Relatórios enviados ao STF identificam patrocinadores de protestos
Documentos de inteligência ficham suspeitos de liderar atos antidemocráticos em rodovias e quarteis
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Relatórios de inteligência e das áreas de segurança pública dos estados, recebidos pelo Supremo Tribunal Federal (STF) nos últimos 10 dias, identificam suspeitos de financiar, organizar e incentivar os protestos e bloqueios de rodovias e vias próximas de prédios das Forças Armadas. Os atos são registados desde dia 30 de outubro, após a derrota do presidente, Jair Bolsonaro, na disputa pela reeleição.
Além de contestar a vitória do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), manifestantes têm defendido bandeiras antidemocrátricas, como a intervenção militar no país, e contestado a legitimidade dos resultados das urnas – o petista venceu com 50,9% dos votos válidos, contra 49,1% do presidente.
A identificação e o fichamento dos envolvidos, com identidades, dados de elos sociais, comerciais e políticos, são reunidos pelas polícias nos estados e enviados ao STF, em processo aberto desde 2018, na maior greve dos caminhoneiros do Brasil.
Por ordem do ministro Alexandre de Moraes, relator do processo (ADPF 519), as polícias foram acionadas desde o dia 30 para desmobilizar protestos ilegais. Na última quinta-feira (10), nova ordem do Supremo deu 48 horas para que a PRF entregasse o relatório “circunstanciado de todas as multas aplicadas” e “a identificação dos veículos e pessoas autuadas”.
Em despacho, Moraes afirma que “a persistência de atos criminosos e antidemocráticos em todo país, contrários à Democracia, ao Estado de Direito, às Instituições e à proclamação do resultado das Eleições Gerais de 2022 pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE)” justificava sua decisão de estender para todo país a ordem para as polícias imediatamente liberarem vias interrompidas pelos protestos. O relator determinou a identificação das “empresas e pessoas que incorrem no descumprimento da decisão mediante apoio material (logístico e financeiro) às pessoas e veículos que permanecem em locais públicos”.
O diretor-geral da PRF, Silvinei Vasques, enviou na sexta-feira (11) a lista completa das multas aplicadas nos protestos organizados pelo país, os nomes de pessoas, empresas e veículos fichados. São 7.850 infrações registradas no país relacionadas aos protestos, do dia 30 de outubro a 11 de novembro.
Balanço da PRF deste domingo (13) registrou 58 pontos de protestos, um ponto de interdição de via e nenhum bloqueio total de rodovia. Número bem distinto da semana seguinte ao segundo turno, quando foram registrados até 415 pontos de protesto com paralisação do tráfego, sendo que em 211 houve bloqueio total das vias. Nos registros da corporação, foi destacado que foram debelados 1.093 pontos de manifestações, com e sem interdição de vias, nesse período.
Relatórios reservados
O SBT News consultou e reuniu documentos que as autoridades de segurança dos estados têm enviado ao STF. São relatórios de inteligência, informações policiais, registros fotográficos, pesquisas de vínculos dos alvos e as medidas adotadas sobre os atos.
As listas mostram que entre os fichados como suspeitos estão políticos, policiais e ex-policiais, servidores públicos, membros de sindicatos, fazendeiros e empresários do agronegócio, donos de estandes de tiros etc. São pessoas que estavam nos atos com participação ativa, suspeitas de atuar como incentivadoras ou lideranças e que, principalmente, tiveram relação com o financiamento ou a disponibilização de estruturas para os protestos.
A reportagem destacou alguns registros contidos nos documentos enviados ao STF, para mostrar como é feita a identificação dos alvos. Há listas de veículos multados e identificados, pessoas e empresas, registro de fatos e das movimentações dos manifestantes e das autoridades locais e da própria PRF desde o dia 30 de outubro. O fichamento não significa que as pessoas listadas são acusadas de crimes. Os relatórios servem de base para eventuais investigações criminais e cíveis, para apurar responsabilidades.
Acre: agronegócio financia
Relatório de inteligência reservado da polícia do Acre, enviado ao STF, aponta que dois importantes fazendeiros locais estavam entre os financiadores dos atos ilegais que pediam “intervenção” na frente do quartel do Exército local, entre eles Jorge José de Moura, conhecido como o “Rei da Soja”.
