Museu do Judiciário digitaliza e disponibiliza documentos raros sobre a escravidão
Além de registros da escravidão, as escrituras trazem as atas de eleições e também registros raros da vida social daquele período
• Atualizado
O Museu Desembargador Tycho Brahe Fernandes Neto, do TJSC, acaba de digitalizar documentos históricos valiosos que registram um dos períodos mais tristes, trágicos e ainda mal compreendidos da nossa história: a escravidão. Não são documentos sobre o tema, mas livros de notas manuscritos, intitulados “Venda de Escravos e Carta de Liberdade”, provenientes da Escrivania de Paz do Ribeirão da Ilha.
A boa notícia para historiadores, pesquisadores, jornalistas, estudantes e demais interessados em história é que o material está disponível ao público na íntegra em plataforma totalmente pública e gratuita.
Outra boa notícia é que vários trechos foram transcritos pelo historiador Adelson André Brüggemann, da Seção de Museu, o que facilita a leitura para as pessoas que não têm olhos treinados em caligrafia antiga. Em um deles está escrito que em Florianópolis, no dia 19 de abril de 1873, uma mulher de nome Joanna comprou a própria liberdade por 200 mil réis:
“Sou senhora e possuidora de uma escrava crioula de nome Joanna, natural desta Província, a qual de minha livre e espontânea vontade, e sem constrangimento de pessoa alguma, concedo-lhe liberdade pela quantia de duzentos mil réis. Declaro ter recebido o valor da mão da dita escrava que fica liberta de hoje para sempre, a fim de que possa gozar sua liberdade como se fosse de ventre livre nascida.”
O Livro de Notas n. 2, de 29 de agosto de 1853, registra duas doações de escravizados. A primeira, na folha 18, diz: “Escritura de Doação dos pais para a filha de ‘criola’ de 5 ou 6 anos”. A segunda, na folha 40, destaca: “Os pais doam para a filha um ‘criolinho’ de 4 anos no valor de 200 mil réis”.
Além de registros da escravidão, as escrituras trazem as atas de eleições e também registros raros da vida social, como separação de casais com divisão de bens – circunstância desconhecida na cidade até então.
Segundo Lília Lacerda da Silva, chefe da Seção do Museu, “a publicação dos livros de notas digitalizados permite que os fatos relacionados à escravidão em nosso Estado sejam amplamente conhecidos. Somente com o conhecimento evitamos a distorção da História e a repetição de erros do passado”.
Em agosto, quando doou o acervo ao Judiciário, a oficial designada da Escrivania do Ribeirão da Ilha, Giane Catia Rosa Alves de Carvalho, contou como ficou impactada com o conteúdo das escrituras, sobretudo as que tratam da escravidão. “Pesou muito para mim.”
A transmissão de acervo teve anuência do juiz-corregedor Rafael Maas dos Anjos, do Foro Extrajudicial. Na ocasião, ele disse: “Quando nos damos conta da existência de livros que relatam a vida na ilha décadas atrás, notadamente que havia uma cultura de entrega de crianças, tais como uma menina negra de cinco anos de idade e seus futuros frutos como uma mercadoria para a realização de serviços, isso impacta. A reflexão a respeito é inevitável”.
O museu fica na sede do TJSC, em Florianópolis. É aberto ao público das 12h às 19h. Para grupos maiores, como turmas escolares, é aconselhável agendar horário.
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