Pandemia faz mulheres adiarem planos de ter filho
Segundo um estudo realizado pela empresa Famivita, 1 em cada 3 mulheres alterou seus planos de gravidez na pandemia
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A bancária Aline Sousa Massoco Negrini, de 35 anos, e seu marido, o empresário Jair Negrini Júnior, de 38, que moram em São Paulo, tinham tudo programado para este ano. Depois de pensar muito, os dois, que já são pais de Felipe, de 5 anos, planejavam tentar engravidar novamente após uma viagem que fariam à Disney entre setembro e outubro. Com a pandemia, no entanto, o casal não só decidiu adiar a viagem como também a gravidez. “A gente tem receio, não conhece essa doença. Então, preferimos aguardar para quando tiver uma vacina ou souber mais a respeito da doença”, explica Aline. “Na nossa cabeça, adiamos para o ano que vem. Estamos pensando positivamente que, no máximo no começo do ano que vem, tenha mesmo uma vacina.”
Assim como ocorreu com o casal, o novo coronavírus mudou os planos de gravidez de muitas brasileiras neste ano. Segundo um estudo realizado pela empresa Famivita, que desenvolve produtos ligados à fertilidade, 1 em cada 3 mulheres alterou seus planos de gravidez na pandemia. A pesquisa foi feita com cerca de 12 400 brasileiras, entre 18 e 23 de março. O Paraná foi o Estado com a maior porcentagem de mulheres que mudaram o planejamento (44%), enquanto Santa Catarina apresentou a menor taxa (24%).
A preocupação é legítima. É o que confirma Silvana Maria Quintana, coordenadora científica de Obstetrícia da Associação de Obstetrícia e Ginecologia do Estado de São Paulo. De acordo com ela, “os estudos e as revisões da literatura têm apontado, que, durante a gestação – talvez pelas próprias modificações que o organismo necessita para aceitar a gestação e proporcionar ao bebê que ele se desenvolva -, essas adaptações podem facilitar que a mulher tenha um quadro mais grave da covid”. “Os estudos têm mostrado que as mulheres grávidas que adquirem a infecção têm mais possibilidade de hospitalização, de necessidade de unidade de terapia intensiva e de serem entubadas. A notícia boa é que não houve maior número de mortes quando comparadas gestantes com mulheres não grávidas”, explica Silvana. Mas se a decisão da mulher for engravidar agora, os cuidados devem ser os mesmos que valem para todos. “Evitar aglomerações, distanciamento social, higiene das mãos, usar máscaras, evitar contato com pessoas doentes.”
Fronteiras fechadas
As clínicas de fertilização in vitro também tiveram sua rotina afetada pela pandemia. Segundo Hitomi Nakagawa, presidente da Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida (SBRA), nos meses de abril e maio, cerca de 80% das clínicas estavam fechadas, parcial ou totalmente. “Dos quase 44 mil ciclos de fertilização in vitro do ano passado, estimamos estar retrocedendo aos patamares da época da epidemia de zika no País, em 2016, ou seja, menos de 35 mil ciclos. Sem dúvida, ainda dependerá da capacidade de os serviços de reprodução assistida conseguirem atender à demanda que ficou reprimida durante todos esses meses “
Hitomi observa que, num primeiro momento da pandemia, a orientação era de “priorizar a coleta ovular das pessoas com limitações a ‘tempo-sensíveis’, como os casos oncológicos e de reserva ovariana comprometida; evitar transferência embrionária, se possível”. Agora, grande parte das clínicas do Brasil está voltando às atividades habituais, obedecendo a diretrizes sanitárias locais.
Ginecologista e obstetra especialista em reprodução humana da Clínica Neo Vita, Fernando Prado conta que muitas pacientes optaram pelo adiamento. “Nos meses de abril a junho, praticamente 90% delas não realizaram transferência de embriões. Mais de 70% delas nem sequer iniciaram tratamentos novos. Apenas uma parcela decidiu por congelar óvulos e embriões e o material segue congelado para ser usado quando tivermos mais segurança.” Ele diz ainda que foi realizado um trabalho de conscientização das pacientes para ajudá-las a decidir sobre o melhor momento de engravidar e muitas retomaram seus tratamentos a partir de julho
Prado alerta que, para algumas mulheres, o adiamento diminui as possibilidades e até impede uma futura gestação. “As chances de gravidez caem muito rapidamente após os 35 anos, assim como aumentam os riscos de malformações fetais”, diz o especialista, que é diretor técnico da clínica, localizada em São Paulo. “Para evitar isso, podemos realizar a preservação da fertilidade, congelando óvulos ou embriões para usá-los após o término da pandemia ou quando a vacina estiver disponível e a população imunizada em larga escala.”
Aos 42 anos, a neurologista Mariza Marques de Oliveira, paciente da clínica, está nesse grupo descrito por Prado. Mariza, que vive em Rondônia, chegou a dar início ao tratamento. Fez o congelamento dos óvulos em fevereiro, mas a segunda etapa, da fertilização, precisou ser adiada. Apesar da retomada das atividades da clínica, ela prefere esperar mais um pouco. “Vou precisar me deslocar (de avião), com várias idas e vindas”, diz. “Fico preocupada em me infectar. A gente não sabe a repercussão do vírus para a gravidez. É tudo novo”, completa ela, que, como médica, já atendeu muitos pacientes com covid-19.
Solteira, Mariza conta que foi deixando para frente os planos de ter filhos, mas que, há dois anos, tomou a decisão. E como está reagindo a esse adiamento provocado pela pandemia? “É uma corrida contra o tempo. Quanto mais tarde fica, mais difícil é, mas estou mais tranquila, porque congelei os óvulos.”
Também pacientes da Neo Vita, Evelyn Takano, de 37, e sua noiva, Flor Veliz Cortez, de 29, já tinham passagens compradas do Japão, onde moram, para o Brasil, para dar início ao processo de fertilização na clínica, quando tudo ficou paralisado por causa do coronavírus. Elas chegaram a ter a primeira consulta em junho do ano passado, quando acertaram os detalhes do tratamento, que seria iniciado lá, e viriam ao Brasil em abril deste ano. Nessa época, no entanto, as fronteiras já estavam fechadas.
“Adiamos a passagem para três meses, pensando que tudo iria melhorar e, em julho, as coisas só ficaram piores. Perdemos a passagem, todo aquele programa que fizemos desde o ano passado. Estamos na expectativa para quando as fronteiras abrirem e pudermos ir”, lamenta Evelyn, brasileira que vive no Japão desde os 17 anos. Ela mora na província de Gunma, na cidade de Isesaki Trabalha numa fábrica que faz peças para uma montadora de carros, onde conheceu a peruana Flor. Elas se apaixonaram e estão juntas há 2 anos.
O sonho de ser mãe é de Flor. Como no Japão há restrições para casais homoafetivos, incluindo de fertilização in vitro, elas pesquisaram pela internet por clínicas e decidiram fazer no Brasil. “Minha noiva vai engravidar, mas o óvulo (que será fertilizado) vai ser meu”, conta Evelyn, que, depois de ter filho, planeja fazer transição de gênero. “Por enquanto, não temos uma data de quando poderemos continuar o tratamento. Tudo depende como anda a pandemia”, diz Evelyn. “Isso é muito triste, porque você sonha tanto com uma coisa, planeja, para acontecer tudo isso. É muito difícil.”
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