“De acordo com informes, os principais patrocinadores desta manifestação no Acre seriam o empresário Jorge Moura (Rei da Soja) e o fazendeiro Henrique Neto.” Ambos foram identificados no relatório reservado da PM.
No Acre, o Ministério Público acionou alguns dos alvos na Justiça e levou o caso ao STF. Em ação, o procurador-geral de Justiça do Acre, Danilo Lovisaro do Nascimento, registra que há “certeza de que os atos antidemocráticos estão sendo financiados pelos fazendeiros do agronegócio”. “Os relatórios acostados também corroboram essas informações e não há qualquer dúvida quanto a isto, pois pelo menos, dois desses empresários do agronegócio são confessos e lideram os movimentos, fazendo manifestações em vídeos que circulam nas redes sociais.”
O STF atendeu pedido do MP do Acre e cassou uma decisão da Justiça local que havia reduzido o valor da multa estabelecida para os manifestantes e indicou haver elementos para acionar João Moura e Henrique Luis Cardoso Neto, por financiarem os atos montados desde o dia 30, próximo do 4º Batalhão de Infantaria da Selva (BIS).
Rio Grande do Sul: agentes de segurança
No Rio Grande do Sul, o serviço de inteligência da polícia identificou um policial militar aposentado, agentes de segurança e outros servidores ligados aos protestos e à convocação e organização dos atos. Um deles é um policial de Guaporé que foi fichado no relatório enviado ao STF. Nos perfis de redes sociais, ele se apresenta como defensor de Bolsonaro.
O último relatório anexado foi do setor de inteligência da Polícia Civil do Rio Grande do Sul, que identifica policiais, agentes de segurança, um delegado e políticos e candidatos a deputado locais participando e divulgando em seus perfis mensagens contra o resultado das urnas e defendendo a atuação do Exército.
“Foram procedidas ações de coletas a fim de localizar eventuais publicações em fontes abertas ilustrando ou propagando mensagens de estímulo ao emprego das Forças Armadas como instrumento de ataque às instituições civis, os poderes constituídos e a sociedade”, registra o relatório da polícia gaúcha.
Goiás: patrocínio político e do agronegócio
Em Goiás, os relatórios enviados para o STF listam comerciantes locais, em especial ligados ao agronegócio, e políticos “patrocinando” os protestos no estado. Entre eles, um youtuber, um pai e um filho comerciantes locais,
Documento de informação policial produzido para as apurações apontou uma lista de suspeitos de liderarem e patrocinarem os atos que pararam a BR-060, em Anápolis (GO), nos dois sentidos, impedindo completamente o fluxo de veículos entre Goiânia e Brasília.
O documento identifica também os envolvidos na convocação do protesto que bloqueou a BR 414, em frente à Base Aérea. Houve o fichamento também das lideranças envolvidos nos protestos em Catalão (GO), em Jussara (GO), MIneiros (GO), Jataí (GO) – onde o presidente do sindicato rural, Vitor Geraldo Gaiardo, foi identificado. Segundo a polícia, ele não só se manifestou nos atos, como colocou seus recursos, com carros, pessoas e bens, a disposição do movimento.
O relatório identifica ainda uma das lideranças como “Victor Priori”. “Há relatos de que ele é o maior financiador do movimento na cidade de Jataí, sendo que um dos pontos de aglomeração está situado em frente a um de seus armazéns no entroncamento da BR 060 com a via de acesso a cidade de Jataí.” A polícia registra ainda que Priori “fechou todas as suas empresas” e que “colocou todos os seus caminhões na rodovia e que teria convocado seus empregados para participar da manifestação”.
Espirito Santo: políticos, pastor e armamentista
Nos relatórios enviados do Espírito Santo, feitos pela Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas (Draco) e pela Polícia Federal, um dono de estande de tiros de Linhares foi identificado entre os supostos envolvidos nos movimentos. Além deles, foram fichados uma policial militar, um pastor, políticos, um homem com passagens pela polícia, que são alvos de apuração.
