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Uma década depois

“Eu só percebi que era fogo porque começou a me queimar”, relata sobrevivente 10 anos depois da tragédia da Boate Kiss

Tragédia que completa 10 anos nesta sexta-feira (27) vitimou 242 jovens e feriu mais de 600

• Atualizado

Mariana Pedrozo

Por Mariana Pedrozo

Foto: Instagram @ferreirakelenn/Reprodução
Foto: Instagram @ferreirakelenn/Reprodução

Santa Maria, Rio Grande do Sul, 27 de janeiro de 2013, rua dos Andradas, número 1925, 2h30 da manhã, Boate Kiss. O que era para ser apenas um momento de diversão entre jovens em uma boate da cidade conhecida como “Coração do Rio Grande”, se tornou uma tragédia jamais esquecida. 

O incêndio na Boate Kiss, uma das casas noturnas mais conhecidas da cidade, que nesta sexta-feira (27) completa 10 anos, vitimou 242 pessoas e feriu mais de 600. No momento em que as chamas começaram, a banda Gurizada Fandangueira fazia sua apresentação no palco da boate com efeitos pirotécnicos.

Devido ao material inflamável utilizado no isolamento acústico do local, o incêndio se alastrou rapidamente, produzindo uma fumaça tóxica e preta que causou a morte de 242 jovens e feriu mais de 600. 

Uma década depois: o que mudou? O que ocorreu com os sobreviventes? Os réus foram condenados? O Portal SCC10 conversou com Kelen Ferreira, de 29 anos, uma das sobreviventes da tragédia, que conta como está sua vida 10 anos depois. 

  • boate kiss
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Sobrevivente relata os momentos de pânico dentro da boate 

Kelen Ferreira tinha 19 anos no dia do incêndio. Havia ido ao local para se divertir com mais três amigas. “Chegamos lá por volta da 00h30, a fila estava enorme para entrar. Nós acabamos entrando na frente de uns conhecidos nossos, demos uma volta na boate, mas estava muito cheia e decidimos ficar na parte de cima, no bar de madeira”, conta Kelen. 

Ela relata também que no momento que as chamas iniciaram pensou que havia uma briga na boate.

“Parecia uma “boiada”… As pessoas da parte de baixo vieram para a parte de cima. Do local onde eu estava, não conseguia ver que era fogo. Nisso, as minhas amigas tinham ido ao banheiro e eu não fui porque não estava bebendo. Eu corri até a frente de um bar, escorreguei e caí. Quando eu levantei, vi um homem todo de branco. Não sei se foi Deus ou um anjo da guarda… Ele me parou e disse: tu não vai! E me puxou em direção à porta, eu corri novamente e não caí”. 

A sobrevivente conta ainda que percebeu o fogo somente quando conseguiu sair do local. “Eu caí na porta e daí percebi que era fogo porque começou a me queimar e o cheiro da fumaça era muito forte. Nesse momento, eu conversei com Deus e pedi para não morrer, que eu não queria morrer ali”. 

Kelen Ferreira teve 18% do corpo queimado e precisou amputar uma perna 

Em virtude do fogo que se alastrou na boate, Kelen teve 18% do corpo queimado, sobretudo os braços. “Eu fui a primeira pessoa a chegar no hospital, ninguém sabia o que havia acontecido, um amigo meu me socorreu. A minha sandália ficou presa no meu pé e eu não consegui tirar. A minha amputação foi em virtude disso, faltou circulação”, explica. 

Devido à gravidade das queimaduras, Kelen precisou ser levada para Porto Alegre (RS) para fazer o tratamento em um hospital especializado. “Fiquei 78 dias internada, desses fiquei 14 ou 15 entubada e em coma. Eu fiquei sabendo da minha amputação depois que eu acordei.”

“Foi muito difícil quando soube. Eu falei que queria uma prótese para dançar, para usar salto. O meu processo de aceitação durou sete anos”, conta. 

Foto: Instagram @ferreirakelenn/Reprodução

Kelen faz os tratamentos pelo plano de saúde  

Dias depois de sair do hospital, ainda em 2013, Kelen recebeu tratamento de fisioterapia, terapia ocupacional, pneumologia, cirurgia-plástica e psiquiatria, feito pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Mas, hoje, todo o processo é feito pelo plano de saúde. “De 2017 para cá eu faço acompanhamento com psiquiatra pelo meu plano de saúde e as medicações também”. 

