João Silva

Graduado em economia e relações internacionais pela Boston Univeristy. Mestre em relações internacionais na University of Chicago e mestre em finanças pela University of Miami.


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João Victor da Silva

É preciso agir para conter o avanço da inflação

No Brasil, temos vários indícios que estamos experimentando um aumento generalizado de preços

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Foto: Marcello Casal Jr/ Agência Brasil
Foto: Marcello Casal Jr/ Agência Brasil

No artigo da semana passada, busquei abordar como as políticas econômicas adotadas pelas grandes economias do mundo está levando a desequilíbrios econômicos que já estão afetando parte da população e que devem se intensificar nos próximos meses. Tanto no Brasil quanto nas grandes economias mundiais, um dos sintomas mais notáveis das políticas econômicas e das políticas sanitárias já começa a ser sentido: o aumento das taxas de inflação.

Nas últimas décadas, a maioria dos países conseguiram controlar os sucessivos e instáveis aumentos de preços que traziam tantas instabilidades econômicas. Com políticas fiscais mais responsáveis, a adoção de políticas monetárias focadas no controle da inflação e a liberalização e globalização da economia mundial o mundo pode crescer de forma sustentável, sem taxas de inflações altas, comuns entre as décadas de 1950 e 1980. Passamos a ter acesso a produtos mais baratos, distribuídos através de uma rede logística complexa. Ou seja, conseguimos crescer sem um aumento expressivo do preço de bens e serviços, graças a redução do custo de produção, desenvolvimento do setor de logística e aumento da produtividade e competição da economia mundial.

Contudo, nos últimos meses passamos a experimentar a reversão desse quadro de maior estabilidade de preços, que possuem basicamente duas origens diferentes. Por um lado, as restrições a atividade econômica implementadas pela maioria dos países em decorrência da pandemia, ocasionou um problema de oferta de produtos sem precedentes. Com a redução das transações comerciais, queda da demanda agregada nas grandes economias do mundo e impedimento a execução de algumas atividades industriais, muitas indústrias interromperam ou reduziram substancialmente suas atividades. Com demissões de funcionários e a redução da atividade das linhas de produção, a oferta de produtos caiu substancialmente. 

Por outro lado, com políticas fiscais e monetárias expansionistas, com o aumento da vacinação da população e com o relaxamento de medidas de isolamento social, experimentamos um aumento da demanda agregada sem precedentes. Inevitavelmente, com um setor produtivo desorganizado, ao mesmo tempo que experimentamos um aumento da demanda mundial por bens e serviços, a teoria macroeconômica nos explica que o nível de preços deve subir. Afinal de contas, estamos experimentando, ao mesmo tempo, um choque negativo da oferta agregada e um choque positivo da demanda agregada.

De certa forma, um aumento transitório de preços, fruto de uma desorganização da oferta de bens não seria um grande problema econômico, pois, com o tempo, o setor produtivo poderia reorganizar sua produção e os preços voltariam a se estabilizar. O grande problema é quando passamos a experimentar um aumento generalizado de preços, que são frutos de política fiscais e monetárias expansionistas.

No Brasil, temos vários indícios que estamos experimentando um aumento generalizado de preços. Até maio, o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) – principal índice de inflação do Brasil – alcançou a taxa anualizada de 8,06%, superando muito o teto da meta de inflação estabelecida pelo CMN (Conselho Monetário Nacional) que é de 5,25%. Este desequilíbrio dos preços é resultado das políticas de expansão econômica, que estimularam a demanda agregada e depreciaram a moeda. Assim sendo, tanto bens e serviços nacionais quanto importados ficaram mais caros para a população.

Gráfico 1: Preços – IPCA e meta para a inflação

Fonte: Banco Central do Brasil

É verdade que o aumento de preços é influenciado por eventos imponderáveis como o aumento do preço do petróleo no mercado internacional e o aumento do preço da energia, em virtude da maior crise hídrica em 100 anos no Brasil. Contudo, não se pode ignorar o problema da inflação, seja ele temporário ou permanente. Afinal de contas, a inflação compromete o bem-estar e padrão de vida da população, ao passo que o dinheiro que uma família possui passa a perder poder de compra, ou seja, consegue-se comprar menos bens e serviços com aquela mesma quantidade de dinheiro. Já para as empresas, o descontrole dos preços dificulta suas atividades futuras, pois com um aumento instável de preços perde-se a capacidade de prever os custos de produção ou de determinado investimento. Portanto, reduzindo a propensão do crescimento das empresas e reduzindo a lucratividade dos negócios.

Não é por acaso que a inflação é uma das principais causas de revoltas e protestos ao redor do mundo. Desde protestos de alguns setores da sociedade até revoluções políticas foram causadas por períodos de alta da inflação. Na Alemanha após a Primeira Guerra Mundial, por exemplo, o país precisou lidar com uma hiperinflação. Suas implicações econômicas e sociais foram um dos fatores fundamentais para a ascensão do nazismo naquele país. No Brasil, a inflação elevada também já causou situações graves. Durante o Plano Cruzado, por exemplo, parte da população e da classe política implementaram uma narrativa política antiempresarial e antieconômica, que visava estigmatizar todos os empresários e figuras publicas que defendessem o livre funcionamento da economia. Chegou-se a criar a figura dos “Fiscais do Sarney”, consumidores que ficavam fiscalizando os preços nos mercados e denunciando os empreendimentos que aumentassem o preço de seus produtos – nada muito diferente do que ocorre na Venezuela bolivariana. Hoje, o aumento do preço dos combustíveis, por exemplo, já está fazendo com que líderes dos caminhoneiros organizem uma greve no próximo dia 25.

Diante de um cenário de crise econômica e aumento da inflação o governo passa a lidar com diversos dilemas. O principal desses dilemas é como promover o crescimento econômico do país, sem causar desequilíbrios econômicos. Afinal de contas, com milhões de brasileiros vivendo em uma situação de vulnerabilidade social torna-se imprescindível a concessão de auxílios para esta parcela da população. Com milhares de empresas afetadas pelas medidas de restrição a atividade econômica também é importante que se provenha recursos para estas empresas superarem a pandemia. Contudo, o aumento do gasto público, necessário para realizar estas medidas, ocasiona problemas: a percepção de risco-país aumenta, a moeda se deprecia, e a inflação sobe.

Em um momento extraordinário da história, como estamos vivendo hoje, medidas corajosas precisam ser tomadas. Estas medidas extraordinárias não devem estar sujeitas nem ao populismo econômico, nem a deterioração da segurança jurídica do país. O Brasil, na realidade, precisa de liberdade econômica e de uma reestruturação do Estado. Reduzir os privilégios da elite do funcionalismo público e permitir o desenvolvimento do setor produtivo do país são os únicos caminhos para que o Brasil possa crescer e o Estado consiga garantir serviços públicos de qualidade e assistir prudentemente a sociedade em crises como a COVID-19, sem gerar grandes desequilíbrios econômicos.

Enquanto isso, o populismo econômico deve ser afastado e o Banco Central deve agir para cumprir seu mandato de estabilidade de preços. Aumentar os juros, para reduzir as taxas de inflação é uma medida crucial para preservar a credibilidade da autoridade monetária e, consequentemente, a preservação do poder de compra da moeda. Apenas um país com uma política econômica crível pode conquistar a confiança da sociedade. O controle dos preços é o principal mecanismo para garantir a confiança da população na moeda e evitar que as pessoas, especialmente os mais pobres, que não tem acesso a instrumentos financeiros que preservem o poder de compra de seus recursos, tenham sua dignidade vilipendiada pela inflação.


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