Os equívocos do álcool!
Descubra se é possível associar a qualidade de um vinho ao nível alcoólico que a bebida possui.
• Atualizado
Os efeitos do álcool à saúde humana, deixo para que os médicos dissertem, preferencialmente acompanhados de um bom vinho, e os efeitos sobre a compostura social, bom, esses a gente tenta esquecer!
Tenho uma especial predileção em desfazer alguns enganos em relação ao vinho, sempre do ponto de vista técnico, não somente declarando meus próprios gostos. Se não for assim, continuaremos a perpetrar os clássicos “vinho, quanto mais velho, melhor”, “vinho tinto se bebe à temperatura ambiente”, “vinho branco, carne branca, vinho tinto, carne vermelha”, “rolha é melhor que tampa”, “vinho suave não é vinho”, dentre outras tantas, cada uma merecedora de uma abordagem específica.
Hoje, trataremos da não menos equivocada “vinho, quanto mais alcoólico, melhor”.
Onde? Quando? Quem põe o álcool no vinho?
Pois bem, a menos que se trate de fraude, ninguém, em lugar e momento algum, põe álcool no vinho, exceto ocasiões excepcionais e pequenas quantias, em breve explicadas. Mas como o vinho não é mágica e, depois de Jesus Cristo, não é milagre, o álcool se origina da fermentação dos açúcares da uva.
Saímos de um sumo doce, tecnicamente chamado mosto, até uma bebida alcoólica e seca através da ação de leveduras, que são fungos, análogos ao fermento de pão, porém com suas devidas especificidades. Quanto mais açúcar tem a uva, mais álcool potencialmente terá o vinho, numa relação matemática simples. A doçura dos vinhos não tem a ver, em princípio, com este momento, e será tratada em texto específico.
E o açúcar ?
Sabida a origem do álcool, resta descobrir a do açúcar, e essa se resolve com uma única palavra aprendida ainda no ensino fundamental: fotossíntese. [Pausa para o arrependimento daqueles que disseram que “nunca usariam esse tipo de conhecimento na vida”].
Pois bem, a incrível capacidade das plantas em converter água e gás carbônico atmosférico em açúcares, por meio da energia luminosa, é que faz que tenhamos frutas doces. Quanto mais madura a fruta, mais doce, e aí começa a confusão.
Quase todos os conceitos equivocados usam-se de pressupostos verdadeiros para, por boa ou má intenção, chegarem a conclusões diversas daquelas que seriam verdadeiras e possíveis, quase o mecanismo de “fake news”, mas este tópico, deixo para os jornalistas.
No caso em questão, há, de fato, uma lógica: se a maturação aumenta a quantidade de açúcar, logo, a fermentação torna o vinho mais alcoólico. Contudo, nem tudo na maturação da uva se define por açúcar, e nem todo açúcar vem necessariamente da uva, e isso não significa fraude.
Em relação à maturação da uva, além do açúcar, há compostos importantes que devem ser levados em conta, como é o caso da acidez e dos compostos fenólicos (taninos e cor), estes últimos, para os tintos. O ideal de composição entre açúcares e ácidos, somados aos compostos fenólicos no caso dos tintos, é muito variável para cada tipo de vinho que se pretende elaborar, e também é influenciado pelas características de clima de cada região produtora. Embora não seja um pressuposto errado o de que os açúcares aumentem com a maturação da uva, os demais compostos evoluem em tempos diferentes.
Equilíbrio costuma ser fundamental em qualquer situação…
E no vinho, não é diferente. Mais importante do que ter um vinho muito alcoólico, interessa, para os brancos, uma boa presença de acidez, que transmite frescor, e para os tintos, taninos maduros, evitando baixa estimativa de guarda do vinho e aspereza desagradável em boca, tal qual quando se come caqui ou banana pouco maduros.
Em síntese, se o produtor privilegiar apenas o acúmulo de açúcares como indicativo de maturação, estaria perdendo importantes atributos qualitativos para os diferentes vinhos. Destaca-se ainda que vinhos brancos têm necessidade de maturação de uva diferente de tintos, e ainda entre estes últimos, vinhos mais jovens não requerem necessariamente tanta maturação da uva quanto para vinhos mais longevos.
Por fim, embora o assunto ainda pudesse render longas linhas, destaca-se que no Brasil, assim como em alguns países europeus, é permitido o aumento de graduação alcoólica em uvas que o produtor julgue inadequado o aporte de álcool apenas pela fermentação dos açúcares da uva. Isso acontece de duas formas: a menos comum é adicionando álcool vínico, e a mais comum, adicionando-se açúcar ao vinho em fermentação, a chamada chaptalização.
Qualquer dessas formas pode aumentar em, no máximo, 3 % a graduação alcoólica do vinho. Assim, um vinho de uvas menos maduras, com potencial de 10 % de álcool, por exemplo, pode ser aumentado para 12 ou 13 % no máximo, e isso não significou que o vinho corrigido tenha vindo de uva mais madura.
E como eu sei se meu vinho veio de uvas mais ou menos maduras, ou se o álcool dele veio todo dos açúcares da uva?
Bom, não se tem como, e aí reside um dos grandes enganos de deduzir que vinhos mais alcoólicos sejam de maior qualidade. Recentemente, a legislação brasileira incluiu a categoria de “vinho nobre”, correspondendo a vinhos de 14,1 a 16 % não corrigidos. Contudo, além da palavra do produtor, não há qualquer garantia sobre a origem da graduação alcoólica de vinhos abaixo disso.
E para terminar com mais uma pitada de polêmica, vale lembrar que uva com muito acúmulo de açúcar não significa, necessariamente, a mais adequada para a elaboração de vinhos.
Qualquer que seja sua reação a este escrito, caro leitor, uma coisa é fato: perceba os vinhos que lhe agradam, identificando as características que lhes são peculiares e buscando por outros semelhantes, sem prender-se a pressupostos diversos.
Santé!
por Jucelio K. Medeiros
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