No documento da inteligência da Draco, foram identificados “alguns manifestantes e veículos”. No entanto, a polícia registra ainda não ser possível “apontar ainda se há uma liderança”. “Não obstante as logísticas de tenda, água e alimentação, a princípio está sendo custeada pelos próprios manifestantes, cada uma levando sua cadeira, tenda, barraca, água e alimentação, ou realizando ‘vaquinhas’, para a compra de suprimentos.”
O documento destaca a presença de políticos, em especial, de candidatos. “Vale ressaltar, que constatamos também a participação de pessoas que foram candidatas a cargos eletivos nas diversas esferas (municipal, federal, e estadual), mas, não possuímos ainda elementos suficientes para afirmar que essas pessoas são lideranças do movimento.”
Pernambuco: “resistência civil”
Nas rodovias de Pernambuco, relatório de inteligência da PRF enviado ao STF aponta dez pontos de manifestações e bloqueios, entre os dias 31 de outubro de 6 de novembro, nas rodovias BR 232, BR 101, BR 408 e BR 104. Os bloqueios foram registrados em Recife, Jaboatão dos Guararapes, Igarassu, Goiana, Palmares, Caruaru, Toritama, entre outras.
“Segundo os levantamentos feito durante as manifestações, foram identificadas 13 possíveis lideranças nos movimentos ocorridos nas rodovias federais no estado de Pernambuco”, registra o documento consultado pelo SBT News.
“Essas pessoas demonstraram certo grau de influencia nos movimentos, seja na organização, financiamento, distribuição e logística de mantimentos, som e nos pronunciamentos instigando os demais manifestantes.” São alvos com base em Caruaru, Taquaritinga do Norte e na Região Metropolitana
do Recife.
As apurações do setor de inteligência da polícia em Pernambuco, registrada na identificação dos “patrocinadores”, o fornecimento de estrutura para os protestos, como instalação de banheiros químicos nos locais de concentração, distribuição de comida e de água, além do fornecimento de materiais para bloqueios, como pneus e até terra e equipamentos para servirem de barricada.
No estado, os dados fornecidos ao STF registram que o movimento se autodenomina “Resistência Civil”. Mostra cartazes com defesa da ação militar e em apoio às bandeiras da campanha de reeleição de Bolsonaro. Os supostos líderes são fichados, como “Geyso de Souza”, “Marcos Chacon” e “Sales Patriota”.
Em Pernambuco e outros estados, os relatórios de segurança apontar o uso de contas e chaves PIX para arrecadação de valores para custeio das estruturas dos protestos, como pagamentos de alimentação ou mesmo aluguél dos banheiros móveis instalados.
Tocantins: ponte fechada
O delegado-geral da Polícia Civil do Tocantins, Claudemir Luiz Ferreira, enviu relatórios ao STF com os documentos produzidos pela Diretoria de Inteligência Policial sobre os atos antidemocráticos e destaca que a Diretoria de Repressão a Corrupção e ao Crime Organizado estava analisando os dados para eventuais investigações criminais.
Houve registro de atos na BR-153, nas cidades de Alvorada (TO) e Paraíso do Tocantins (TO) – onde os manifestantes tomaram, no dia 31 de outubro, a ponte Fernando Henrique Cardoso, que liga o distrito de Luzimangues a Palmas, capital do estado.
“A partir de então, os pontos de bloqueios foram aumentando gradativamente no estado o que vem trazendo grande preocupação à população tocantinense quanto ao desabastecimento de alimentos, medicamentos e combustível”, registra documento de inteligência da polícia do Tocantins. “Os manifestantes intentam provocar um caos no país visando à intervenção militar do Exército Brasileiro e a não assunção ao cargo de presidente da República do candidato eleito Luiz Inácio Lula da Silva.”
A inteligência da polícia de Tocantins também identificou mensagens trocadas entre os grupos organizadores dos protestos e aponta a atuação para estruturar os pontos de protestos. “Somente após o incentivo dos administradores nos grupos, os manifestantes ocuparam a ponte Fernando Henrique Cardoso e rapidamente ocorreu a instalação das tendas, cadeiras, banheiros químicos, churrasqueiras, fornecimento de alimentação em grande quantidade para os manifestantes, o que evidencia o apoio de pessoas ou grupos economicamente abastados com interesse em financiar o presente movimento de desordem.”
