Em corte internacional, Brasil será julgado por violações contra quilombolas
Audiências começam nesta quarta-feira em Santiago, no Chile. É a primeira vez que o país é julgado por caso contra quilombolas.
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A Corte Interamericana de Direitos Humanos vai julgar denúncias apresentadas por comunidades quilombolas que acusam o Estado brasileiro de ter cometido violações durante a construção do Centro de Lançamento de Alcântara, localizado no Maranhão. As audiências ocorrem nesta quarta (26) e quinta-feira (27) em Santiago, no Chile. Serão ouvidas vítimas, representantes do Estado, testemunhas e peritos. É a primeira vez que o Brasil será julgado por um caso envolvendo quilombolas.
A denúncia foi apresentada em 2001 por povoados, sindicatos e movimentos sociais à Comissão Interamericana de Direitos Humanos. A queixa foi aceita em 2006 e levada à Corte em janeiro de 2022. “O julgamento é de importância histórica. […] Além disso, constitui importante oportunidade para a própria Corte consolidar jurisprudência de proteção aos territórios ancestrais de comunidades afrodescendentes na região”, disse Danilo Serejo, quilombola e assessor jurídico do Movimento dos Atingidos pela Base Espacial (Mabe).
Os denunciantes querem que a Corte determine que o governo brasileiro conceda a titulação definitiva do território quilombola, pague indenização às comunidades removidas e às que permaneceram no local, crie fundo de desenvolvimento comunitário em conjunto com as famílias quilombolas e realize estude de impacto ambiental e cultural.
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“A imposição do Estado de construir o Centro de Lançamento de Alcântara num território tradicional, deteriorando modos de vidas, laços familiares e tentando apagar uma parte da nossa história, mostra como o racismo ambiental orientou a política. Por isso, o Brasil tem o dever de reconhecer sua responsabilidade como ator nas violações contra os quilombolas de Alcântara, bem como avançar imediatamente com a titulação do território”, afirmou a diretora-executiva da Justiça Global, Glaucia Marinho.
Para a ministra substituta dos Direitos Humanos e da Cidadania, Rita Oliveira, a audiência servirá para reconstruir a relação entre o Estado e os remanescentes dos quilombos. “Aprendemos nessa trajetória que o desenvolvimento científico e tecnológico não é incompatível com a defesa e promoção dos direitos humanos”, avaliou em nota.
Entenda o caso
O Centro de Lançamento de Alcântara foi construído nas proximidades da capital São Luís, na década de 80 pela Força Aérea Brasileira (FAB), como base para lançamento de foguetes. Na época, 312 famílias quilombolas, de 32 povoados, foram retiradas do local e reassentadas em sete agrovilas. Alguns grupos permaneceram no território e, conforme os denunciantes, sofrem com a constante ameaça de expulsão para a ampliação da base.
Em 2001, representantes de comunidades quilombolas do Maranhão, do Mabe, da Justiça Global, da Sociedade Maranhense de Direitos Humanos (SMDH), da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado do Maranhão (Fetaema), do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Alcântara (STTR) e da Defensoria Pública da União (DPU) apresentaram denúncia à Comissão Interamericana de Direitos Humanos.
O grupo acusa o Estado brasileiro de ter cometido violações com a instalação do centro, com desapropriação e remoção compulsória de famílias quilombolas. Segundo a denúncia, a perda do território causou impacto no direito dessas comunidades à cultura, alimentação, educação, saúde e livre circulação. Além disso, não foi concedido aos quilombolas os títulos definitivos de propriedade.
Em 2004, a Fundação Palmares certificou o território. O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) identificou e delimitou a área em 2008. Cinco anos após a apresentação da denúncia, a comissão a considerou admissível.
Em relatório de 2020, após audiências feitas em 2008 e 2019, o grupo recomendou que o governo brasileiro fizesse a titulação do território tradicional, consulta prévia aos quilombolas sobre o acordo firmado pelo Brasil e os Estados Unidos (que permite atividades espaciais de companhias norte-americanas na Base de Alcantâra, chamado acordo de salvaguardas tecnológicas) no ano anterior, reparação financeira para os removidos e pedido público de desculpas.
As recomendações não foram seguidas pelo governo brasileiro. Dessa forma, a comissão levou o caso à Corte em janeiro de 2022.
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