Ela conta também que para conseguir as próteses foi necessário acionar a justiça do Rio Grande do Sul. “Em 2016 entrei na justiça, pois minhas próteses têm tempo de validade e demorei três anos para ganhar. Agora, vou entrar novamente, pois preciso delas a cada dois anos. Eu preciso delas para ter qualidade de vida”. 

O recomeço com a formatura no curso de Terapia Ocupacional 

Em 2015, dois anos após a tragédia, Kelen se formou em Terapia Ocupacional. Atualmente, ela mora e trabalha na cidade de Pelotas (RS). “Em 2017 eu assumi um concurso no Hospital Escola da Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Hoje eu atendo pessoas podendo retribuir tudo o que foi feito por mim naquela época”. 

Foto: Instagram @ferreirakelenn/Reprodução

Réus da tragédia foram julgados em dezembro de 2021 

Oito anos após a tragédia na Boate Kiss os quatro réus do caso foram julgados e condenados pelo Tribunal do Júri do Foro Central de Porto Alegre (RS). O julgamento que durou 10 dias reuniu familiares das vítimas e sobreviventes. No dia 10 de dezembro de 2021, Elissandro Callegaro Spohr, Mauro Londero Hoffmann, Marcelo de Jesus dos Santos e Luciano Augusto Bonilha Leão foram condenados. 

Foto: SBT News | Reprodução

Confira a sentença de cada um dos envolvidos 

  • Elissandro Spohr (Kiko), sócio da boate: 22 anos e seis meses de prisão homicídio simples com dolo eventual;
  • Mauro Hoffmann, também sócio da boate: 19 anos e seis meses de prisão por homicídio simples com dolo eventual 
  • Marcelo de Jesus, vocalista da banda Gurizada Fandangueira: 18 anos de prisão por homicídio simples com dolo eventual;
  • Luciano Bonilha, auxiliar da banda: 18 anos de prisão por homicídio simples com dolo eventual;

Réus foram soltos após anulação do júri 

Em  agosto de 2022, meses após a condenação, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul anulou o julgamento dos acusados. A decisão ocorreu após desembargadores da 1ª Câmara Criminal acolherem as apelações contra o juiz responsável pelo caso. Os advogados dos réus alegaram nulidades no processo e no júri. 

No dia 8 de agosto do mesmo ano, os quatro acusados foram soltos no Presídio Estadual de São Vicente do Sul e da Penitenciária Estadual de Canoas, ambos no Rio Grande do Sul. Para Kelen, a decisão foi uma surpresa. 

“Eu esperava que eles ficassem presos, pois quando tu não faz o correto, tu tem a intenção de cometer aquilo. Quando saiu a sentença, eu achei que eles ficariam presos, não achei que iria acontecer o que ocorreu. Eles têm parcela de culpa e precisam pagar pelo que fizeram. Teve a culpa de quem comprou o produto mais barato, de quem levantou o artefato para cima e não avisou ninguém que estava pegando fogo e do dono da boate de fazer uma reforma sem autorização”. 

Todo Dia a Mesma Noite: minissérie conta a história da tragédia 

Na última quarta-feira (25) estreou a minissérie “Todo Dia a Mesma Noite” que relata a história de tudo que aconteceu na Boate Kiss no dia da tragédia. Com o total de cinco episódios, o longa inspirado no livro da jornalista Daniela Arbex, mostra uma simulação da noite de terror e a luta por justiça liderada pelos pais das vítimas e sobreviventes. 

“Eu resolvi falar porque as pessoas precisam saber o que aconteceu. Assistindo à série será uma maneira das pessoas terem empatia, solidariedade e pensar que isso poderia ter acontecido com qualquer um de nós”, fala Kelen. 

O elenco da minissérie é composto por grandes artistas como Debora Lamm, Thelmo Fernandes, Paulo Gorgulho, Bianca Byington, Leonardo Medeiros, Raquel Karro e Bel Kowarick. Além de Erom Cordeiro e Laila Zaid, Flávio Bauraqui, Paola Antonini, Nicolas Vargas, Manu Morelli, Luan Vieira, Miguel Roncato e Sandro Aliprandini.

Assista ao trailer oficial:

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