João Silva

Graduado em economia e relações internacionais pela Boston Univeristy. Mestre em relações internacionais na University of Chicago e mestre em finanças pela University of Miami.


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João Victor da Silva

Geração nem-nem: um problema que precisa ser discutido

Cada dia torna-se mais comum ver jovens que passam o dia inteiro navegando em suas redes sociais, jogando videogame, assistindo Netflix e YouTube e consumindo álcool e drogas

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Imagem Ilustrativa. Foto: Pixabay | Banco de Imagens
Imagem Ilustrativa. Foto: Pixabay | Banco de Imagens

Um dos fenômenos sociais que impõem um dos maiores riscos para o desenvolvimento econômico e social do Brasil é o crescimento da chamada geração “nem-nem”. A geração nem-nem se trata de um grupo volumoso de jovens brasileiros que nem trabalham nem estudam. Segundo dados de 2018 do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), 23% dos jovens entre 15 e 29, ou seja, mais de 11 milhões de jovens brasileiros não dedicam seu tempo ao trabalho ou ao estudo. Já em Santa Catarina a situação é um pouco melhor, mas ainda preocupante. Em nosso estado 14% dos jovens nem estudam e nem trabalham, o que representa cerca de 229 mil pessoas.

No entanto, não seria necessárias pesquisas para constatar está realidade disseminada em nossa sociedade. Afinal, cada dia torna-se mais comum ver jovens que passam o dia inteiro navegando em suas redes sociais, jogando videogame, assistindo Netflix e YouTube e consumindo álcool e drogas. Até mesmo jovens trabalhadores estão passando por algo parecido, pois trabalham desmotivados e sem pretensão de se desenvolverem profissionalmente. Assim sendo, quando grande parte de uma geração passa a enfrentar uma crise existencial que freia os estímulos desta população em ascender socialmente, cultivar valores virtuosos e fazer algo de produtivo para sociedade, acaba-se entrando em um grave problema social.

Infelizmente, apesar do crescimento da geração nem-nem ter consequências negativas para o desenvolvimento do país tanto no curto quanto no longo prazo, este tema é relegado como algo de importância marginal no debate público brasileiro. Contudo, é essencial compreender as causas e consequências deste problema para evitarmos que esta crise geracional continue pondo em risco o futuro do Brasil.

Encontrar a origem deste problema não é algo simples. Afinal, existem uma série de fatores que se pode atribuir ao fenômeno da geração nem-nem. Alguns especialistas atribuem esse fenômeno a crise econômica que o Brasil enfrenta desde 2013. Certamente, a redução de oportunidades de emprego pode ter contribuído para o número elevado de jovens sem trabalhar e estudar. No entanto, este fenômeno não acontece apenas no Brasil. Países desenvolvidos com muitas oportunidades de emprego como EUA, Coréia do Sul, Japão, Reino Unido e diversos países europeus também sofrem com o crescimento da geração nem-nem. Logo, parece-me que a verdadeira raiz deste problema está relacionada com as profundas transformações econômicas e socioculturais que o mundo experimentou nas últimas décadas.

No âmbito econômico, a geração mais jovem está vivendo o período de maior prosperidade da história do planeta. Nunca se produziu tanta riqueza quanto hoje. Infelizmente, poucas pessoas têm uma visão histórica abrangente para compreender como nossa vida tornou-se mais cômoda com o desenvolvimento do capitalismo e o avanço tecnológico. Entre 1950 e 2016, por exemplo, o PIB per capita do Brasil cresceu 8,7 vezes. Segundo uma pesquisa realizada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) em 2018, apenas 2,8% das casas brasileiras não tinha TV.

Três décadas atrás apenas as famílias mais abastadas tinham televisores. Comparações ainda mais dramáticas podem ser feitas. A família Medici, considerada uma das famílias mais ricas da história, – muito poderosa entre os séculos XVI e XVIII – não possuía o acesso a diversos bens e serviços que até as famílias pobres tem acesso hoje. Os Medici não tinham acesso a medicamentos, rádios, televisão, geladeira, internet, carros, aviões, entre tantos outros bens e serviços acessíveis a grande maioria dos brasileiros. Em última instância, todos esses produtos e serviços que cada dia possuem uma melhor qualidade com um menor preço foram fruto do trabalho das gerações do passado, que dedicarem seu esforço físico e intelectual para desenvolver economias e sociedades mais bem estruturadas.