O relatório recomenda abertura de inquérito para “identificar os financiadores do movimento antidemocrático que culminou na obstrução da Rodovia TO-080 em Palmas-TO”. “Importante consignar que a impunidade dos patrocinadores e mobilizadores desse tipo de evento faz com que novas ações sejam orquestradas rapidamente, portanto, se faz necessária a atuação estatal da Polícia Judiciária no intuito de desestimular a repetição desses atos.”
O documento ainda destaca que o “bloqueio ilegal das rodovias configura uma violação de trânsito”, mas lembra que a mobilização que ocorreu no estado “pode ser compreendida como incitação à prática de crimes contra o Estado Democrático de Direito praticado por organizações criminosa”.
Mato Grosso do Sul: veículos com identificação oculta
A Superintendência de Inteligência da Segurança Pública do Mato Grosso informou ao STF em seu relatóio que “centenas de manifestantes instatisfeitos com a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) se reuniram em frente à sede do CMO – Comando Militar do Oeste – em Campo Grande-MS”. “Eles pedem uma ‘intervenção federal’.”
O documdnto informa que foram constatados nas manifestações alguns veículos de possíveis organizadores locais. “Foram identificados 151 veículos.” Todos eles e seus respectivos donos, listados pela polícia e em poder do STF.
Conduta da PRF nos protestos na mira do STF
A ação do comando dos protestos no país está sob apuração na Polícia Federal e no Ministério Público Federal (MPF), bem como a ação de resposta do comando da Polícia Rodoviária Fedeal (PRF).
As apurações do STF envolvem dados sobre eventual responsabilidade do diretor-geral da PRF, Silvinei Vasques, por omissão nas ações de contenção. No início dos bloqueios, a PRF demorou a agir para desmobilizar os protestos.
Vasques – indicado ao cargo no governo Bolsonaro – chegou a declarar voto do presidente e foi acusado não só por demora na reação policial aos protestos, mas também de ter agido contra ordem do STF, ao realizar blitze em veículos de transportes de eleitores do dia de votação – o que havia sido proibido pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
No processo Silvinei Vasques informou que metade do efetivo que atuou na Operação das Eleições 2022 foi destacado para debelar os protestos iniciados na noite do domingo (30) – dia do segundo turno -, na chamada Operação Rescaldo. Foram 4.163 agentes no período eleitoral, contra 2.725 homens nos atos antidemocráticos.
Em documento enviado na sexta-feira ao STF, Vasques registrou o cenário de atos por estados. Diz que houve indicação de manifestações nos arredores de prédios das Forças Armadas, mas sem bloqueios de rodovias, em sete estados: Alagoas, Bahia, Distrito Federal, Mato Grosso do Sul, Paraná, Piauí e Santa Catarina. Em três deles (DF, PR e SC) houve identificação de envolvidos. Em Goiás, Pará, Pernambuco e Rio de Janeiro foi registrada a presença de manifestantes nos arredores de instalações das Forças Armadas às margens de rodovias federais. “Foram identificados os veículos utilizados e possíveis lideranças.”
Em 12 estados, as superintendências da polícia informaram não existir “quarteis ou unidades militares das Forças Armadas às margens de rodovia e estradas federais”: Amapá, Espírito Santo, Amazonas, Maranhão, Minas Gerais, Paraíba, Rio Grande do Norte, Rondônia, Roraima, São Paulo, Sergipe e Tocantins. No Acre, Ceará, Mato Grosso e Rio Grande do Sul, as policias “informaram que não ocorreram manifestações e/ou bloqueios em áreas de quartéis das Forças Armadas localizadas às margens de rodovias e estradas federais”.
O diretor-geral da PRF afirmou que a coorporação tem aplicado “todos os esforços para o restabelecimento da normalidade e salvaguarda de novas interrupções do tráfego rodoviário” e que tem colaborado “para a responsabilização dos envolvidos”
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