João Silva

Graduado em economia e relações internacionais pela Boston Univeristy. Mestre em relações internacionais na University of Chicago e mestre em finanças pela University of Miami.


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João Victor da Silva

Por que o liberalismo não dá certo na América Latina?

Bastião do liberalismo econômico na América Latina, Chile será governado a partir de 2022 pela extrema-esquerda

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Chilenos elegem Gabriel Boric para presidente | Foto: Divulgação | Via: SBT News
Chilenos elegem Gabriel Boric para presidente | Foto: Divulgação | Via: SBT News

A liberdade econômica é o principal motor do desenvolvimento econômico de uma nação. Afinal de contas, o crescimento econômico sustentável só é possível através do aumento da produtividade da economia. Nesse sentido, a liberdade econômica é essencial para o crescimento econômico por dois motivos. Em primeiro lugar, ela estimula a alocação eficientes dos fatores de produção e a especialização da produção. Em segundo lugar, com liberdade econômica permite-se o processo de “destruição criativa”, pois não é impedido o surgimento de inovações que atendam melhor as demandas dos consumidores e promovam avanços tecnológicos que beneficiem toda sociedade. Enfim, inovação e eficiência é o que se ganha com liberdade econômica. É por essa razão que o principal ponto em comum entre a maioria dos países mais desenvolvidos do mundo é a liberdade econômica. Contudo, nem todos os países que promovem a liberalização de sua economia conseguem se desenvolver e barrar o avanço dos ideais populistas da sociedade. Os recentes acontecimentos no Chile são um claro exemplo dessa situação.

O Chile, durante o governo de Augusto Pinochet, realizou amplas reformas para liberalização da economia e a estabilização dos elevados níveis de inflação ocorridos no governo de Salvador Allende. O papel do Estado foi substancialmente reduzido, controles sobre fluxo de capitais foram relaxados, assim como as taxas de câmbio. Também foram adotadas reformas para sustentabilidade fiscal do Estado chileno, como o regime previdenciário de capitalização. Contudo, no mesmo período que reformas de abertura econômica foram implementadas, o regime de Pinochet restringiu substancialmente as liberdades civis do país, assim criando um grande dilema para sociedade chilena: de que vale ter liberdade econômica, sem a garantia das liberdades individuais?

Como o arrefecimento da Guerra Fria e a defesa mais contundente da necessidade de garantir direitos humanos aos cidadãos, os países latino-americanos passaram por um processo de redemocratização nas décadas de 1980 e 1990. No Chile, diferentemente da maioria dos países da América Latina que promoveram sua abertura política, não foi escrita uma nova constituição. Desta maneira, o Chile conseguiu preservar os avanços institucionais que estabilizaram sua economia e permitiram o país a se tornar o mais próspero da América Latina. A manutenção de um elevado grau de liberdade econômica após a redemocratização, permitiu que o Chile experimentasse taxas de crescimento econômico muito mais altas que os seus vizinhos do continente, que em sua maioria adotaram modelos econômicos substancialmente intervencionistas. Hoje, por exemplo, o Chile possui um PIB per capita, aproximadamente 50% superior ao brasileiro.

Se no campo econômico o liberalismo venceu, o mesmo não pode ser dito no campo cultural. Assim como na maioria dos países latino-americanos a esquerda manteve a sua hegemonia cultural na educação, na mídia e no meio artístico. Inevitavelmente, o domínio da esquerda sobre a cultura tem resultado prático sobre a política. Aos poucos a maioria da população passa a entender a narrativa hegemônica como sendo uma verdade evidente. Então, passa a apoiar políticos com essa visão de mundo. O fato é que o discurso da esquerda tem um apelo à emoção muito mais forte que o dos liberais, os quais teimam em endeusar a eficiência econômica como bem supremo ao passo que esquecem da importância de diversos assuntos sociais que são considerados importantes por grande parte da sociedade.

Em entrevista recente a Revista Oeste, o Ministro da Economia, Paulo Guedes, fez uma análise similar sobre o porquê os liberais não têm sucesso eleitoral. Segundo o Ministro:

“Por que o Brasil é pobre de liberais? Essa é a pergunta que eu fazia para os meus amigos. A resposta é óbvia: o liberal está pensando em si mesmo, na sua família, no indivíduo. Está levando o individualismo ao extremo e perdeu para a esquerda, que falou de solidariedade, fraternidade, coração. Não temos defesa para conversar com eles, porque a conversa não é na cabeça, mas no coração. Por isso eles ganharam todas, menos uma. O único cara que ganhou deles foi o Jair Bolsonaro, porque ele também é coração.”

Em geral, a direita até consegue vitórias pontuais no continente, especialmente, quando os efeitos negativos do populismo econômico começam a afetar o bolso das famílias. Bolsonaro, no Brasil; Piñera, no Chile; Macri, na Argentina; Lasso, no Equador; Lacalle Pou, no Uruguai; Abdo Benítez, no Paraguai, e; Duque, na Colômbia, são alguns dos líderes mais a direita que tiveram sucesso eleitoral recentemente no continente. Contudo, o que une todos eles é a metáfora do “bolo e da cereja”. Em todos os casos, conseguiu-se eleger, a “cereja”, ou seja, presidentes de direita – defensores de maior liberdade econômica. No entanto, nenhum desses políticos possuem o “bolo”, ou seja, partidos e coalizões fortes para conseguirem sustentar sua agenda política. Ademais, em nenhum desses países há movimentos conservadores e liberais capazes de mudar a mentalidade da maioria da população. Do que adianta cereja sem bolo? O resultado é sempre o mesmo para as lideranças à direita do espectro político: incapacidade de avançar com uma agenda política liberalizante.

Diante deste cenário, torna-se claro a razão pela qual o liberalismo não tem vida longa na América Latina. Simplesmente, a população dessa região não enxerga a liberdade econômica como a melhor maneira de transformação social. Buscam, em geral, fórmulas fáceis para atenuar suas carências econômicas, especialmente na forma de auxílios e serviços providos pelos governos. Assim, fomenta-se um ambiente propício para disseminação do populismo econômico, que, mais cedo ou mais tarde, acaba gerando crises e desestimulando investimentos nesses países.

A eleição de Gabriel Boric, no Chile, é fruto da hegemonia esquerdista sob a cultura do país andino. Aliás, foi a população mais jovem do país que deu apoio massivo a Boric. Infelizmente, os resultados dessa escolha já começaram a ser sentidos, com o peso e a bolsa chilena experimentando fortes quedas. Afinal de contas, quando a perspectiva dos agentes econômicos é negativa acerca do futuro de determinada nação, o resultado é sempre o mesmo: fuga de capitais seguido de desestabilização macroeconômica.

Desafortunadamente, o Chile caminha a passos largos para o fracasso econômico e social. A Argentina, que já foi um dos países mais ricos do mundo, conhece que o retrocesso socioeconômico é possível. Infelizmente, um país que já foi exemplo de sucesso para seus pares latino-americanos vê um futuro obscuro pela frente. Com uma assembleia constituinte e a presidência tomadas pelos partidos de esquerda, o populismo econômico deve voltar a tomar conta do Chile, que tinha tudo para se consolidar como o país mais desenvolvido da região. Agora, o Brasil e outros países da América Latina devem olhar com atenção para o Chile, pois o sucesso do liberalismo dependerá da vitória da “guerra cultural”.

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