase todas as uvas de origem americana e daquelas derivadas destas por cruzamento, caso da uva do sul do estado. Houve uma mutação que trouxe cor rosada às cascas, originando o clone “Goethe Primo”.

O vinho Goethe

Quaisquer dos clones se destinam à elaboração de vinhos de mesa leves, com baixo teor alcoólico e acidez presente e bem equilibrada, brindando frescor aos vinhos. Dela também se pode produzir espumante e vinho licoroso. Comenta-se que a proximidade ao mar traz salinidade ao sabor, porém essa nem sempre é uma teoria com aceitável explicação científica, sobretudo porque os solos da região são ricos em minerais, e estes, sim, contribuem com a sensação salgada nos vinhos, de modo diretamente proporcional à sua presença.

Por que um vinho de uva híbrida conseguiu tamanha diferenciação?

Aí vem um ponto importante: a Indicação Geográfica é um reconhecimento do INPI de produtos ou serviços reconhecido por atributos que são essencialmente devidos ao local de onde são produzidos, incluindo quaisquer aspectos, como clima, solo e trabalho humano.

A uva Goethe é encontrada apenas em Urussanga e cidades contíguas, e o vinho vem sendo elaborado com técnicas tradicionais, sobretudo macerando-se brevemente a casca das uvas no seu mosto (o “suco”). Passou de geração a geração, até hoje as vinícolas pertencem as mesmas famílias. O vinho é um importante elemento da identidade e da cultura locais.

Daí se entende como foi possível a obtenção da Indicação Geográfica (IG) em nível de Indicação de Procedência (SC ainda não tem nenhuma Denominação de Origem), pois trata-se do reconhecimento de um produto local e fortemente influenciado pelas características intrínsecas do meio onde está. Não é por menos que ela se chama “IP Vales da Uva Goethe”.

IG não é um certificado de qualidade, mas um reconhecimento de características próprias. No entanto, não há nenhum impedimento para que vinhos de uvas americanas e híbridas tenham qualidade. Menos impedimento ainda existe em gostar desses vinhos: no final, é tudo uma questão de gosto. Deixo-vos, mas não sem antes dizer que a tal avó deixou-nos recentemente, com 103 anos. Contava orgulhosa que alguns de seus segredos eram uma colher de mel logo ao acordar, e uma taça de vinho acompanhando as refeições. Porque não ouvir os mais velhos?

Santé!

por Jucelio K. Medeiros

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