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OPINIÃO

Educação verdadeiramente Inclusiva

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• Atualizado

Redação

Por Redação

 Educação verdadeiramente Inclusiva | Foto: reprodução
Educação verdadeiramente Inclusiva | Foto: reprodução

O governo federal expediu, em outubro, o Decreto nº 12.686/2025, que institui a Política Nacional de Educação Especial Inclusiva e a Rede Nacional de Educação Especial Inclusiva. A medida foi anunciada como um marco no fortalecimento da inclusão escolar de pessoas com deficiência, transtorno do espectro autista e altas habilidades. À primeira vista, a intenção parece inquestionável: garantir que todos os estudantes aprendam juntos, em ambientes escolares comuns, com o apoio de recursos pedagógicos e acessibilidade. No entanto, os textos dos artigos 5º e 8º acenderam um intenso debate no país, especialmente entre as APAEs, educadores e parlamentares. O motivo é simples e, ao mesmo tempo, profundo: ao definir o Atendimento Educacional Especializado (AEE) como uma “atividade pedagógica de caráter complementar à escolarização”, o decreto sugere que a matrícula em classe comum é obrigatória e universal,  relegando o AEE ao papel de mero suporte.

Na prática, essa redação faz desaparecer uma possibilidade que, há décadas, é reconhecida pela legislação brasileira: a de que, em alguns casos, o atendimento especializado pode substituir a matrícula em sala comum. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), no artigo 58, diz que a educação especial deve ser oferecida “preferencialmente” na rede regular, termo que indica prioridade, mas não exclusividade. O advérbio, que parece pequeno, carrega uma diferença civilizatória. Ele garante que a busca pela inclusão não se transforme em imposição cega, ignorando as condições reais de cada aluno e as limitações de muitas redes públicas.

Ao reduzir o AEE a uma função complementar, o decreto ameaça deslegitimar o papel das instituições especializadas, como as APAEs que, há mais de meio século, oferecem atendimento educacional e terapêutico a pessoas com deficiência intelectual, múltipla ou com comprometimentos severos. Essas entidades não são frutos de um passado segregador, mas, sim, espaços de pertencimento e desenvolvimento integral para estudantes cujas necessidades vão além do que a escola comum pode atender, mesmo com apoio técnico. Extinguir, por via interpretativa, a possibilidade de substituição da classe comum pelo AEE seria, na prática, condenar muitos desses alunos à exclusão disfarçada de inclusão — dentro da sala de aula, mas fora da aprendizagem.

O discurso oficial do Ministério da Educação tem reforçado que o decreto não pretende extinguir as instituições especializadas, mas integrá-las à nova rede de educação inclusiva. O problema, contudo, não está nas intenções declaradas, mas no efeito jurídico e simbólico da redação. A linguagem normativa tem consequências: quando o texto oficial afirma que o AEE é apenas complementar, abre-se espaço para interpretações administrativas que inviabilizam convênios, retiram repasses e induzem matrículas compulsórias em escolas comuns, independentemente do perfil do aluno. É isso que tem mobilizado pais, professores e parlamentares — e motivado, inclusive, projetos no Congresso Nacional para sustar os efeitos do decreto.

Defender que o AEE possa, em certos casos, substituir a escolarização em classe comum não é defender a segregação, como alguns críticos alegam. É reconhecer que a igualdade substantiva exige diversidade de caminhos. Inclusão verdadeira não se mede pela estatística de matrículas em escolas regulares, mas pela efetividade da aprendizagem e pelo desenvolvimento integral de cada estudante. Forçar a presença em um espaço que não oferece condições reais de participação é apenas mudar o local da exclusão — agora, dentro da sala de aula.

Uma política de educação especial moderna deve ser construída sobre dois pilares complementares: o direito à inclusão e o direito à adequação. Isso significa afirmar a escola comum como prioridade, mas admitir, com a mesma clareza, que há situações em que o atendimento especializado é o ambiente mais inclusivo possível. Não reconhecer essa nuance é negar a complexidade humana e a diversidade das trajetórias de aprendizagem.

O governo federal ainda pode corrigir o rumo. Bastaria uma revisão pontual nos artigos 5º e 8º, restabelecendo a ideia de que o AEE é, em regra, complementar, mas pode assumir caráter substitutivo quando houver comprovação técnica e decisão conjunta da equipe pedagógica e da família. Isso devolveria segurança jurídica às instituições e serenidade às famílias, sem enfraquecer o compromisso com a inclusão.

Em educação, as palavras importam — e, neste caso, uma única palavra pode mudar o destino de milhares de estudantes. O decreto, da forma como está, arrisca converter um ideal nobre em uma prática excludente. Incluir, afinal, não é apenas colocar juntos, mas garantir a cada um o direito de aprender, segundo suas condições, potencialidades e dignidade.

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