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Benefício

Fim da “saidinha” impedirá que cerca de mil detentos de SC saiam às ruas

A interrupção do benefício foi aprovada pelo Senado Federal na noite de terça-feira (20). 

• Atualizado

Vitória Hasckel

Por Vitória Hasckel

Foto: SAP | Divulgação
Foto: SAP | Divulgação

Prevista na Lei de Execução Penal, a saída temporária, conhecida popularmente como “saidinha” é um benefício concedido exclusivamente para os internos do regime semiaberto, com bom comportamento, que já tenham cumprido pelo menos 1/6 da pena, no caso de réus primários, e 1/4 para reincidentes, entre outros requisitos analisados pelos juízes da Execução Penal. Contudo, a interrupção definitiva da concessão do benefício está em discussão no Congresso Nacional, tendo sido aprovada pelo Senado Federal na noite de terça-feira (20). 

O Projeto de Lei (PL) 2.253/2022 sobre o fim da saída temporária de presos foi de autoria da Câmara dos Deputados, e visa revogar o artigo 122 da Lei de Execução Penal (Lei 7.210, de 1984). Pela legislação em vigor, o benefício autoriza que detentos saiam até cinco vezes ao ano, sem vigilância direta, para visitar a família, estudar fora da cadeia ou participar de atividades que contribuam para a ressocialização. O benefício pode ser solicitado em qualquer período do ano, mas a maioria dos pedidos se concentram em feriados, como dias das Mães, dos Pais e Natal. 

Desde a aprovação do pacote anticrime em 2019, o benefício é vedado a pessoas condenadas por crimes hediondos que resultaram em morte.

Com o novo projeto, a lei permitirá apenas saídas de presos que estudam, proibindo a saída para visitas a familiares. O texto, aprovado no Senado com 62 votos favoráveis, dois contrários e uma abstenção, voltará para a análise da Câmara dos Deputados e depois, se aprovado pelos deputados, seguirá para sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Entretanto, a tramitação do projeto vem levantando discussões quanto a constitucionalidade e dividindo opiniões entre aqueles que concordam e aqueles que discordam da suspensão do direito.

Senadores e representantes públicos acreditam que o benefício da saída temporária, como está garantido na lei, coloca toda a sociedade em risco e precisa ser interrompido. “O projeto acaba com as saídas temporárias em feriados, o que é diferente da autorização para o preso estudar ou trabalhar fora do presídio quando em regime semiaberto ou em regime aberto. (…) Por ter total pertinência, obviamente, nós resgatamos esse instituto, que, de fato, contribui para a ressocialização dos presos, que é a possibilidade de estudarem, de fazerem um curso profissionalizante”, explicou o relator, o  senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ).

Como votaram os senadores catarinenses

Dos três senadores catarinenses, dois estavam presentes na votação, Esperidião Amin (PP) e Ivete da Silveira (MDB), e votaram a favor do Projeto de Lei.

Esperidião Amin
Esperidião Amin. Foto: Pedro França/Agência Senado

“Toda aquela controvérsia, porque esse projeto sofreu muita controvérsia, foi dirimida pelo avanço do crime. A dor ensina a gemer e as pessoas que têm alguma energia, ela anima a reagir. Esta é uma reação democrática, legal. Eu me sinto em condições de dizer aos que me cobraram que a saída temporária sai de circulação porque exorbitou”, disse Amin durante a votação no Senado.

Ivete da Silveira
Ivete da Silveira. Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado

“Votei a favor desse projeto, e dessa forma reafirmo o meu compromisso com o bem-estar e a segurança do povo catarinense. É importante destacar que o aumento da criminalidade durante esses períodos justifica uma lei mais severa. Esperamos que os deputados façam sua parte e também aprovem o projeto”, destacou também a senadora Ivete.