Gráfico 1: PIB Mundial dos Últimos Dois Milênios

Gráfico coluna João
Fonte: Our World in Data | Universidade de Oxford

Tristemente, muitos dos jovens não percebem quanto seus pais, avós e bisavós sofreram para conseguir ascender socialmente. A poucas décadas atrás, a maioria dos familiares da geração nem-nem faziam trabalhos braçais em lavouras e obras para conseguir sustentar suas famílias. Hoje, a situação é mais fácil. Com o assistencialismo do Estado e com o apoio de familiares a geração nem-nem tem acesso a uma vasta quantidade de produtos e serviços sem precisarem se esforçar muito. Enquanto seus pais e avós precisavam cruzar a cidade para assistir a um filme no cinema, hoje se tem acesso a uma infinidade de filmes por preços ínfimos. Enquanto no passado seus bisavôs, precisavam plantar o próprio alimento, hoje basta pedir sua comida pelo aplicativo do smartphone.

Contudo, as facilidades materiais do mundo contemporâneo não conseguem explicar completamente o comportamento da geração atual. A falta de ambição para se desenvolverem profissionalmente e a repulsa dos jovens em realizar trabalhos considerados de pouco “prestígio” são resultados de transformações socioculturais que privilegiam o ostracismo em detrimento do trabalho.

Leis demasiadamente restritivas acerca do trabalho infantil, por exemplo, fazem com que pais no interior do país não possam ensinar a seus filhos as técnicas do seu ofício nas lavouras, como se trabalhar fosse algo imoral. Ano passado, um caso emblemático aconteceu em Catalão, no estado de Goiás. Um vídeo que viralizou nas redes sociais mostra um menino de 10 anos, que fazia serviços de engraxate, comprando um relógio para presentear seu pai no Dia dos Pais. O vídeo sensibilizou milhões de brasileiros com a atitude bonita do menino, que com o dinheiro fruto de seu próprio trabalho presenteou seu pai com o relógio. Contudo, algumas semanas após a divulgação do vídeo o Ministério Público do Trabalho de Goiás notificou o dono da relojoaria, que divulgou o vídeo, por apologia ao trabalho infantil. Trata-se de um exemplo do Estado atuando para transformar valores virtuosos em crimes. Provavelmente se o menino estivesse vendendo drogas o Ministério Público nada faria; apenas trataria o jovem como “vítima da sociedade”.

A queda da influência da religião sobre os jovens e a deterioração do ensino no país também parecem influenciar o comportamento dos jovens de hoje. Com menos repreensão as condutas desajuizadas que muitos jovens cometem, valores importantes para a formação do caráter da juventude acabam sendo relativizados. Assim sendo, muitos desses adolescentes e jovens adultos deixam de reconhecer a virtude da ética do trabalho para seu desenvolvimento pessoal e acreditam que buscar uma vida hedonista é o que lhes resta para serem feliz.    

Contudo, a conta que a geração nem-nem deve deixar para o país será muito grande. Pessoas improdutivas e frustradas, que dependerão do auxílio do Estado e dos familiares para sobreviver, não conseguirão viver a vida inteira desta maneira. Afinal de contas, quem bancará a previdência social desses cidadãos? Quem bancará a saúde dos membros da geração nem-nem? Quando os pais da geração nem-nem morrerem, quem pagará suas contas? Quanto o país pode deixar de crescer com a ausência desta população na força de trabalho? Todas essas questões precisam ser respondidas, pois afetarão nosso país em alguns anos.

O primeiro passo para reverter o problema de geração nem-nem é conscientizar os jovens da importância de se desenvolverem profissionalmente e moralmente. Benjamin Franklin, em uma carta intitulada “Conselho para um Jovem Comerciante” recomendou que “[…] [o caminho para a riqueza] depende principalmente de duas palavras, trabalho duro e frugalidade; ou seja, não desperdice tempo nem dinheiro, mas faça o melhor uso de ambos. Aquele que consegue tudo o que pode honestamente e economiza tudo o que consegue certamente se tornará rico; [ao mesmo que Deus], a quem todos deveriam buscar uma bênção para seus esforços honestos, não determinou de outra forma em sua sábia Providência”.

Foram através de ideias como as de Franklin que os EUA conseguiram se transformar na nação mais poderosa do mundo. Talvez, se voltarmos a pregar os ensinamentos do passado, possamos mudar a preocupante realidade da geração nem-nem.    


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