João Silva

Graduado em economia e relações internacionais pela Boston Univeristy. Mestre em relações internacionais na University of Chicago e mestre em finanças pela University of Miami.


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BRASIL À DERIVA

Brasil à deriva: a cumplicidade da sociedade na desordem institucional

A crise política e institucional que o Brasil enfrenta é fruto de uma sociedade civil fraca.

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Brasil à deriva: a cumplicidade da sociedade na desordem institucional | Foto: Reprodução
Brasil à deriva: a cumplicidade da sociedade na desordem institucional | Foto: Reprodução

O Brasil não atravessa dias de normalidade política e institucional. Nos últimos anos, o país parece ter embarcado em um concurso para ver quem consegue atacar com mais eficácia os alicerces dos direitos naturais dos cidadãos, do império das leis, da prosperidade econômica e da coesão social. De um lado, temos o Judiciário, que, em vez de se limitar a aplicar a Constituição, decidiu que seria mais interessante se tornar a maior fonte de insegurança jurídica do país, assumindo o papel de um verdadeiro “suprapoder”, legislando e tomando decisões sem amparo no texto constitucional. De outro, o Executivo, que resolveu brincar com o futuro econômico, pisando fundo no acelerador do populismo fiscal e avançando com uma agenda regulatória hostil ao mercado. Por fim, nossos legisladores seguem omissos, trocando a prosperidade e a liberdade da população por umas “emendas PIX” e uns cargos burocráticos aqui e ali.

A situação política e institucional do Brasil é, no mínimo, desastrosa. Criticar os líderes dos três poderes pela calamidade em que estamos é a parte fácil. Difícil mesmo é admitir que nós, enquanto sociedade civil, também somos cúmplices dessa desordem. As lideranças políticas podem ser os arquitetos e executores do caos, mas temos assumido, sem muita resistência, o papel de cúmplices negligentes e, em muitos casos, de verdadeiros mandantes da bagunça em que se transformou o país.

Em nenhuma sociedade funcional as lideranças políticas abusam de seus poderes de forma contínua e avassaladora sem enfrentar consequências. Um exemplo recente veio do Reino Unido. Quando o escândalo do “Partygate” — festas realizadas na residência oficial do primeiro-ministro durante as severas restrições impostas à população na pandemia — veio à tona, Boris Johnson e membros de seu governo foram investigados e, sob intensa pressão do eleitorado, Johnson renunciou. Logo em seguida, nas eleições gerais de 2024, o Partido Conservador registrou o pior desempenho eleitoral de sua história. Ou seja, no Reino Unido, até a mera hipocrisia governamental desencadeou uma forte reação social, culminando na queda do governo.

Em terras tupiniquins, a omissão da sociedade diante das medidas mais absurdas virou a norma. De um lado, muitos jornalistas, veículos de imprensa e suas entidades representativas passaram a se omitir, ou até mesmo a apoiar o cerceamento da liberdade de expressão, incluindo a censura de outros meios de comunicação. Para a mídia brasileira, parece valer tudo, até arriscar sua liberdade futura, caso seja para silenciar certos grupos políticos malvistos pelos colegas de profissão.

Do outro lado, as entidades jurídicas pouco fazem para denunciar e combater as atrocidades jurídicas que ocorrem diariamente no país, como inquéritos inquisitoriais e até mesmo a expropriação de recursos de empresas estrangeiras. Em vez disso, as lideranças do mundo jurídico parecem mais preocupadas em frequentar belos jantares, regados a uísques e charutos finos, no Lago Sul de Brasília. Afinal, manter um “bom trânsito” nos tribunais parece mais importante do que a qualidade técnica da defesa de seus clientes.

A inércia também se estende às entidades empresariais. Suas lideranças se concentram mais em jantares de gala, viagens internacionais e outras vantagens do seu cargo do que em se opor às aberrações como a Reforma Tributária e a sanha arrecadatória do governo, que tem tudo para impedir o crescimento do setor produtivo do país.

E a população? Ela também contribui para a degeneração das instituições, independentemente da classe social. Isso fica ainda mais evidente nas eleições municipais em curso. Quase todos conhecemos algum amigo ou familiar engajado na campanha de candidatos a prefeito ou vereador notoriamente corruptos, apenas para garantir um cargo público que trará pouco ou nenhum benefício à sociedade. Muitos chegam a vender seu voto por quantias irrisórias. Na chamada “alta sociedade” brasileira, a cumplicidade com a corrupção também é comum. Engana-se quem pensa que corruptos convivem apenas com seus semelhantes. Muitas pessoas, embora vivam de forma aparentemente honesta, continuam mantendo relações com figuras notoriamente corruptas — até mesmo condenadas — em troca de convites para as grandes festas patrocinadas por eles.

Seja por interesses pessoais ou motivações políticas, a trágica realidade é que a sociedade civil brasileira se corrompeu nos últimos anos. O avanço do autoritarismo e do populismo no Brasil só prospera porque essa corrupção penetrou profundamente, especialmente entre os líderes das organizações que deveriam representar a população — sindicatos, entidades profissionais, empresariais e afins. Se a sociedade civil estivesse realmente ativa e vigilante, o poder político do país não teria sido usurpado por tão poucos atores, como vemos hoje. A boa notícia é que uma parcela significativa da população brasileira está consciente dos desafios que o país enfrenta e sabe quais caminhos podem devolver a nação à rota da liberdade e da prosperidade. O que falta a esses brasileiros é organização: criar novas entidades ou ocupar os espaços das já existentes para realizar o trabalho árduo de denunciar abusos e promover as reformas necessárias. Somente assim será possível restabelecer a normalidade democrática e garantir um crescimento econômico sustentável para o Brasil.

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