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Empoderamento

“Deixem meu cabelo black!” Mulheres negras e o símbolo de resistência

Cada vez mais centros de estética e beleza procuram se especializar para atender as necessidades da população afrodescendentes

• Atualizado

Deivide Sacramento

Por Deivide Sacramento

Foto: Camila Finocchi Produção: Ketlyn budal e Jo Rosa
Foto: Camila Finocchi Produção: Ketlyn budal e Jo Rosa

Nos Estados Unidos o cabelo afro foi um dos principais símbolos de grupos que lutavam pelos direitos civis no país nos anos 1960, como os Panteras Negras. O grupo tinha como principal pauta a aceitação da beleza negra, e o cabelo era elemento de extrema importância dentro desse contexto. Mulheres negras ganharam as ruas e evidenciavam os black powers, e provavam que a luta por igualdade incluía também o uso de seus cabelos como quisessem.

O cabelo afro é símbolo de luta entre as pessoas negras e transcende a esfera estética. Quando o tema debatido é a construção e a autoestima da mulher negra vira uma ferramenta política e de luta.

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Coletivos negros

Movimentos e coletivos negros ainda hoje continuam surgindo para lutar pelo direito das pessoas negras, e reconhecem que a valorização dos traços é uma bandeira de resistência. Foi o caso do ASHANTI – Coletivo de Mulheres Negras de Joinville, que nasceu no dia 25 de julho de 2014 a partir da necessidade de discutir com a comunidade a invisibilidade das Mulheres Negras, reminiscências do período colonial em diversos espaços da cidade, do estado e do país e da história em geral.

“Achamos que tinha necessidade de união entre as mulheres negras em Joinville, um coletivo com recorte feminismo negro. Uma das primeiras pautas foi o cabelo afro, que alguns achavam que era besteira, mas nós mulheres negras sabíamos que não. É sobre aceitação, mas não como imposição, mas que as pessoas saibam da importância e sobre o conhecimento do próprio cabelo”, relembra Suelen Soares, integrante do coletivo.

Foto: Divulgação

Por muito tempo mulheres negras se submeteram a procedimentos estéticos que minimizavam os seus traços, como o alisamento dos cabelos, para caber em determinados espaços, explica a integrante do coletivo.

“A maioria de nós alisava o cabelo ou soltava os cachos por achar que só seriamos aceitas fazendo isso, e com o tempo passamos a entender que não era assim. Não é uma autoaceitação com imposição, porque não poderíamos sair de uma ditadura, a da chapinha, pra entrar em outra, a do cabelo afro”, salienta Suelen.

Suelen Soares é do interior do Rio Grande do Sul e quando chegou na maior cidade de Santa Catarina não conhecia muitas pessoas. Em um evento chamado de ‘Love My Hair’, que destacava o cabelo afro, a estética negra e a importância da autoaceitação, conheceu as futuras integrantes do coletivo negro de Joinville.

A partir daquele momento elas começaram a se reunir e o coletivo e os objetivos foram crescendo, com ações voltadas para o empreendedorismos, para saúde, focadas no fortalecimento da identidade cultural e saberes da cultura negra na cidade.

“O trabalho do coletivo sempre foi focado em defender a mulher de violência e acolher mulheres negras da cidade e as imigrantes também”. É a sororidade e a dororidade entre mulheres negras, porque nós compartilhamos das mesmas dores”, acrescenta.

Mulheres negras empreendedoras

Joinville é a cidade catarinense que possui a maior população de afrodescendentes, com 17,4% de acordo com senso do IBGE, e cada vez mais centros de estética e beleza procuram se especializar para atender as necessidades desse publico. Há quatro anos surgiu na cidade o Ébano Delivery, que nasceu da necessidade da empresária Mônica Silva ter um espaço para cuidar dos fios crespos. Há 30 anos ela alisava o cabelo, e quando decidiu passar pela transição capilar enfrentou dificuldades para achar produtos específicos as suas necessidades.

