Entidades cobram Governo Federal por aprofundar esvaziamento na Funai
No STF, ação aponta descumprimento de obrigação de proteger indígenas
• Atualizado
As Frentes de Proteção Etnoambiental da Fundação Nacional do Índio (Funai), no Amazonas, responsáveis por medidas de proteção aos índios isolados e de recente contato, têm sido alvo de esvaziamento. Um problema que antecede o governo de Jair Bolsonaro (PL), mas que foi agravado nos últimos quatro anos. Com os assassinatos do indigenista Bruno Pereira e o jornalista inglês Dom Phillips – em 5 de junho, no Vale do Javari, oeste do Amazonas -, entidades fecham o cerco contra o governo.
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) apresentou ao Supremo Tribunal Federal (STF), na semana passada, uma ação contra a União por descumprimento de sua obrigação – chamada de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF). Nela, cobra que o governo apresente um plano de proteção para regularização e proteção das terras com presença de povos indígenas isolados em até 60 dias.
“Atualmente, no Brasil temos 114 registros de povos isolados e de recente contato, localizados na região da Amazônia legal. Como se verá, diante da implementação de uma política indigenista extremamente nociva a estes povos, aliado ao índice crescente do desmatamento e invasões nas terras indígenas, esses povos estão sendo submetidos ao risco concreto e iminente de extermínio”, informa o documento.
Pesquisa do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) apontou que há um problema sistêmico de defasagem do quadro de funcionários da Funai, especialmente de servidores especializados.
“O processo de esvaziamento do órgão, que vem ocorrendo de forma mais intensa a partir da década de 2000, é ainda inversamente proporcional ao crescimento da população indígena do país na mesma época”, afirma o Inesc no estudo Fundação anti-indígena, um retrato da Funai no governo Bolsonaro.
Para Eliésio Marubo, procurador da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja), o governo, como protetor das terras indígenas e dos povos, foi omisso nessa garantia.
“Nós consideramos que é uma omissão do estado brasileiro, uma vez que é papel da Funai realizar ações de fiscalização na terra indígena. Também é responsabilidade dos órgãos que tratam da fiscalização na região, sobretudo do exército e da Polícia Federal, realizar essas atividades”, disse, ao SBT News.
“A responsabilidade de fato é do governo federal, que nos últimos anos tem atuado contra o fortalecimento dessas instituições na região e certamente deve ser responsabilizado nesse sentido”, ressaltou.
O Ministério Público Federal (MPF) também oficiou a União e a Funai, na última semana, cobrando a adoção de medidas para estruturação e modernização das Bases de Proteção Etnoambiental (Bape) localizadas no Vale do Javari. O prazo para manifestação sobre o acatamento da recomendação é de 10 dias. O órgão constatou precariedades na estrutura disponibilizada aos agentes da Força Nacional de Segurança atuantes na região, além do déficit de pessoal da equipe.
Greve dos caminhoneiros
O problema de esvaziamento da Funai na região onde Doim e Bruno foram asssassinados, na tríplice fronteira do Brasil com o Peru e a Colômbia, é anterior ao governo Bolsonaro. Um processo movido pelo Ministério Público Federal (MPF), em outubro de 2018, registra que, naquele ano, para minimizar os prejuízos decorrentes da “greve dos caminhoneiros”, a União cancelou o programa de Proteção e Promoção dos Direitos dos Povos Indígenas. Com isso, foram cortados recursos no valor de R$ 625.310,00 para a Funai.
Segundo o MPF, as frentes contavam com apenas 42 servidores, “número muito aquém do necessário para manter as ações continuamente, que seria, segundo dados da própria Funai, de ao menos 96 servidores, além dos funcionários terceirizados”. Além disso, quase 60% de todo o quadro não havia sido preenchido naquele ano.
“Essa carência se agravou a partir de 2011, com a saída dos funcionários terceirizados, os quais prestavam tarefas de apoio operacional”, registra o MPF. A solução sugerida pela Funai no processo foi a contratação de servidores terceirizados. Porém, registrou a Procuradoria, a ausência de verba impossibilitou tal medida, deixando o problema sem conclusão.
Funai
O presidente da Funai, Marcelo Xavier, e integrantes da diretoria da Funai, se reuniram na 5ª-feira (30.jun) com o procurador-geral da República, Augusto Aras, e outros membros do MPF, em Brasília. O órgão infirmou uma série de dificuldades logísticas e financeiras, que foram elencadas, e pediram ajuda para viabilizar providências.
Uma delas, segundo informou o MPF, a “realização de concursos públicos para o órgão, além de garantir que tem aumentado o valor investido na região bem como ampliado as contratações de seguranças”. Eles admitiram a gravidade da situação e a necessidade de novas providências.
“Acho que a palavra de ordem deve ser sinergia entre todos os órgãos porque a questão é complexa”, afirmou o presidente da Funai.
Na reunião, Aras defendeu “medidas emergenciais para aumentar a segurança dos servidores e colaboradores da Funai que atuam na região do Vale do Javari”. Um dos presentes foi a procuradora da República Nathalia Di Santo, que atua em Tabatinga (AM), cidade próxima de Atalaia do Norte, onde o indigenista e o jornalista foram assassinados.
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