João Silva

Graduado em economia e relações internacionais pela Boston Univeristy. Mestre em relações internacionais na University of Chicago e mestre em finanças pela University of Miami.


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João Victor da Silva

O dilema do liberalismo econômico: pró-negócios ou pró-mercado?

Defensores de uma economia livre não podem adotar concomitantemente discursos pró-negócios e pró-mercado.

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Imagem ilustrativa/ Foto: Freepik
Imagem ilustrativa/ Foto: Freepik

Nos últimos anos, a política ganhou grande espaço no cotidiano dos brasileiros. Trata-se de um fenômeno extremamente favorável para o desenvolvimento do país. Afinal de contas, apenas uma população efetivamente engajada na discussão dos principais problemas políticos do Brasil, pode fazer com que a sociedade amadureça e a classe política represente os verdadeiros anseios do eleitorado. Contudo, apesar de a discussão política estar na ponta da língua dos brasileiros, a falta de conhecimento aprofundado sobre determinados conceitos e ideias faz com que a discussão política se torne substancialmente rasa e determinadas visões de mundo sejam defendidas intransigentemente sem que as pessoas realizem uma avaliação mais aprofundada dos ideais que estão defendendo.

Este problema é facilmente observado nas discussões sobre a liberdade econômica no Brasil. Nas últimas décadas, a economia brasileira decepcionou. A complexidade do sistema tributário, o excesso de regulamentações, as políticas econômicas intervencionistas fracassadas e o elevado nível de burocratização do serviço público são alguns dos sintomas mais evidentes dessa doença de baixo crescimento econômico que impede o Brasil de garantir a prosperidade a sua sociedade. Evidentemente, diante de tal quadro econômico deficiente, o discurso em favor do liberalismo econômico ganhou força sob a sociedade brasileira. Tornou-se mais frequente ouvir referências a renomados defensores do livre mercado, como Mises, Hayek, Friedman, Sowell, entre tantos outros. Este é um fenômeno extremamente positivo ao debate público brasileiro. Afinal de contas, romperam-se décadas da hegemonia keynesiana e marxista que inviabilizaram o processo de desenvolvimento econômico do país. Apesar disso, ainda existe muita confusão acerca dos princípios do liberalismo econômico. 

Uma das principais fontes de debate entre os defensores do livre mercado é a defesa da liberdade econômica irrestritas as empresas ou a defesa de um mercado competitivo. Para o leitor leigo no assunto, pode parecer que ambas as ideias não são incompatíveis, logo, não haveria brecha para controvérsia. No entanto, as visões pró-mercado ou pró-negócios dominam os debates entre economistas liberais. 

De fato, para que as empresas prosperem, inovem, consigam atender as demandas de seus consumidores e tenham uma rentabilidade boa é preciso a adoção de políticas públicas que não atrapalhem a eficiência dessas empresas. O dono de um restaurante, por exemplo, não deveria ter que se preocupar com burocracias, com o caos tributários e as leis trabalhistas esdrúxulas. Tais medidas apenas atrapalham o pequeno empreendedor e reduzem a eficiência de seu negócio. Em cenários como esse todos os defensores do liberalismo econômico tendem a concordar. O problema é que essa mesma lógica não se aplica a mercados altamente concentrados. 

Quando se trata de mercados oligopolizados ou monopolizados, o mesmo pensamento pró-negócio não pode ser aplicado. Afinal de contas, quando poucas empresas, ou até mesmo uma empresa, dominam o seu segmento de atuação não estamos tratando mais de uma economia livre. Nesses casos, o poder de mercado que elas possuem fazem com que elas determinem o preço de seus produtos no nível que maximizem seus lucros. Quando a competição é restrita, as leis da economia que se aplicam aos mercados competitivos são descartadas. Quem perde é o consumidor que precisa adquirir produtos, muitas vezes, de qualidade inferior e com preços mais altos, já que as empresas sofrem menos pressões para investir na pesquisa e desenvolvimento de novos produtos. 

Um microcosmo dessa situação são as lanchonetes dos aeroportos, onde os preços de um mísero pão de queijo superam em 600% daqueles praticados no centro da cidade. Isto acontece, pois, nos aeroportos a concorrência é limitada. Portanto, as lanchonetes conseguem impor elevados preços sem elas poderem ser ameaçadas pelos concorrentes. Já no cotidiano, vemos isso em alguns setores, como o bancário. Você já se perguntou por que os juros praticados pelos bancos no Brasil em diversos segmentos, como cheque especial, financiamento imobiliário e cartão de crédito estão muito acima da Selic (taxa básica de juros)? Basicamente, o raciocínio é parecido como o do exemplo do aeroporto. No Brasil, apenas cinco bancos concentram cerca de 80% do mercado bancário do país. Com tão pouca concorrência, os bancos têm maior poder de elevar as taxas de juros de empréstimos. Contudo, para ser justo, outros fatores também influenciam os juros estratosféricos cobrados por instituições financeiras no país, especialmente os problemas de informação assimétrica, os quais elevam o risco de crédito.

Outro problema que a elevada concentração de mercado que esses oligopólios e monopólios geram é a tradução de poder econômico em poder político. Essas empresas podem se associar a classe política para passar novas leis e regulamentações que impeçam ou dificultem a entrada de novos competidores, os quais poderiam ameaçar a fatia de mercado dessas empresas. Ademais, em alguns casos, como estamos presenciando hoje com as redes sociais, seus dirigentes podem determinar a remoção de conteúdo que contrariem suas visões políticas, assim, impondo uma censura de fato para sociedade. Nesse sentido, a democracia fica vulnerável as aspirações políticas dos grandes empresários e a economia deixa de ser livre, pois o sistema econômico passa a beneficiar exclusivamente as grandes corporações. Deixa-se de ter uma economia capitalista competitiva para se adotar um sistema capitalista clientelista, no qual o sucesso empresarial está atrelado as relações entre o empresário e a classe política. Diante deste cenário, torna-se muito perigoso ser um defensor pró-negócios. Afinal de contas, quando poucas empresas dominam determinado segmento, a economia deixa de ser eficiente e a sociedade é prejudicada. 

Nesse sentido, a discussão sobre a liberdade econômica do Brasil deve ser repensada. O Brasil precisa, sim, deixar de ser um local inóspito aos empreendedores. A economia deve ser liberalizada, o setor público precisa ser mais eficiente, os impostos precisam ser mais baixos, o sistema tributário precisa ser mais simples e as leis trabalhistas devem ser mais flexíveis. O Estado deve deixar de atrapalhar a vida do empresário, especialmente de pequenas e médias empresas. Contudo, da mesma forma que o Estado deve estimular o empreendedorismo, ele deve trabalhar para que nenhuma empresa domine de tal forma seu mercado que permita ela impor seus preços e impeça a livre concorrência. Afinal de contas, o domínio econômico pode corromper o livre mercado e a liberdade política. Quando falamos de mercado com baixa competição, não se pode ser pró-negócios, devemos ser pró-mercado.

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