Foto: Duda Fernandes

Em 2017, Mônica descobriu uma empresa que desenvolvia produtos para pessoas em transição capilar no Espírito Santo e que ministrava cursos para tratar esse tipo de fio. Após voltar para Joinville, depois do workshop, a empresária decidiu abrir o Ébano Delivey com o intuito de empoderar as mulheres através do cabelo. Mas em 2018, no entanto, ela aproveitou a oportunidade para expandir o negocio para um espaço físico após aumento na demanda.

“Quando elas [clientes] vem até a mim, meu propósito é sempre cuidar e levar auto estima. Fico muito feliz de ter construído o primeiro espaço de Joinville especialista em transição capilar e em tratamento naturalista”, fala orgulhosa.

Jo Rosa também é exemplo de mulher negra que aliou a necessidade ao empreendedorismo. Aos 17 anos começou a trançar cabelos, mas foi em 2014 que passou a se dedicar a profissão de trancista e idealizou o ‘Preta Cor’. “Eu sempre tive certeza que eu tinha que fazer algo diferente dos outros espaços que reproduzem padrões estéticos. O meu trabalho é sobre acolhimento, troca, resistência, afetividade e de se reconhecer no outro”, pontuou.

Para poder transmitir os saberes ancestrais as suas clientes no momento do atendimento, Jo buscou pessoas com os mesmos objetivos que ela para trabalhar juntas, permitindo um ambiente de troca onde as histórias se entrelaçariam.

“Eu sempre procurei através do meu trabalho ajudar a propagar a nossa identidade, da mesma forma que as pessoas que passaram na minha vida me ajudaram a entender a minha negritude. Eu faço minhas clientes entenderem que as tranças vão além de ser aliadas em uma rotina de cuidados, e a não fazer uso delas pra esconder o cabelo e cair novamente em um padrão”, explica.

Foto: Camila Finocchi/ Produção: Ketlyn Budal e Jo Rosa

A empreendedora fez questão de convidar suas clientes para um ensaio fotográfico onde elas poderiam ser elas mesmas, e para que pudessem exibir a beleza negra. Para a produção e fotografia ela escolheu outras mulheres negras para integrar o projeto, reforçando o conceito de “Black Money” que utiliza o poder de compra da comunidade afrodescendente para investir na própria comunidade de afro empreendedores.

Foto: Camila Finocchi/ Produção: Ketlyn Budal e Jo Rosa

O aumento da busca por cachos

Foi após perceber que em Joinville há a necessidade de mais locais que ofereçam uma experiência completa para cuidar e tratar de cachos, que os administradores Fabiola Meurer e Joni Meurer decidiram se unir a cabeleireira Mayara Gorges para criar o ‘Espaço Super Cacheada‘, um lugar onde a missão é proporcionar uma experiência inesquecível para os clientes com cabelos cacheados e crespos.

Foto: Jonas Vieira

“Uma coisa muito especial que tem aqui no espaço é a questão do acolhimento e do reconhecimento dos cachos. A gente vem de uma disciplina com o cabelo cacheado onde não tínhamos os conhecimentos que esse espaço trás hoje, da forma correta de usar o nosso cabelo baseado na rotina”, explica Mayara.

Para que o centro de beleza se tornasse ainda mais acolhedor para a clientela, as sócias buscaram prezar pela liberdade de escolha, sem criar padrões, transmitindo leveza e alegria de maneira individualiza.

E para estampar esse conceito, recrutaram a ilustradora de Salvador Lhaiza Morena para criar personagens especiais e que reforçassem ainda mais a identidade visual da marca e a diversidade cultural, como é o caso da personagem Valentina que se encontra em uma transição capilar.

Ilustração: Lhaiza Morena

E elas já pensam em expandir o negocio para outras regiões de Santa Catarina, como Florianópolis. “Nós nos tornamos pioneiros em Santa Catarina por ser uma entrega rápida, e estamos abraçando o sul porque queremos aumentar essa cultura do cabelo cacheado no estado”, contou Fabiola.

A integrante do Coletivo de Mulheres Negras de Joinville, Sulen Soares, reconhece com otimismo o aparecimento de novos espaços em Joinville que reforcem o empoderamento da mulher por meio dos cachos e de sua autoaceitação.

“Eu acho ótimo que Joinville tenha mais desses espaços, porque durante muito tempo o mercado achou que nós não consumíamos”, conclui.

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