João Silva

Graduado em economia e relações internacionais pela Boston Univeristy. Mestre em relações internacionais na University of Chicago e mestre em finanças pela University of Miami.


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João Victor da Silva

É necessário haver o teto de gastos?

Teto de Gastos foi implementado no Brasil devido a incapacidade do Congresso em gerir os Orçamentos Públicos

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Foto: Marcello Casal Jr/ Agência Brasil
Foto: Marcello Casal Jr/ Agência Brasil

A essência da política é a gestão das contas públicas. É através da política fiscal que um país define quais são as prioridades das políticas públicas. Em um sistema de democracia representativa a população delega aos seus representantes a responsabilidade de definir as prioridades de ação do Estado para solucionar os problemas mais latentes do país. Se temos uma pandemia, por exemplo, o parlamento pode aumentar os gastos com saúde e reduzir os gastos com a educação, já que as aulas ficaram paralisadas e os hospitais ficaram superlotados. Diante da necessidade de se ajustar o orçamento aos novos problemas e demandas sociais as leis orçamentárias e fiscais deveriam dar flexibilidade aos parlamentares. Contudo, a gestão fiscal e orçamentária brasileira está bem distante desta realidade. 

O Brasil, historicamente, tem uma gestão fiscal deplorável. Durante a maior parte de nossa história os orçamentos públicos eram muito grandes para a capacidade econômica do país. Como resultado, experimentamos em diversos períodos déficits fiscais elevados e um aumento expressivo da dívida pública. Tal condição desencadeou diversas crises econômicas e até hiperinflações. Com a Constituição Federal de 1988, a situação fiscal do país se agravou ainda mais. Afinal de contas, a “Constituição Cidadã” estabeleceu diversas novas obrigações sociais para o governo e ainda engessou os orçamentos públicos com gastos obrigatórios. O próprio presidente José Sarney dizia que a nova Constituição deixaria o país “ingovernável”. Infelizmente, a história comprovou que a análise de Sarney estava correta.

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Com a Constituição de 1988, os gastos do governo federal em relação ao PIB praticamente dobraram. Em 2020, os gastos do Governo Federal foram superiores a 20% do PIB. Quando adicionamos estados e munícipios a esta conta a situação é ainda pior: 42,73% de gastos públicos em relação ao PIB.

Gráfico 1: Gastos do Governo Federal em Relação ao PIB (1960 – 2020)


Fonte: TheGlobalEconomy.com

Tamanho desequilibro das contas públicas fez o país experimentar diversos surtos inflacionários durante as décadas de 1980 e 1990. Com o Plano Real a inflação foi vencida através de uma política monetária mais restritiva. Contudo, o problema fundamental da economia brasileira não foi atacado: a indisciplina fiscal. Tal situação reduziu a capacidade de crescimento da economia brasileira. Afinal de contas, com juros elevados para reduzir os efeitos inflacionários do gasto público elevado, inviabilizou-se diversos investimentos na economia do país. No entanto, apesar do baixo crescimento, por alguns anos conseguimos manter um certo grau de estabilidade econômica.

Entretanto, com a “Nova Matriz Econômica” no governo Dilma, a situação econômica do país se deteriorou substancialmente. O aumento do gasto público associado a crise econômica colocou o Brasil em uma trajetória fiscal insustentável. Durante o governo Temer, foram aprovadas algumas reformas que serviram com paliativos para a grave situação fiscal do Brasil. A principal dessas reformas foi o Teto de Gastos. Basicamente, com esta reforma ficou proibido o crescimento do gasto público acima da inflação por um período de 10 anos. Tratava-se de uma lei que visava sinalizar aos agentes econômicos que o Brasil manteria uma política de responsabilidade fiscal. Assim, aumentar-se-ia a confiança dos investidores e empreendedores na economia do país.

O Teto de Gastos não sinaliza apenas um compromisso do país com a responsabilidade fiscal. O “teto” simboliza a incapacidade da classe política brasileira em controlar os orçamentos públicos. Afinal de contas, a Constituição precisa dizer aos congressistas como distribuir os recursos públicos e o quanto o Estado pode gastar. Em última instância, presume-se que os congressistas são incapazes de executar uma de suas principais atribuições: fiscalizar, discutir e votar os orçamentos públicos. 

Com a crise da Covid-19 tornou-se visível como a inação dos parlamentares em relação ao controle dos gastos públicos pode trazer grandes danos econômicos ao país. Se o Brasil tivesse contas públicas equilibradas durante períodos de estabilidade, o Estado teria maior capacidade de minimizar os efeitos de crises. Agora, por exemplo, o Brasil enfrenta um grande dilema entre responsabilidade fiscal e os compromissos sociais. Com apenas 6% do orçamento disponível para despesas livres e o aumento inesperado de gastos com precatórios, o governo viu sua capacidade de auxiliar as famílias mais atingidas pelos efeitos econômicos da pandemia inviabilizada. 

A verdade é que um “furo” de 30 ou 40 bilhões de reais terá um efeito mínimo sob as contas públicas. Aliás, mesmo com o “furo do teto” o governo Bolsonaro deve ser o primeiro a terminar uma gestão com um gasto em relação ao PIB menor do que o governo anterior. No entanto, a sinalização que o teto pode ser furado causa apreensão nos agentes econômicos, pois abre um precedente negativo para os próximos governos. Ou seja, os agentes econômicos não estão preocupados com um aumento do gasto para minimizar os efeitos de uma situação extraordinária como a pandemia. Eles estão preocupados que a classe política não manterá o compromisso com a responsabilidade fiscal em um futuro próximo.

Há duas semanas o início da discussão do orçamento do governo britânico demonstra como os orçamentos públicos são a essência da política em países democráticos. O Ministro das Finanças, Rishi Sunak, saiu de sua residência oficial com a “caixa vermelha do orçamento” que simbolicamente demonstra a proposta orçamentária do governo para discussão na Câmara dos Comuns. Agora, está em discussão no Parlamento do Reino Unido quais serão as modificações do orçamento do próximo ano, as quais visam atender os diferentes interesses da população dentro do atual contexto econômico e social do país. Sem gastos obrigatórios e sem teto de gastos, os parlamentares britânicos podem fazer política sem causar apreensão nos “mercados”. Afinal de contas, seu histórico de responsabilidade com o orçamento é infinitamente melhor que a dos congressistas brasileiros.

O Brasil não precisa apenas de reformas econômicas para votar a crescer. O país precisa ter uma reforma política que possibilite a ascensão de políticos capacitados e com legitimidade popular para o legislativo. Assim, os orçamentos públicos poderão ser geridos com responsabilidade e o Brasil conseguirá conquistar a confiança de investidores internos e externos na economia nacional. 

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