Jorge Seif Junior
Jorge Seif. Foto: Alan Santos, Presidência da República

O senador Jorge Seif (PL) está em viagem a Dubai e se ausentou do plenário. “Precisamos celebrar nossas vitórias. A saidinha é vergonhosa para nossa população, para a justiça, para as vítimas e para as forças policiais. É um grande primeiro passo para corrigirmos tantos problemas para a liberdade que a legislação dá para criminosos”, disse Seif. 

Secretaria de Segurança Pública de SC se posiciona sobre a suspensão da “saidinha”

Para o Secretário de Segurança Pública de Santa Catarina, Carlos Henrique de Lima, o Sargento Lima, o benefício não atende ao interesse público.

Sargento Lima.
Sargento Lima. Foto: Bruno Collaço/Agência AL

“Nós somos vítimas em potencial. A qualquer momento podemos ser vítimas de uma minoria que foi beneficiada por uma lei impensada e incorreta. A saidinha não atende ao interesse público e a suspensão do direito é algo que agora é indiscutivelmente necessário”, pontua Sargento Lima. Ele afirma ainda que uma grande parcela dos brasileiros não pode ficar “refém de uma minoria, que está colocando a vida de pessoas trabalhadoras em risco”.

“Se defende muito hoje a teoria da libertação carcerária, da flexibilização e da permissividade com delitos. Isso faz com que a sociedade perca o seu senso de responsabilidade, uma vez que o Estado não pune aquele que deveria ser punido”, destaca o secretário, que acredita que é necessário que a população mostre para a Câmara de Deputados que não pode “ficar refém” de uma minoria, para que assim, ”Santa Catarina não pague mais uma vez pelas más escolhas feitas no Brasil”. 

MPF classifica PL como inconstitucional

Em entrevista à Agência Brasil, o secretário Nacional de Políticas Penais (Senappen), Rafael Velasco, afirmou que o debate do Congresso sobre a Lei de Execução Penal é “absolutamente relevante” e urgente. Entretanto, a extinção do benefício foi classificada como inadequada pelo secretário. “É um benefício humanitário, ele serve para reintegração social progressiva do preso, serve dentro dos processos de ressocialização dele, uma aproximação tanto familiar quanto social”, disse à Agência Brasil.

Para o Grupo de Trabalho Interinstitucional de Defesa da Cidadania, do Ministério Público Federal (MPF), o texto do Projeto de Lei que visa acabar com as saidinhas é “flagrantemente inconstitucional”. “As chamadas ‘saidinhas’ são um importante instrumento de ressocialização e reconstrução dos laços sociais, fortalecendo os vínculos familiares e contribuindo para o processo de reintegração social da pessoa em privação de liberdade”. 

“Crimes praticados por uma minoria de condenados que fez mau uso do instituto da saída temporária, não pode servir de justificativa para penalizar uma imensa maioria de beneficiados que cumpriram fielmente as condições que lhes foram impostas e se encontram em pleno processo de ressocialização”, diz o texto do GT.

Rodolfo Macedo, jurista especialista em Direito Penal explica que o sistema penal brasileiro estabelece que a principal função da pena de prisão é reintegração social das pessoas em privação de liberdade, e que a saída temporária auxilia nisto, uma vez que é um “voto de confiança” dado ao preso. “As saídas temporárias são uma espécie de teste para ver se os detentos estão prontos para voltar a viver em sociedade. Porque, no final das contas, a pena criminal serve, e a lei diz isso, para reintegrar harmonicamente esse sujeito dentro da sociedade”, explica Macedo. 

Segurança pública e as saidinhas

Dois pontos estão no centro das discussões sobre o fim das saídas temporárias. Em primeiro lugar estão os crimes cometidos por detentos que estão gozando do direito. O Projeto de Lei inclusive ganhou força após o homicídio do sargento Roger Dias da Cunha, da Polícia Militar de Minas Gerais. Dias foi baleado na cabeça no dia 5 de janeiro de 2024, após uma abordagem a dois suspeitos de furtarem um veículo em Belo Horizonte. O autor dos disparos era um beneficiado pela saidinha que deveria ter voltado à penitenciária em 23 de dezembro e era considerado foragido da Justiça.

De acordo com a SENAPPEN, os estabelecimentos prisionais de Santa Catarina possuem capacidade para comportar 20.173 presos, contudo, a ocupação está em 24.595, o que corresponde a uma taxa de ocupação de 121,92%.

Dados divulgados pela Secretaria Nacional de Políticas Penais (SENAPPEN), por meio da Diretoria de Inteligência Penitenciária (DIPEN), no dia 7 de fevereiro, trazendo dados preliminares relativos ao segundo semestre de 2023, apontam que entre julho e dezembro de 2023, foram concedidas 132.559 saídas temporárias, com Santa Catarina em terceiro lugar no número de liberações, com 12.277. Ao todo, 7.078 detentos, sendo 6.809 homens, não retornaram de saidinhas temporárias no país.

Segundo dados da Secretaria de Administração Prisional e Socioeducativa de Santa Catarina, se considerado os feriados de Páscoa, Dias do Trabalho, das Mães, dos pais, das Crianças e Natal, foram 4.488 liberações de saidinhas para apenados. Nestes feriados, 133 detentos não retornaram da saidinha, sendo que 93 foram recapturados e 40 seguem foragidos.

“Existem consequências pesadíssimas para quem descumpre a saída temporária. Seja praticando outro crime ou simplesmente não voltando, o detento piora a própria situação. Ele vai ficar mais tempo preso, perder o direito às outras saídas, vai perder uma parte dos dias trabalhados para diminuir a pena e pode até regredir de regime, voltando para o fechado. Acabar com a saída temporária não vai mudar absolutamente nada na criminalidade. Isso é fato”, explica Macedo. No caso de detentos que durante a saidinha cometeram outro crime eles serão julgados, podendo ser novamente condenados e assim ficar mais tempo presos. 

Há problemas com o fim da saidinha?

Para o advogado Rodolfo Warmeling, os impactos do fim da saída temporária causarão um efeito imediato nos próprios detentos, uma vez que o direito possibilita que presos mantenham conexão com suas famílias e com a sociedade. Além disso, Warmeling destaca que para muitos detentos, a saída temporária serve como um incentivo para o bom comportamento e para o cumprimento das regras estabelecidas pelo sistema prisional. 

“Precisamos ponderar que no Brasil não temos prisão perpétua e pena de morte, então, em determinado momento, qualquer criminoso do Brasil vai ser reinserido na sociedade. E a saída temporária, ela entra exatamente para isso e é importante para devagar adaptar o detento à sociedade, até chegar um momento que ele vai progredir por regime aberto”

Em termos de segurança pública, o fim da saída temporária levanta preocupações sobre o potencial aumento da tensão nas prisões e a necessidade de reforçar as medidas de controle e segurança dentro desses estabelecimentos. Para Warmeling, o Brasil vive uma crescente quanto a punição e restrição de direitos de pessoas presas, visando tentar combater a criminalidade e sem a oportunidade de liberdade temporária, alguns detentos podem se tornar mais propensos a se envolver em comportamentos de risco dentro das prisões.

“Na minha opinião, é de que quanto maior for a punição e quanto maior foi o grau de restritividade da pessoa presa ou da que responde ao processo penal, mais difícil é falarmos de ressocializar e prevenir o crime. Para fortalecer a segurança pública é preciso fortalecer as polícias, tanto militar quanto civil, o Poder Judiciário e o Ministério Público, além das Defensorias Públicas e principalmente as unidades prisionais.”, destaca Warmeling.

O advogado criminalista acredita, que se aprovado para Câmara de Deputados, o Projeto de Lei seja vetado pelo presidente Lula: “O que esperamos é que o presidente vete no que diz respeito à saída temporária, porque isso teria um efeito na população carcerária e eu não sei se o Brasil estaria apto, disposto e, principalmente, se será capaz de resguardar tamanha repulsa que nós teríamos do crime organizado como um todo, podendo o PL causar um efeito reverso de política de segurança pública”, finaliza o advogado.

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